O 26 de Agosto de 2024, ficará na memória da massa militante do MPLA, não só pelo conteúdo inócuo da convocatória do presidente do MPLA, aos líderes dos CAP’s (considerados a nova tábua de salvação), como também, um claro atestado de incompetência ao maior comité central (mirim) do mundo, criado por ele e integrado por 700 membros.
Por William Tonet
O conclave integrado por mais de dois mil delegados, das antes (desde 2018) esquecidas estruturas de base, para, com carácter de urgência, apoiarem preceitos de dissensões partidocratas, através da adopção de normas cismáticas, carentes de respaldo, nos estatutos e programa do MPLA.
A lógica atabalhoada, longe de constituir força e intimidação, com processos judiciais, adoptada nos primeiros anos, parece já não intimidar uma franja importante dos membros do Bureau Político e do Comité Central, numa clara demonstração de um crescente isolamento do líder.
Tanto assim é que muitos primeiros secretários dos CAP’s preparavam-se para uma verdadeira revolução interna, denunciando, ao vivo e a cores, a gestão partidária e executiva do líder, o distanciamento para com as bases, a fome que grassa pelas avenidas dos pobres, o desemprego e a dificuldade dos militantes poderem, mobilizar, nos bairros, cidades e sanzalas, face a crítica situação económica e social.
Um militante faminto e desempregado, não tem paixão nem tesão para mobilizar iguais. É desqualificado, revoltado, contestatário.
E tendo tido conhecimento prévio deste movimento, não fosse o diabo tecê-las, e o seu staff peneirou (excluiu), à última hora, já no Centro de Convenção de Belas, 40%, dos primeiros secretários, considerados revús, substituindo-os por “jovebajus”, dentre os quais a que leu o papel do laboratório a atacar, Dino Matross e pares…
A estratégia de João Lourenço se vitimar, abrindo novas frentes internas, no 26 de Agosto, contra a legitimidade de camaradas, pode indiciar desconhecimento dos estatutos, que permitem a todos militantes, hastearem o art.º 107.º (Sistema eleitoral):
“1. Na constituição dos órgãos do Partido podem concorrer um ou mais candidatos para os órgãos singulares e uma ou mais listas para os órgãos colegiais”.
Logo, preparar nos laboratórios presidenciais dedos acusadores a Dino Matross, Fernando da Piedade Dias dos Santos Nandó, António Venâncio, Higino Carneiro e José Carlos de Almeida é de uma insanidade e infantilidade política, sem paralelo.
“Eu esperava que o camarada João Lourenço, no final do segundo mandato pudesse ser mais humilde e tentar aproximar as várias franjas do partido que ele mesmo criou, quando começou a destratar e ofender os seus próprios camaradas, incluindo Dino Matross, que tanto o apoiou na sua ascensão à liderança”, disse ao F8, Ezequiel Xistus.
COMITÉ CENTRAL, UM ÓRGÃO APENAS NÚMERICO
A Comité Central saído do congresso de 2021, montado exclusivamente, pela vontade de João Lourenço constitui verdadeira sedição ideológica do novo líder do MPLA, que não se coibiu de, também, violar o congresso ordinário e os estatutos, quanto à composição do órgão; 700 membros, tornando-o no maior do mundo superando, paradoxalmente, o Partido Comunista Chinês e o Partido da Índia.
O presidente do MPLA é acusado de ter complexos face aos ocidentais, ao ponto de escancarar o país ao neoliberalismo económico e ao FMI, que estimulam a discriminação, a privatização total do Estado, o desemprego, responsáveis pelo aumento da fome, que leva milhões a comerem nos contentores e monturos do lixo.
“A política do ministro Massano é de sacrificar os pobres angolanos e entregar a economia aos estrangeiros ocidentais, árabes e chineses, como estamos a ver, aqui em Luanda, onde os melhores terrenos estão a ser entregues aos chineses e árabes, constituindo uma verdadeira traição”, acusou o membro do comité central, M.J.LNeto.
É estranho que o presidente do MPLA não tenha sensibilidade para falar, ao longo do seu mandato, a favor dos pobres, do aumento da cesta básica, do desemprego e da miséria. Mas o inverso é rotineiro, ouvir-se João Lourenço em defesa do investimento estrangeiro desregulado, o capital e os ricos.
Por esta razão, os próprios membros do escolhido e selectivo Comité Central, sentem-se órfãos, por falta de identidade ideológica e liderança comprometida, com os angolanos e Angola.
Hoje estes “políticos mirins”, sentem uma verdadeira desolação, pois comparam a riqueza e nível de vida dos anteriores membros do CC, da era José Eduardo dos Santos e o dos actuais da era João Lourenço, atirados à sua sorte, muitos desempregados, andando de candongueiros ou kaleluias (motos de três rodas), para irem às reuniões do Comité Central.
“No tempo do camarada Eduardo dos Santos ele preocupava-se e tentava arranjar emprego para os membros do Comité Central, para terem uma certa dignidade, mas hoje, com o presidente João Lourenço, não pode haver motivação, porque ele para além de nos abandalhar, não quer saber do partido, que deixou entregue à vice-presidente, logo nós somos apenas número, mas a maioria não sabe o que deve fazer por falta de orientação. Temos um líder sem empatia”, denunciou.
Felizmente, o tempo veio demonstrar ser esta uma máquina quantitativa e não qualitativa, daí a humilhação a que foi sujeito com a convocação dos CAP’s. Neste momento, inclusive, muitos membros do Comité Central reclamam falta de condições de trabalho e formação político-ideológica. Numa só palavra, são, na maioria, um grupo de meninos “yes boys”, indicados para serem capachos do chefe…
“Temos, pelo menos, que seja do meu conhecimento, um camarada de Malanje, que por fazer, uma simples crítica ao camarada presidente, numa reunião do Comité Central, foi por este severamente atacado e teve mesmo de fugir do país, com medo de ser preso ou assassinado”, denuncia um militante sénior do MPLA, ao F8.
O viés democrático não existe na geografia mental do líder, pois quando era expectável, conclamar a união, reconhecer erros, falar dos pobres, da fome e miséria, apelando à união de todos, em torno de um novo projecto de gestão pacífico e conciliador, optou, pela implantação de mais campos minados.
Uma péssima opção, dois anos antes, do término do mandato, à frente dos destinos do MPLA e da República, ao isolar-se ainda mais. JLO é um homem só! Mesmo no meio dos “seus meninos”, não consegue o unanimismo, que lhe envaideceria, nesta hora, o ego, não tivesse, subalternizado o próprio partido.
A política exclusivista, discriminadora, de exonerador implacável, de “prendedor dos camaradas” e justiceiro, adoptada, ao chegar ao poder, foi de uma opacidade sem precedentes…
Hoje, Agosto de 2024, João Lourenço colhe o que semeou, num passado recente (2017-2024), quando pensando na eternidade política, atentou contra a honra e bom nome de muitos dos camaradas da velha guarda e caminhada.
O poder de ostentação, exibicionismo, autoritarismo e força, assente na ponta do fúsil, está a desmoronar, muito também, face ao fracasso completo das políticas económicas, do aumento da corrupção, que dizia querer combater, o desemprego, a fome e a miséria.
Uma liderança de transição, como é a de João Lourenço deveria assentar, estratégias na força dos argumentos, para não se perder num deserto de ideias e oásis conflituais…
Os ponteiros do relógio, são implacáveis, diante da arrogância de todos quantos, no apogeu do poder, se esquecem de ser a força do tempo, imprescritível e insusceptível de amnistia política.