TAL COMO EM 1977, TAL COMO EM 1992

O grupo parlamentar do MPLA, partido no poder há 48 anos, reafirmou esta segunda-feira “o seu incondicional apoio” ao seu líder, general João Lourenço, garantindo “alto e em bom som” que não haverá destituição. Por alguma razão o general é também Presidente da República, Titular do Poder Executivo e Comandante-em-Chefe das Forças Armadas e ex-ministro da Defesa…

Por Orlando Castro

A posição foi expressa no período da leitura das declarações políticas, pelo líder do grupo parlamentar do MPLA, Virgílio de Fontes Pereira: “O grupo parlamentar do MPLA reafirma, aqui e agora, o seu incondicional apoio ao Presidente João Lourenço, e declara alto e em bom som, não haverá destituição do Presidente da República João Manuel Gonçalves Lourenço, eleito democraticamente pela maioria dos angolanos, ponto”.

Virgílio de Fontes Pereira tem razão. Não haverá destituição por duas razões de fácil entendimento. Se falhar a compra dos sipaios afectos a Abel Epalanga Chivukuvuku e de outros supostamente afectos a Adalberto da Costa Júnior, entrará em acção a “bomba atómica” do MPLA, a razão da força que lhe é assegurada pelas forças de segurança, Forças Armadas de Angola incluídas. Se o único herói nacional que o MPLA impõe ao país, o assassino Agostinho Neto, o fez ordenando os massacres de 27 de Maio de 1977 (80 mil mortos), também João Lourenço o poderá fazer.

Em causa está uma iniciativa, prevista na Constituição de Angola, apresentada em finais de Julho pela UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA (com a cobertura da comunidade internacional) ainda permite, para a destituição do Presidente da República, apresentado como matéria de facto que o general João Lourenço “subverteu o processo democrático no país e consolidou um regime autoritário que atenta contra a paz”.

Segundo o líder do grupo parlamentar do MPLA, nos últimos anos o debate político “tem-se transformado em discussão estéril, marcado por incidentes constantes entre militantes de partidos políticos”, considerando que “sem dúvidas” a UNITA “tem sido o principal responsável pelo clima de crispação política que se vive”. É verdade. Jonas Savimbi sempre disse que o MPLA só pela força abandonaria o Poder. O general João Lourenço sabe bem que quando o MPLA/Estado tiver de abandonar o Poder… acaba.

“Motivado por discursos instigadores de ódio e das diferenças, sendo, no entanto, notória, na sua agenda política, a ausência de objectivos claros e de ideias assentes no pressuposto da angolanidade, capazes de congregar as angolanas e os angolanos na continuação da construção de um futuro de justiça social, progresso e bem-estar para todos”, referiu o sipaio Virgílio de Fontes Pereira, cumprindo as ordens superiores dadas pelo Presidente do seu partido, o general João Lourenço.

Virgílio de Fontes Pereira realçou que o MPLA continua focado (tal como em 1977, tal como em 1992) “na consolidação da paz, no exercício quotidiano do espírito de tolerância, reconciliação e perdão de todos os angolanos, pois o MPLA considera a paz como o bem maior a preservar”.

“É tempo de nós, actores políticos – em especial os deputados à Assembleia Nacional – focarmos a nossa acção no debate de ideias, em vez de ressuscitar fantasmas, em especial o fantasma da fraude e o fantasma de suposta falta de legitimidade das instituições”, salientou, apelando que também o fantasma da guerra “não deve ser usado como arma de arremesso”, o que “nada tem a ver com qualquer insinuação para se ignorar o passado”.

Para o grupo parlamentar do MPLA, um partido como o seu adversário, “tem opções partidárias, a destruição e a conspiração” e “não tem vocação para exercer o poder”. É uma boa frase como introdução para o anedotário nacional, se bem que tente ocultar que num regime democrático e num Estado de Direito (que Angola não é), o que deve prevalecer é o poder das ideias e não as ideias de Poder.

“Pois neste momento faz recurso a todo o tipo de expediente, inclusive de caluniar o país no exterior, junto de instituições internacionais, numa vã tentativa de manchar a imagem de Angola”, do seu Presidente, do Presidente do MPLA, do Titular do Poder Executivo, “para prejudicar a sua projecção”, disse Virgílio de Fontes Pereira.

O deputado apelou aos jovens para que não caiam “às mãos daqueles que, com falsas promessas e discurso ardiloso, aproveitando-se das dificuldades” com que vivem, “os instrumentalizam para alcançarem os seus objectivos políticos, mesmo que por vias inconstitucionais”.

Dezembro de 2014 – a memória

Estávamos em 2014 e o MPLA ainda não definira um horizonte temporal para a realização das primeiras eleições autárquicas. Já na altura não revelava nada de novo. A tese oficial era, segundo o então presidente do Grupo Parlamentar do MPLA, Virgílio de Fontes Pereira, a existência de uma série de pressupostos que antes deveriam ser resolvidos. Os pressupostos continuam por resolver.

E quais eram (são) esses pressupostos? O principal refere-se ao facto de, mau grado ter mais militantes e simpatizantes do que angolanos recenseados, o MPLA não tinha (ainda não tem) a certeza de que arrasará toda a concorrência.

Virgílio de Fontes Pereira salientava em 2014 que as eleições autárquicas não podiam cair de “pára-quedas” porque o país vinha de uma situação de pós-conflito armado, em função da qual a sua realidade é diferente de uma nação normal, do ponto de vista de participação política dos cidadãos. Como é óbvio, mesmo que se realizem daqui a 50 anos, virão sempre de uma situação de pós-conflito armado.

Baseando-se na melhor desculpa dos últimos 48 anos, o conflito armado, o MPLA diz que a situação do país “é diferente de uma nação normal”. Isto, é claro, aplicava-se na altura apenas às eleições autárquicas. Para as outras é óbvio não – ou a vitória do MPLA não fosse conhecida muito antes do sufrágio – que o país é uma nação normal.

A isso acresce que, seja em 2017 ou 2027, é sempre possível dizer (até porque é verdade) que o país vem de uma situação de pós-conflito armado. Já não é possível culpar Jonas Savimbi, mas é exequível acusar a UNITA, que essa ainda está viva.

“Angola não pode ter um percurso de ciclos de eleições que seja de um país normal”, asseverou Virgílio de Fontes Pereira, ao mesmo tempo que aconselhava os angolanos a encararem as coisas com realismo e objectividade, e a não darem passos que possam comprometer os ganhos já alcançados. Foi em 2014.

Ora aí está. Se começam a pensar que o nosso país é uma democracia e um Estado de Direito, o MPLA vai acusá-los de estarem a “comprometer os ganhos já alcançados” e, dessa forma, acenar com o fantasma da guerra e até – capazes disso são eles – de dizer que afinal Jonas Savimbi ressuscitou.

Na óptica do então (e agora novo) líder do Grupo Parlamentar do partido que está no poder há tão pouco tempo (apenas desde 1975), as eleições autárquicas devem juntar-se aos proventos obtidos com sacrifício de muitos angolanos, nomeadamente a paz, a reconciliação nacional e o crescimento económico. Ou seja, ao MPLA.

Relativamente às eleições gerais de 2017, Virgílio de Fontes Pereira referia em 2014 que o MPLA traçara um conjunto de acções, algumas das quais recenseadas pelo Presidente do partido, José Eduardo dos Santos, no seu discurso da sessão de bajulação colectiva ao “querido líder”, a que chamou Congresso.

“As tarefas enumeradas pelo Presidente e outras não mencionadas, mas que constam dos documentos fundamentais do partido, devem ser organizadas e executadas para que se garanta um bom desempenho no pleito de 2017”, sublinhou Virgílio de Fontes Pereira.

Por outras palavras, só é preciso ter (o que até não é difícil) boletins de voto que cheguem. De resto, nada mais é preciso. Nem sequer ir votar. Para isso está lá o MPLA.

Segundo Virgílio de Fontes Pereira, tais tarefas passavam por um envolvimento das instituições do Estado que têm responsabilidade para os actos eleitorais, como o Poder Judiciário, o Parlamento, a Comissão Nacional Eleitoral (CNE), a Sociedade Civil e a Imprensa. Tudo órgãos “independentes” ao serviço do regime.

“Toda a sociedade deve envolver-se nas tarefas inerentes à preparação dos processos eleitorais, para que as eleições sejam tidas como livres, justas, transparentes e democráticas”, almejou Virgílio de Fontes Pereira.

Virgílio de Fontes Pereira dizia muito bem: “sejam tidas como livres, justas, transparentes e democráticas”. Não importa se o serão. O que importa é que sejam tidas como tal.

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