O líder da oposição russa Alexei Navalny, que morreu em Fevereiro numa prisão daquele país, escreveu num livro de memórias que “nunca veria os netos, nem figuraria em fotos de família porque ia passar o resto dos dias” preso. “Passarei o resto dos meus dias na prisão e morrerei aqui”, registou Alexei Navalny, enquanto estava em reclusão, num livro de memórias intitulado “Patriot” [Patriota, em português] que será publicado pela editora Knopf nos EUA e em todo o mundo a 22 de Outubro.
Além disso, o activista confidenciou que “todos os aniversários iriam ser comemorados sem si, que nunca veria os netos, nem estaria em nenhuma foto de família” por causa de estar na prisão.
A morte de Navalny, aos 47 anos, foi anunciada pelos serviços prisionais russos a 16 de Fevereiro, quando cumpria uma pena de 19 anos numa prisão no Ártico.
Alexei Anatolievitch Navalny era o principal opositor do regime do Presidente russo, Vladimir Putin.
“A única coisa que devemos temer é abandonar a nossa pátria à pilhagem de um bando de mentirosos, ladrões e hipócritas”, escreveu.
Nas memórias, onde demonstra humor apesar do confinamento e solidão, relata como era um dia normal: acordar às 06:00, tomar café às 06:20 e começar a trabalhar às 06:40.
“No trabalho fico sete horas sentado diante da máquina de costura num banquinho abaixo da altura do joelho”, descreveu. E prosseguiu: “Depois do trabalho, continuamos sentados durante algumas horas num banco de madeira à frente de um retrato de Putin”.
O opositor de Putin confidenciou que os reclusos questionavam-no muitas vezes sobre o porquê de ter regressado à Rússia. Navalny relatou que voltou porque não queria abandonar o seu país, nem trai-lo.
“Se as minhas crenças significam alguma coisa tenho de estar preparado para defendê-las e fazer sacrifícios, se necessário”, registou nas suas memórias.
O livro, que vai ser lançado mundialmente a 22 de Outubro, terá uma versão em russo, adiantou a editora americana.
O editor-chefe da New Yorker, David Remnick, afirmou que “é impossível ler o diário de prisão de Navalny sem ficar indignado com a tragédia do seu sofrimento e da sua morte”.
«Este livro é um testemunho não só da vida de Alexei, mas também do seu compromisso inquebrantável na luta contra a ditadura – uma luta pela qual deu tudo, incluindo a própria vida. Nestas páginas, os leitores ficarão a conhecer o homem que eu amei imensamente – um homem de profunda integridade e de coragem inabalável. Partilhar a sua história não só honrará a sua memória, como também inspirará outros a defenderem o que está certo e a nunca perder de vista os valores que realmente importam,» afirma Yulia Navalnaya, Viúva de Navalny.
Em Dezembro de 2021, o Supremo Tribunal da Rússia ordenou a dissolução da Memorial, a principal organização de direitos humanos do país e guardiã da memória das vítimas dos campos de trabalhos forçados soviéticos. Qualquer semelhança com Angola em matéria de assassinatos (mesmo dos direitos humanos) poderá ser, ou não, mera coincidência.
A decisão corresponde a um pedido do Ministério Público russo, que acusou a organização não-governamental (ONG) de criar “uma falsa imagem da União Soviética como Estado terrorista”.
A dissolução aplica-se à organização de memória histórica e à organização de defesa dos direitos humanos, que compõem a Memorial International, de acordo com as agências de notícias internacionais.
“A decisão é de liquidar a Memorial International e as suas filiais regionais”, anunciou a ONG na sua conta na aplicação de mensagens Telegram, segundos depois de se ter iniciado a leitura da decisão do Supremo Tribunal.
Considerada um dos pilares da sociedade civil russa desde a queda da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1991, a Memorial enfrentou dois julgamentos de extinção separados, por ter sido acusada de ser “agente estrangeiro” (indivíduos ou organizações que, de acordo com as autoridades russas, são financiados a partir de países estrangeiros).
A Memorial e os seus apoiantes consideraram que as acusações têm motivos políticos e os líderes da organização prometeram continuar o seu trabalho mesmo que o tribunal a encerre.
A Memorial internacional estuda a história dos abusos da ex-União Soviética e de acordo com seu site, visa trazer a verdade sobre as suas vítimas e apoiar as suas famílias. A advogada do grupo, Tatiana Glushkova, disse que “o verdadeiro motivo pelo qual o Memorial foi encerrado é porque os promotores não gostam do trabalho do Memorial na reabilitação de vítimas do terrorismo soviético”.
O grupo foi acusado de violar repetidamente a lei ao deixar de marcar todas as suas publicações com advertências obrigatórias de “agente estrangeiro”. O Departamento de Justiça designou o grupo como agentes estrangeiros em 2016 ao abrigo de uma lei destinada a organizações que recebem financiamento internacional.
Vídeos postados nas redes sociais mostraram apoiantes da Memorial gritando: “Vergonha, vergonha!” nos corredores do tribunal e na entrada do prédio logo após o julgamento.
A Memorial argumenta que não há motivos legais para o fecho do grupo, e os críticos dizem que o governo russo perseguiu a ONG por motivos políticos.
Andrei Sakharov, vencedor do Prémio Nobel da Paz, foi um dos fundadores originais do grupo e o primeiro presidente honorário da Sociedade Memorial.
A organização irmã do Memorial International, o Memorial Human Rights Center, enfrentou um desafio semelhante. Os promotores de Moscovo acusaram o grupo de justificar o terrorismo e o extremismo nas suas publicações.
O Centro de Direitos Humanos Memorial é uma entidade legal independente focada na opressão na Rússia moderna. Ela foi classificada como agente estrangeira em 2014, de acordo com a Human Rights Watch.
O presidente russo, Vladimir Putin (que tatos amigos e admiradores encobertos tem em Angola), acusou a Memorial de apoiar grupos listados como “organizações terroristas e extremistas”.
Sob o regime autoritário de Putin, grupos democráticos e de direitos humanos são sistematicamente visados. Milhares de manifestantes foram presos por participarem de várias manifestações em apoio a Alexey Navalny.
O Presidente russo justificou o aumento de opositores presos com a necessidade de conter a influência estrangeira.
O Presidente russo nega a existência de repressão na Rússia, defendendo que as prisões de opositores, que aumentaram significativamente em 2021, não se destinam a amordaçar os detractores, mas sim a conter a influência estrangeira.
“Lembro o que os nossos adversários dizem há séculos: ‘A Rússia não pode ser derrotada, só pode ser destruída por dentro’”, afirmou Vladimir Putin, sublinhando que foi esse raciocínio que provocou a queda da URSS.
Ao longo de 2021, a imprensa, organizações não-governamentais, jornalistas, advogados e activistas foram alvo de diversos processos judiciais e de detenções.
O ano começou com a prisão de Alexei Navalny, principal adversário político de Putin, após regressar a Moscovo vindo da Alemanha, onde foi tratado depois de ter sido envenenado quando regressava de uma deslocação à Sibéria, o que atribuiu ao Kremlin. O Fundo de Combate à Corrupção (FBK), movimento que criou, foi depois proibido por “extremismo”.
Referindo-se à condenação do seu crítico num caso de fraude, que a oposição considerou como fabricado, Putin afirmou que Navalny é um “criminoso”.
“Condenados, sempre houve. Não devemos cometer crimes”, disse Putin, que voltou a negar qualquer envolvimento do Kremlin no envenenamento de Navalny, pedindo para que se “vire a página” em relação ao assunto, uma vez que “não há provas”.
“Enviamos vários pedidos do Ministério Público russo para se entregar provas para confirmar que houve, de facto, envenenamento. E nada. Não há uma única prova”, disse Putin.
O Presidente russo acrescentou que Moscovo também propôs o envio de especialistas para colaborar no esclarecimento do caso, que levou à imposição de sanções ocidentais. “Eu próprio propus ao Presidente da França [Emmanuel Macron] e à [antiga] chanceler da Alemanha [Angela Merkel] que deixassem os nossos especialistas irem colher amostras”, disse, salientando que, dessa forma, Moscovo teria base legal para abrir um processo criminal ao “suposto” envenenamento. “E nada. Zero”, insistiu.
Putin foi também questionado sobre os assassínios do opositor Boris Nemtsov (2015) e da jornalista Anna Politkovskaya (2006).
“Fiz tudo para esclarecer esses assassínios. As respectivas ordens foram dadas. Várias pessoas foram presas por esses crimes”, respondeu Putin, reconhecendo, no entanto, existirem opiniões de que as pessoas que cumprem penas “não são os mandantes” desses crimes.