24 MIL RECLUSOS, 12 MIL EM PRISÃO PREVENTIVA

As cadeias angolanas albergam 24.068 reclusos, dos quais 11.664 em prisão preventiva, uma das principais causas da sobrelotação, que representa 2% do total da população penal, avançou hoje o Serviço Penitenciário do país.

Os dados foram divulgados pelo director-adjunto para a Área Administrativa do Serviço Penitenciário, Cristóvão dos Anjos, quando procedia à abertura do seminário sobre “Direito Processual Penal: Medidas Alternativas à Prisão e Reabilitação”, co-organizado com o Centro de Estudos Ufolo.

Segundo Cristóvão dos Anjos, actualmente os serviços penitenciários, com uma capacidade instalada de 22.554 lugares, controlam em todo o país 24.068 reclusos, dos quais 12.404 condenados.

Cristóvão dos Anjos referiu que há uma sobrelotação de 1.514 reclusos, representando 2% da população penal angolana, apelando a uma maior celeridade processual dos órgãos que administram a justiça.

O director-adjunto para a Área Administrativa do Serviço Penitenciário observou que actualmente estão nos estabelecimentos prisionais 2.664 reclusos em excesso de prisão preventiva na fase de instrução preparatória e 889 na fase judicial, perfazendo um total de 3.553 reclusos nesta condição, correspondendo a 14% do total da população penal.

O seminário permitiu “reflectir sobre os inúmeros problemas” que dificultam a gestão dos 43 estabelecimentos penitenciários existentes no país, dos quais destacou a sobrelotação, o excesso de prisão preventiva, a situação das penas expiradas, a falta de remessa dos acórdãos e cópia de liquidação de pena, assim como a morosidade na tramitação processual.

Por sua vez, o director nacional de Controlo Penal, Emílio Mendes, referiu que as 43 cadeias existentes em Angola, recebem maioritariamente homens, e quatro são para mulheres, acolhendo 590 reclusas.

Emílio Mendes propôs a aplicação de penas acessórias, porque o número de internamentos nos estabelecimentos penitenciários “é alto”, reclamando também da demora na tramitação dos processos e sugerindo que sejam periódicas as visitas dos magistrados do Ministério Público aos estabelecimentos prisionais, para a aceleração dos processos.

De acordo com Emílio Mendes, vários reclusos com excesso de prisão preventiva, quer em fase de instrução preparatória quer judicial, encontram-se nessa situação há mais de um ano.

“Infelizmente, temos reclusos em excesso de prisão preventiva há mais de um, dois ou três [anos], sem serem julgados em primeira instância, temos esses dados”, realçou o responsável, adiantando que ainda há reclusos conduzidos à cadeia pelo Ministério Público, antes da entrada em funcionamento, há um ano, do juiz de garantia.

Uma das consequências da superlotação, prosseguiu o director nacional Controlo Penal, é o remanuseamento dos reclusos, explicando que aqueles que se encontram em prisão preventiva não podem ser transferidos de um local para outro.

TRÊS MIL PROCESSOS DE EXCESSO DE PRISÃO PREVENTIVA

Angola tem quase 3.000 processos de excesso de prisão preventiva e 6.000 sem certidões para liquidação da pena, “um assunto sério”, admitiu no passado dia 13 de Maio a Comissão Ad-Hoc que analisa estes casos e cuja acção visa reduzi-los.

O secretário da Comissão Ad-Hoc para Análise do Excesso de Prisão Preventiva, Alves Renné, afirma: “Sim, de facto é um assunto sério. Exactamente em razão disso esta comissão foi criada, é porque se apercebeu da existência de um fenómeno de excesso de prisão preventiva a nível do país e uma das formas de mitigá-la é exactamente a criação de um grupo de trabalho”.

Criada em Dezembro de 2020, a Comissão presidia pelo juiz conselheiro presidente da Câmara Criminal do Tribunal Supremo, Daniel Modesto Geraldes, fez um balanço dos trabalhos referentes ao ano de 2023 e apresentou a definição da estratégia de trabalho para 2024.

Em declarações aos jornalistas, no final do encontro que decorreu em Luanda, Alves Renné explicou que a comissão trata tecnicamente os dados, apresentados pelo serviço penitenciário, e de acordo com a natureza ou fase em que se encontram depura caso a caso.

As acções desenvolvidas pela comissão têm concorrido para a redução dos números apresentados, adiantou, embora sem detalhar, resultado das visitas que cada membro da comissão efectua aos serviços penitenciários.

“Porque os arguidos afirmam estar em excesso de prisão preventiva, ou por alguma outra razão sentem-se em excesso de prisão preventiva, mas tecnicamente vamos verificando que às vezes se trata de outros casos, são arguidos sobre quem pendem diversos processos”, justificou.

Questionado sobre os resultados do trabalho que a comissão desenvolve desde 2020, o responsável deu nota que a nível do serviço penitenciário angolano já não existem casos de arguidos privados de liberdades depois do cumprimento da pena.

“Estes casos podemos com alguma segurança dizer que já não existem”, assegurou.

Sobre os casos especificamente de excesso de prisão preventiva “podemos dizer que o balanço é extremamente positivo, não só pela existência da comissão, que faz esse trabalho técnico de depurar os dados, mas também pelo impacto que isto causa nos próprios reclusos”, concluiu Alves Renné.

O secretário da Comissão Ad-Hoc referiu que esta trabalha visando travar o excesso de prisão preventiva no país, “uma distorção do sistema”, situações que acontecem “quando por alguma razão, e essas são variadas, os arguidos que deviam permanecer dentro do limite que a lei estabelece acabam por ficar mais tempo”.

Os dados são trazidos à comissão pelo serviço penitenciário, que é o organismo que detém os arguidos em seu poder para o cumprimento de medidas cautelares, dados “depois tratados tecnicamente pela comissão que de acordo à natureza ou fase em que o processo se encontra verifica caso a caso para depurar”, explicou.

A comissão integra representantes da Procuradoria-Geral da República, a Ordem dos Advogados de Angola, o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, a Provedoria de Justiça e dos Serviços Penitenciários.

BOA LEGISLAÇÃO, MÁ EXECUÇÃO

O Centro de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC) da Universidade Católica de Angola considerou no dia 28 de Junho de 2022 que o país continuava a enfrentar “desafios na execução das penas e excesso de prisão preventiva”, apesar de possuir legislação penal “muito avançada”.

“Dentro desta reforma [do Direito] está a questão relacionada com o sistema penitenciário e acima de tudo a execução das penas, temos uma legislação muito avançada, mas continua a enfrentar desafios no capítulo da sua execução”, afirmou o director do CDHC, Wilson de Almeida João, na abertura da Conferência Nacional sobre a Reforma de Justiça, Sistema Penitenciário e Direitos Humanos.

Angola “continua a enfrentar muitos desafios, com ainda muitas situações de excesso de prisão preventiva, com também situações que resultam numa dificuldade de melhorar a eficiência no capítulo da execução das penas”, disse.

“É neste sentido que nós acreditamos que mais do que ser uma entidade que critica, nós só queremos fazer parte do processo da solução”, salientou.

Para o director do CDHC, a iniciativa visava ser um contributo da sociedade civil à Estratégia Nacional dos Direitos Humanos (ENDH).

“Nós a nível legislativo assistimos a uma grande reforma da legislação penal, com a aprovação do Código Penal e do Código de Processo Penal e estão em aprovação outras legislações subsidiárias. Esta legislação tem um impacto muito forte na garantia dos direitos dos cidadãos”, realçou.

“Foram reforçados mecanismos de protecção dos direitos dos cidadãos e consequentemente para permitir que Angola esteja nos marcos internacionais da dignidade da pessoa humana”, frisou.

Wilson de Almeida João recordou que a reforma da justiça angolana também compreende o sistema penitenciário, sobretudo no domínio da execução das penas: “Temos uma legislação muito avançada, mas continua a enfrentar desafios no capítulo da sua execução”.

Por isso, justificou o responsável, “o CDHC decidiu também dar o seu contributo académico” para promover o debate sobre este tema da execução das penas e se ver como “tornar mais efectivo este processo respeitando os direitos humanos dos reclusos”.

Por sua vez a reitora da Universidade Católica de Angola, Maria da Assunção, disse, na sua intervenção, que a realização da conferência “concretiza uma das componentes matriciais da missão da universidade, que é de actuar solidária e efectivamente para o desenvolvimento integral da pessoa”.

Os direitos fundamentais dos reclusos ou das pessoas em conflito com a lei “constituem uma parte essencial da dignidade humana e que a Universidade Católica é chamada a defender na sua relação com o meio social que faz parte”, referiu Maria da Assunção.

Já o então ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Queirós, considerou que a conferência converge com dois objectivos do executivo angolano, nomeadamente a Estratégia Nacional dos Direitos Humanos (ENDH), aprovada em 2019, e a reforma da Justiça e do Direito.

A ENDH “visa fundamentalmente garantir o acesso das pessoas aos seus direitos políticos, civis, sociais, culturais e da dignidade pessoal”. Para que estes direitos sejam concretizados “é necessário que o cidadão tenha consciência deles”, sustentou.

“É por isso que um dos eixos fundamentais da ENDH é a formação e capacitação em direitos humanos. Nesta perspectiva o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos estabeleceu protocolos com 15 universidades”, destacou Francisco Queirós.

Difundir o conhecimento específico, técnico, científico sobre os direitos aos estudantes universitários estão entre os propósitos dos protocolos, cuja iniciativa será também extensiva às instituições do ensino médio e de base.

“É por isso mesmo que o executivo está a trabalhar com o Ministério da Educação no sentido de a disciplina de Direitos Humanos ser ensinada logo na formação básica. Portanto, estamos em presença aqui de uma concretização da Estratégia Nacional dos Direitos Humanos”, rematou o governante angolano.

OUTRAS HISÓRIAS, A MESMA REALIDADE

Em 2014 Angola tinha mais de 23 mil reclusos. Ou seja, em dez anos esse número só aumentou 1.000? Será?

Recuemos então a Novembro de 2014, quando o ministro do Interior, Ângelo Veiga Tavares, disse que Angola registava mais de 23 mil reclusos nos estabelecimentos prisionais, indicador de que o problema da criminalidade continuava a ser uma preocupação.

Ângelo Veiga Tavares manifestou a preocupação na declaração de encerramento do Conselho Consultivo Alargado do Ministério do Interior, que durante dois dias analisou a situação daquele órgão do Estado.

A cifra de mais de 23 mil reclusos era, segundo o governante, “um número bastante elevado”, se se tiver em conta o resultado preliminar do censo da população, realizado em Maio.

“Deveremos continuar a fazer esforços no sentido de prevenir a criminalidade e também no quadro dos programas do Governo criar condições de inserção, fundamentalmente, da nossa juventude no mercado de trabalho”, disse o ministro.

Uma das recomendações saídas do Conselho Consultivo Alargado indicava que as forças policiais continuavam a dar resposta à criminalidade, particularmente violenta, através de acções enérgicas e incessantes, mas sem descurar o reforço das medidas de prevenção e interacção com a população.

Em 2015, António Fortunato disse que as cadeias coloniais existentes em Angola ofereciam melhores condições de segurança em relação aos novos estabelecimentos penitenciários.

E quem era António Fortunato? Seria algum energúmeno formado nas escolas da PIDE? Não. Nada disso. Quem tal afirmou, com claro e inequívoco conhecimento de causa, era na altura o director nacional dos Serviços Prisionais angolanos.

António Fortunato, que falava – ainda por cima – à rádio estatal do MPLA, disse que as cadeias novas não tinham o conjunto de condições de segurança, nomeadamente os três grandes níveis de muros de segurança, segundo as normas das cadeias.

“Temos as cadeias mais antigas, as chamadas comarcas, e elas representam índices de segurança objectivos, os muros, as vedações, mais impeditivas da sua transposição, ou seja, as cadeias antigas são de difícil transposição”, explicou.

Face à falta de condições físicas de segurança, os serviços prisionais tinham optado pela “segurança subjectiva, em que o homem é um elemento fundamental”, sublinhou.

Neste sentido, o responsável defendeu melhores condições de trabalho e sociais para os guardas prisionais, com vista a permitir que seja feito “de modo motivado o seu trabalho, para que a segurança seja mais aperfeiçoada”.

O director dos Serviços Prisionais de Angola admitiu o envolvimento de guardas prisionais em situações de evasão de reclusos, salientando que têm sido punidos os infractores e também desenvolvido um conjunto de normas para desmotivar a prática.

De acordo com António Fortunato, Angola tinha uma população prisional de cerca de 23 mil reclusos, dos quais 12 mil condenados.

A sobrelotação das cadeias foi, era, é um problema que tem sido minimizado com a transferência de reclusos para estabelecimentos penitenciários do país, com condições para actividade agrícola, agro-pecuária e indústria.

Em finais de Janeiro de 2015, mais de 150 reclusos evadiram-se de um estabelecimento prisional na província de Cabinda, tendo ao fim de alguns dias sido recapturados.

O inquérito à fuga dos reclusos da cadeia do Yabi concluiu que a “grave” falta de observância das regras e procedimentos de segurança naquele estabelecimento foi a causa da evasão.

Folha 8 com Lusa

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