EDUCAÇÃO? MERA FORMALIDADE PARA O MUNDO VER

“Se a educação não fosse considerada internacionalmente um direito fundamental, o Executivo não construiria escolas, porque em Angola o processo é uma mera formalidade em obediência às exigências das instituições e sociedade internacionais”, afirmam gestores escolares, docentes e pesquisadores em Ciências e Políticas da Educação que reflectem com preocupação o Dia Internacional da Educação que hoje, 24, se assinala.

Por Geraldo José Letras

Assinala-se nesta quarta-feira, 24 de Janeiro, o Dia Internacional da Educação. Uma data instituída pela Assembleia Geral das Nações Unidas para celebrar o papel da educação na edificação da paz e do desenvolvimento.

Para os gestores escolares e pesquisadores em Ciências da Educação, Angola está longe de ter uma “educação de qualidade, inclusiva, equitativa, e de oportunidades para todos, e que ajude a romper o ciclo de pobreza que deixa milhões de crianças, jovens e adultos para trás”.

Na concepção do gestor escolar e professor de carreira, Manuel Mbanza, “a educação em Angola é uma mera formalidade. Temos dito que, se a educação não fosse considerada um direito fundamental, o governo angolano não construiria escolas”.

“A minha avaliação é negativa pelo factor que acabei de frisar (formalidade), mas também por não ser capaz de dar resposta/solução aos problemas sociais básicos que o país enfrenta. Pela falta de condições materiais (recursos didácticos)”, diz Manuel Mbanza.

Outro factor que contribui negativamente para a decadência crescente da qualidade de ensino é a sua mercantilização. As pessoas que estão a investir no sector educativo não têm conhecimento sobre o fim da educação. Investem no sector com a lógica comercial e não formativa. É nessa perspectiva que vemos a sobrelotação das salas de aula, expondo os professores a condições difíceis de trabalho que reduzem a eficácia do ensino.

Esses factores são reveladores de falta de compromisso com o futuro da nação. Não obstante a quantidade de pessoas licenciadas e com nível médio, a competência dessas pessoas é garantida pela conduta individual e não pelo processo em si, analisou o gestor escolar e professor de carreira, Manuel Mbanza, ao apontar recomendações para que se melhore o estado em que se encontra o Sistema Nacional de Educação.

“Do meu ponto de vista, para melhorar a qualidade de ensino em Angola é necessário fazer-se um grande investimento:

Formação dos gestores das instituições de ensino.
Os gestores dos departamentos provinciais, municipais, os directores e subdirectores das escolas devem ser competentes na área de gestão de ensino ou de escola e ser dotado de conhecimentos pedagógicos;

Formação dos professores.
A qualidade do quadro docente no país é débil. É necessário que se formem professores com elevado espírito de responsabilidade e comprometido com a transformação do homem.

A construção de escolas deve obedecer a parâmetros bem definidos e rigorosos. Como a obrigatoriedade de haver biblioteca, salas de informática, laboratórios para todas as disciplinas teórico-prática, internet, refeitório, etc..

Formação de supervisores pedagógicos, que façam cumprir os princípios organizativos e didácticos.
Investimento na investigação científica.
Remuneração condigna dos profissionais do sector.
Sensibilização dos pais e encarregados de educação, de modo que percebam que o acompanhamento dos educandos é fundamental (…)”.

Atento aos objectivos da agenda de África 2030-2063 e a Lei de Base do Sistema de Educação e Ensino, o docente universitário, Gilberto Sonhi, conclui que “tendo em conta os resultados que se têm alcançado ao longo dos últimos anos, podemos afirmar que temos que fazer para que tenhamos uma educação capaz de transformar homens que sejam capazes de transformar as sociedades, assegurando o desenvolvimento sustentável da sociedade angolana”.

“Se reflectíssemos em volta dos objectivos da educação previstos na lei de base do sistema de educação e ensino; nos objectivos da agenda 2030 e 3063 para África, notaremos que há aqui uma bifurcação entre o que aqui se materializa com aquilo que os documentos referenciados defendem. Ou seja, a não materialização dos objectivos locais, previstos na lei de base de educação e ensino não nos garante o cumprimento dos objectivos previstos na agenda 2030 e na agenda 2063 para África.

Em suma, podemos afirmar que a educação em Angola tem qualidade, tendo em conta o tipo de escola que temos, mas uma qualidade que deixa muito a desejar para se inverter o quadro sombrio, é preciso aposta na formação e na capacitação dos quadros da educação, dando a estes o direito à educação e o direito na educação. Por outra, devemos apostar na construção de escolas funcionais, ou seja, escolas que nos possibilitam a construção do homem angolano previsto na lei de bases do sistema de educação e ensino, na agenda 2030 e na agenda 2063 para África”, observou o docente universitário, Gilberto Sonhi.

Para o também docente universitário e pesquisador em Ciências e Políticas da Educação, Chocolate Brás, o Dia Internacional da Educação que se assinala nesta quarta-feira, 24 de Janeiro, começa por analisar a componente do trabalho docente para defender inovação pedagógica em Angola como primeiro passo para que aconteça o funcionamento de qualquer reforma educacional.

“A institucionalização do trabalho docente se confunde com o início da história da educação, pelo que há que se prestar sempre atenção sobre o trabalho docente. E neste sentido, Angola precisa avançar num nível em que haja percepção da valorização do professor. Não se pode dissociar a melhoria da qualidade do ensino da melhoria da qualidade de vida do professor ou do profissional da educação. É necessário garantir que os professores tenham a garantia de melhores condições de vida, e que se valorize o professor no seu todo. Essa valorização pressupõe três indicadores fundamentais, mas primeiro, a questão da formação inicial do professor antes dele se profissionalizar em serviço, e depois a formação contínua que é aquela que é feita em serviço por meio de curso de pós-graduação ou formações contínuas”, salienta.

E acrescenta: “O segundo indicador tem que ver com as condições de trabalho. Deve se garantir que os professores tenham as melhores condições de trabalho didáctico-pedagógicas e administrativas, porque não é normal que os professores continuem a passar por dificuldades para adquirir material bibliográfico para prepararem as aulas ou mesmo passarem um dia inteiro sem consumir água ou acesso a alimentação, portanto, as condições de trabalho são fundamentais para que o professor melhore. E por fim, a questão da remuneração analisada em dois pontos de vista, primeiro, o salário que deve ser o mais concorrido possível, e também dos subsídios, considerando o isolamento e os perigos da própria acção docente. Em relação a isso, é também preciso destacar os processos de gestão educacional também têm impacto sobre o trabalho docente. Gestão educacional pressupõe gestão política e processual ao nível central e local. A cada vez políticas gizadas do modelo de topo a base, o que de certa forma leva com que muitas políticas e programas não representem de facto aquilo que são as necessidades reais das escolas. Portanto, é importante que as escolas consigam ser produtoras de políticas, que se valorize os actores em contexto, nomeadamente os professores, os gestores escolares, os alunos, pais e encarregados da educação, no processo de tomada de decisão sobre políticas e programas do sector da educação”.

Alinhado na mesma visão do gestor escolar, Manuel Mbanza, e do docente universitário, Gilberto Sonhi, o pesquisador em Ciências e Políticas Públicas da Educação, Chocolate Brás, denuncia que Angola é dos poucos países no mundo que em 48 anos de Independência ainda não tem criada pelo Governo uma Política de Infra-estruturas Escolares.

“Não se sabe em Angola, definir de facto que condições uma estrutura física deve ter para que seja uma escola. Continuamos a reduzir o conceito de escola a ideia de salas de aula, e com isso, vamos tendo mais escolas sem balneários funcionais, escolas sem ginásios desportivos, escolas sem bibliotecas, escolas sem pátio, portanto, tudo isso, tem que ver com essa falta de uma lei de infra-estruturas escolares. A esse nível é também importante dizer que a própria escola joga um papel muito grande sobre a acção dos alunos”, diz Chocolate Brás.

O pesquisador em Ciências e Políticas da Educação e docente universitário, Chocolate Brás, a pesar de muito ainda estar por se fazer e melhorar no sector em Angola, reconhece que houve “alguns avanços do ponto de vista da garantia do acesso a educação, não obstante termos uma média de crianças fora do sistema de ensino, em ronda de dois milhões de crianças. É um assunto que de facto demanda alguma intervenção urgente, e também o facto de termos pessoas na gestão das escolas ainda não muito bem preparadas, porquanto em muitos casos, o cargo de Director escolar ainda é encarado como uma espécie de recompensa entre militantes partidário. É necessário, de facto, profissionalizar a gestão escolar, seja através da eleição do gestor escolar, pelos seus pares nas escolas e pela garantia da formação específica para quem vai exercer o cargo”.

O pesquisador em Ciências e Políticas da Educação denuncia ainda a existência de professores em salas de aula “sem formação pedagógica, científica, humanista e hermenêutica para actuar como professor, e como tal, tendem a pôr em causa essa nobre missão cujo objectivo é educar e instruir as novas gerações”, concluiu.

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