ANGOLA SÓ IMPORTA 90% DA CARNE QUE CONSOME!

Um dos principais empresários da agro-pecuária angolana queixa-se da escassa produção pecuária de Angola, que obriga o país a importar 90% da carne que consome e deixa os matadouros “às moscas” por falta de animais para abater.

Fernando Teles aproveitou o Dia do Criador, que foi celebrado na Fazenda Capeca, no planalto da Camabatela (Cuanza Norte), para incentivar ao aumento da produção nacional.

“Angola precisa de agricultores, precisa de empreendedores”, destacou o fundador do Banco Internacional de Crédito (BIC), chamando a atenção para o facto de 90% da carne consumida em Angola ser importada

Para contrariar esta tendência, “tem de haver vontade política e incentivos aos produtores, tem de haver 200 ou 300 fazendas como esta” para retomar a produção, frisou o empresário agrícola, com vários projectos de agro-indústria incluído a Camabatela, onde produz milho, soja, sorgo, bovinos e suínos.

“Há condições excepcionais para fazer bovinos, mas morreu muito gado” por insuficiência de cuidados sanitários, destacou ainda o ex-presidente do BIC, que teve inicialmente na sua estrutura accionista a empresária Isabel dos Santos.

Por falta de animais para abate, o matadouro de Camabatela está parado grande parte do tempo, o que levou Fernando Teles a um novo projecto de criação de suínos com um investimento estimando em 30 milhões de dólares para produzir 75 mil porcos por ano, que se juntam aos 20 milhões que já gastou em Camabatela, recuperada a partir de uma antiga fazenda colonial abandonada e cujos proprietários portugueses foram escorraçados, e que conta actualmente com mais de cinco mil bovinos.

O planalto de Camabatela, uma região historicamente rica em gado, encaixada entre as províncias de Cuanza Norte, Malanje e Uíge, com uma área de 1.415 mil hectares e 740 quilómetros de extensão chegou a representar 60% da produção de carne bovina consumida no Norte de Angola.

Mas hoje, segundo as entidades oficiais, o número de cabeças de gado não ultrapassa as 33 mil, distribuídas por mais de 500 fazendas.

Até 1985, segundo Joana Lina, presidente da Cooperativa Pecuária do Planalto de Camabatela (Cooplaca), eram 28 mil, mas foram dizimadas e comidas nos tempos de guerra até ficarem apenas 300 resistentes albergados numa missão católica. Hoje estimam-se em cerca de 30 mil, adiantou.

Fernando Teles reforçou que o efectivo pecuário é insuficiente para atender à procura, reafirmando o seu interesse na agricultura e na pecuária que o levou a criar o grupo Telegest com foco na produção de grãos e proteína animal, actualmente presente em oito províncias angolanas.

Falta de infra-estruturas e transportes, financiamento e incentivos fiscais, imprevisibilidade do mercado, falta de subsídios aos produtores, questões ligadas à propriedade das terras são alguns dos desafios do agronegócio, que o engenheiro agrónomo e ex-secretário de Estado para a Agricultura e Pecuária, José Carlos Bettencourt, apontou.

No Dia do Criador participaram representantes da administração central e local, bem como uma delegação de 16 brasileiros da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), a convite da Brasafrica, um dos principais fornecedores de animais bovinos vivos para os criadores de Angola.

O Dia do Criador foi instituído há quase 20 anos pela Cooperativa dos Criadores de Gado do Sul de Angola e estava suspenso desde 2020 devido à pandemia de covid-19.

MPLA ainda procura níveis de produção de 1974!

Recordemos, a este propósito, um artigo publicado pelo Folha 8 em 19 de Março de 2019.

«Cem milhões de dólares são necessários para financiar um projecto de fomento pecuário da Cooperativa de Criadores de Gado do Sul de Angola (CCGSA), que deve em três anos acelerar a produção de carne de 20 para 40% ano, um valor que deve em breve ser disponibilizado pelo governo, diz a Angop.

Ainda segundo a Angop, “a província da Huíla, através da CCGSA tem nas mãos a oportunidade de tornar a região numa referência mundial de produção de carne. O governo dá indicações de que o valor deve ser disponibilizado em breve e vai potenciar entre 80 a 90 fazendas, assim como camponeses.”

Recuemos a Julho de 2015. O Governo previa então um investimento de 90,5 mil milhões de kwanzas (668 milhões de euros) até 2018 para aumentar a produção nacional de carne bovina e reduzir as importações, que asseguram 79 por cento das necessidades do país.

De acordo com o conteúdo do Programa Dirigido à Produção de Carne Bovina, aprovado por decreto presidencial de 18 de Junho, os investimentos no aumento da produção de carne, que previam a importação de 340.509 animais para reprodução e de 1.010.152 animais para recria e engorda – das raças Bonsmara, Simentaller e Brahma -, arrancaram em 2015.

Angola tinha consumido em 2014 129.485 toneladas de carne bovina, mas apenas 27.019 toneladas (21%) de produção nacional, segundo os dados constantes no mesmo documento. Este programa previa aumentar a produção nacional de carne em 2016 para 46.833 toneladas e em 2018 para 79.148 toneladas.

No documento que suporta a aplicação deste programa era definido o objectivo de “aumentar a produção e a produtividade interna de carne”, melhorando as condições de produção nas explorações pecuárias empresariais, através da sua especialização na reprodução, cria, recria e engorda animal.

“Considerando que o aumento da produção interna de carne bovina vai contribuir para a diminuição das importações, a criação de novos postos de trabalho e a melhoria da qualidade de vida dos angolanos”, lê-se no preâmbulo do programa que consta do decreto assinado pelo Presidente José Eduardo dos Santos.

Previa a mobilização de parceiros e investidores externos para a produção, conservação, distribuição e processamento de carne, bem como a selecção, entre as 142 explorações pecuárias nacionais, das que apresentem condições para concretizar os objectivos do programa.

Angola apresentava então uma capacidade de abate de 195.360 animais por ano, para um total de 39.072 toneladas de carne. Tendo em conta projecção de produção de carne, cerca do dobro desta capacidade, o Governo angolano previa a necessidade de implantação de um matadouro industrial por ano até 2018.

Só para 2015 estava prevista a importação de 400.000 animais (para reprodução e engorda) e um investimento de 29.187 milhões de kwanzas (215 milhões de euros), no entanto o programa não específicava fontes de financiamento do mesmo, que no total está estimado em 90.546 milhões de kwanzas.

Até 2018, a estimativa do programa passava pela criação de mais de 23 mil postos de trabalho.

Recorde-se que a notícia de que os governadores da Huíla, Cunene e Namibe estavam envolvidos na pecuária com negócios de gado abarcando muitos milhares de dólares estava à época a causar algum celeuma em Angola.

O jurista Nelson Viriato disse à voz da América que há “princípios da probidade pública” e que “apesar de agirem a título individual, há situações de interesse público que estão em jogo”.

“Eles devem ser imparciais (…) neste caso particular, os agentes públicos ferem o princípio da imparcialidade”, acrescentou.

Um dos governadores envolvido no negócio de gado, Kundi Paihama, então no Huambo, defendeu publicamente que o governo central deveria reintroduzir subsídios de combustível para os criadores de gado e agricultores.

O presidente da Federação das Cooperativas Agro-pecuárias, Manuel Monteiro, preferiu destacar a importância de complexos que geram emprego e não pretende julgar ninguém.

“Penso que não há tabu (…) as fazendas não são ocultas, são áreas muito extensas. O Estado angolano tem leis, penso que eles não estão impedidos de manifestar o que têm sido as suas actividades,” disse Manuel Monteiro.

Para o então director provincial da agricultura, Francisco de Assis, as fazendas são públicas, com proprietários identificados, e a situação dos governadores não é diferente de dirigentes noutras partes do mundo.

“Dos presidentes americanos, talvez só o Obama não tenha um rancho. Na Austrália, muitos ex-membros do governo possuem acima de cem mil hectares,” disse.

Angola estava a estudar comprar à Namíbia uma parte das 10.500 cabeças de gado que necessitava para repovoar o planalto de Camabatela, para com isso reduzir o avultado volume de importações de carne que ainda tem de fazer.

Para esse efeito, e de acordo com informação disponibilizada em 11 de Abril de 2017 pelo Ministério da Agricultura, o secretário de Estado para o Sector Empresarial Agrícola, Alberto Jaime Pinto, realizou uma visita de trabalho à vizinha Namíbia, para discutir com as autoridades daquele país a compra de gado bovino.

“Para o repovoamento pecuário do planalto de Camabatela e a subsequente operacionalização do matadouro local”, explicou o ministério da Agricultura, acrescentando que o governante foi acompanhado, nessa visita, também por empresários privados nacionais do ramo agro-pecuário.

Cerca de seis por cento do Produto Interno Bruto da Namíbia resulta da Agricultura, que envolve a actividade de criação de gado.

O Governo angolano aprovou no final de Janeiro um plano para importar já este ano 10.500 cabeças de gado para repovoar o planalto de Camabatela, no interior norte do país, cortando desta forma nos 328 milhões de euros de carne importada anualmente.

O plano foi aprovado em reunião conjunta das comissões Económica e para a Economia Real do Conselho de Ministros e visa o objectivo de tornar o planalto de Camabatela, que abrange as províncias do Cuanza Norte, Malanje e do Uíge, “auto-suficiente”, até 2025, na produção de bovinos para o abate e repovoamento.

O ministro da Agricultura, Marcos Alexandre Nhunga, anunciou na altura tratar-se de um investimento superior a 206 milhões de dólares (193 milhões de euros), a realizar pelos empresários nacionais, permitindo poupar nas importações de carne para consumo, que custam anualmente mais de 350 milhões de dólares (328 milhões de euros).

O planalto de Camabatela ocupa uma área de 12.000 quilómetros quadrados e é descrito como reunindo condições climatéricas propícias para o desenvolvimento agro-pecuário, nomeadamente a criação de gado.

Em Abril de 2017 ficou a saber-se que um consórcio formado por um grupo angolano e um empresário português iria investir 12 milhões de dólares (11,2 milhões de euros) na instalação, na província do Cuanza Norte, de um matadouro com mais de 100 trabalhadores.

Segundo o contrato de investimento entre o consórcio, formado pela empresa angolana Lusounu Internacional (90%) e o empresário português Ivo Cruz Marques (10%), residente em Angola, e a Unidade Técnica para o Investimento Privado (UTIP), o projecto “Matadouro Unicarnes” seria instalado num prazo de um ano no município do Dondo.

Consiste na construção de uma unidade de abate, processamento e comercialização de gado bovino e caprino, além de armazenamento de carne refrigerada e congelada, respectiva embalagem e expedição, mas também com o fabrico de farinha de carne e gorduras.

Contará com 110 postos de trabalho, essencialmente angolanos, e a “alavancagem da actividade de criação de gado bovino” é um dos impactos do projecto previstos pelos investidores, no respectivo contrato, bem como o “aumento da oferta de um produto cujas importações anuais andam à volta dos 600 milhões de dólares”. O consórcio promotor do investimento estimava que 25% da produção anual desta unidade será para exportar.

Por mera curiosidade registe-se que, enquanto província ultramarina de Portugal, até 1973, Angola era auto-suficiente, face à diversificação da economia.

Era o segundo produtor mundial de café Arábico; primeiro produtor mundial de bananas, através da província de Benguela, nos municípios da Ganda, Cubal, Cavaco e Tchongoroy. Só nesta região produzia-se tanta banana que alimentou, designadamente a Bélgica, Espanha e a Metrópole (Portugal) para além das colónias da época Cabo-Verde, Moçambique, Guiné-Bissau e Sã Tomé e Príncipe.

Era igualmente o primeiro produtor africano de arroz através das regiões do (Luso) Moxico, Cacolo Manaquimbundo na Lunda Sul, Kanzar no Nordeste Lunda Norte e Bié.

Ainda no Leste, nas localidades de Luaco, Malude e Kossa, a “Diamang” (Companhia de Diamantes de Angola) tinha mais 80 mil cabeças de gado, desde bovino, suíno, lanígero e caprino, com uma abundante produção de ovos, leite, queijo e manteiga.

Na região da Baixa de Kassangue, havia a maior zona de produção de algodão, com a fábrica da Cotonang, que transformava o algodão, para além de produzir, óleo de soja, sabão e bagaço.

Na região de Moçâmedes, nas localidades do Tombwa, Lucira e Bentiaba, havia grandes extensões de salga de peixe onde se produzia, também enormes quantidades de “farinha de peixe”, exportada para a China e o Japão.»

Nota: A nossa memória não prescreve, mesmo que o general Presidente faça um decreto nesse sentido.

Folha 8 com Lusa

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