As autoridades angolanas disseram hoje que o país está a “perder grandes ecossistemas”, base de sobrevivência de muitas espécies, como o declínio do número de exemplares da palanca negra gigante e de elefantes nas reservas naturais.
A situação foi relatada pelo secretário de Estado do Ambiente de Angola, Abias Huongo, lamentando o desaparecimento de muitas espécies animais em consequência da degradação da biodiversidade angolana.
Segundo o governante, o declínio do ecossistema angolano é visível, sobretudo nos parques nacionais e reservas naturais, que conta actualmente com cerca de 250 exemplares da palanca negra gigante, contra as anteriores 2.500.
“Perdemos uma grande parte do nosso património natural, dos 3.000 elefantes que possuíamos no Parque Nacional da Quiçama hoje temos muito poucos”, disse o governante na abertura de um debate de sociedade civil face à emergência ambiental.
“Estamos a perder grandes ecossistemas que são a base de sobrevivência de muitas espécies, sobretudo com a expansão urbana, que atingem zonas ou reservas naturais”, apontou.
O debate, promovido em Luanda pelo Ministério do Ambiente angolano, é uma antecâmara da IX Reunião dos Ministros do Ambiente da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que Luanda acolhe este mês.
Abiás Huongo deu conta que Angola vive os impactos das alterações climáticas, apontando para as consequências das emissões de gases com efeito de estufa com “perdas assinaláveis de vidas humanas, residências e demais infra-estruturas”.
“Precisamos de trabalhar para alterar esta situação”, defendeu, considerando que a desertificação em Angola, fruto da agricultura, constitui igualmente um desafio que deve ser enfrentado.
Na desertificação, sustentou, uma das “maiores ameaças” é a “degradação do ecossistema, como os solos, com a prática da agricultura”, que é também a base do desenvolvimento, daí que seja preciso “trabalhar visando uma agricultura sustentável para se travar a devastação”.
Apontou a poluição dos solos, rios e mares como “um dos males” que comprometem a sustentabilidade ambiental no país, tendo igualmente defendido “aposta firme” na educação ambiental, a partir das famílias.
O papel da sociedade civil no alcance das metas dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, a água e o saneamento e o seu contributo face à emergência ambiental e os desafios da agenda global para a biodiversidade e a emergência climática são alguns dos temas em análise.
O encontro que congrega vários actores da sociedade civil ligados à protecção e promoção do ambiente visa colher contributos que reflictam as inquietações da sociedade e as possíveis soluções nesse domínio para apoio à discussão na IX Reunião dos Ministros do Ambiente da CPLP.
Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste são os nove Estados-membros da CPLP.
Recorde-se que o chefe de Estado do MPLA (seria de Angola se tivesse ganho as eleições), João Lourenço, prometeu em 15 de Setembro de 2022 “ser o Presidente de todos os angolanos” (do MPLA) e promover o desenvolvimento económico e o bem-estar da população, indo mesmo ao ponto de prometer defender os macacos e os chimpanzés, ao discursar na cerimónia da sua posse.
(Bio)diversidade ímpar, garante João Lourenço
Recorde-se que Angola conta desde Maio de 2019 com um livro sobre biodiversidade, com informações dos últimos dois séculos sobre a flora e fauna angolana, editado por especialistas africanos, europeus e norte americanos e com prefácio do próprio Presidente João Lourenço.
“Angola continua a ser um dos países menos bem documentados do mundo em termos da sua biodiversidade. Esta situação está prestes a mudar. Cientistas angolanos colaboraram com mais de 40 colegas de 10 países para produzir uma síntese de conhecimento sobre a biodiversidade ímpar de Angola”, escreveu João Lourenço, acrescentando que a obra “identifica as excitantes oportunidades de investigação que os cientistas e demais interessados podem abraçar”.
Intitulado “Biodiversidade de Angola – Ciência e Conservação: Um Síntese Moderna”, o livro comporta 20 capítulos e mais de 700 páginas e contou com quatro editores, nomeadamente o angolano Vladimir Russo e o português Nuno Ferrand de Almeida e 46 outros colaboradores de vários países.
O livro, editado em inglês e português, foi apresentado durante uma conferência sobre Biodiversidade de Angola promovida pela Fundação Kissama, no Memorial António Agostinho Neto, em Luanda.
Segundo Vladimir Russo, um dos editores do livro e director executivo da Fundação Kissama, o documento contém informações da biodiversidade angolana “desde os anos de 1800” e confirma a existência de muitos dados sobre as espécies da flora e fauna do país.
“No entanto, a ausência ainda de mapas de vegetação actualizados sobre a distribuição de determinada espécie, constatação de que a biodiversidade é rica, significa que está pouco estudada e, deste modo, é difícil fazer a conservação que queremos”, sublinhou.
Além da abordagem científica, os autores apresentam ao longo dos 20 capítulos “preocupações sobre a degradação da biodiversidade devido à expansão urbana, à caça furtiva, à agricultura e à indústria extractiva”.
“Vão degradando a nossa biodiversidade. O quadro não é bom, mas também não é muito mau. É possível reverter. Daí ter dito que é possível fazer investigação, fazer mais para trabalhar em projectos de investigação”, afirmou.
De acordo com o responsável, a rica biodiversidade angolana é uma das constatações do livro, acrescendo-se a “necessidade de se fazer mais investigação”.
Daí que, referiu, compilaram-se “informações de dois séculos” e elencaram-se “algumas oportunidades de conservação”, porque dos vários biomas que há no país “nem todos estão representados nas áreas de conservação”.
O também ambientalista angolano apontou ainda a inexistência de recursos humanos para trabalhar nas áreas de biodiversidade, referindo que Angola “não tem taxonomistas”, especialistas da área da genética.
“Todo o trabalho que fazemos de recolha de tecidos, fragmentos de ósseos, de espécies para a análise de ADN tem de ser mandado para o exterior, porque não temos essas capacidades aqui, pelo que é preciso formar essas pessoas”, sustentou.
Vladimir Russo defendeu a necessidade de se “travar a caça furtiva e a desflorestação” em Angola, argumentando que essas acções “estão a limitar os projectos de conservação e a protecção da biodiversidade, principalmente a biodiversidade fora das áreas de conservação”.
“É importante redefinir, há uma série de políticas aprovadas e temos de cumprir com os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio”, concluiu.
Recorde-se, entretanto, que a Universidade do Porto (Portugal) conquistou em 2017 uma Cátedra UNESCO dedicada à protecção ambiental em África, cujo objectivo é “promover a ligação da ciência à sociedade” nos seis países africanos parceiros.
Em comunicado, divulgado em 19 de Dezembro de 2017, a Universidade do Porto referiu que esta Cátedra UNESCO “será dedicada ao desenvolvimento de uma rede colaborativa com instituições de ensino e investigação de seis países africanos na área da conservação da biodiversidade e da gestão e preservação dos recursos e do património natural”.
A escolha da Universidade do Porto para o estabelecimento desta Cátedra “resultou de uma candidatura submetida pelo seu Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO-InBIO)”, afirma a instituição.
O CIBIO-InBIO “propôs alargar a sua rede de parcerias com universidades e centros de investigação da África do Sul, de Angola, de Cabo Verde, de Moçambique, da Namíbia e do Zimbabué, tendo em vista o desenvolvimento de acções de capacitação científica e tecnológica, de formação avançada de recursos humanos e de transferência de conhecimento”.
“Com uma duração de quatro anos, com início previsto para Janeiro (de 2018) e um orçamento total de cerca de 2,2 milhões de euros, esta Cátedra UNESCO intitulada ‘Life on Land’ teve como regente Nuno Ferrand de Almeida, Coordenador Científico do CIBIO-InBIO”, acrescentou.
Para o então reitor da Universidade do Porto, Sebastião Feyo de Azevedo, esta foi uma distinção que “muito honra” a instituição de ensino superior e “surge como um reconhecimento do trabalho desenvolvido na criação de redes de colaboração entre universidades e investigação de diferentes países, em particular com os de expressão portuguesa”.
“Mas é também uma enorme responsabilidade, porque coloca a Universidade do Porto como um actor fulcral das estratégias de promoção do desenvolvimento sustentável definidas pelas Nações Unidas, através de um projecto ambicioso, como potencial para ter um impacto significativo na ciência e nas comunidades locais dos países envolvidos”, considerou ainda o reitor.
Com esta Cátedra, é (foi) objectivo da instituição “promover a ligação da ciência à sociedade nos países parceiros, através de iniciativas que permitam dar a conhecer a importância urgente de se preservar os respectivos biodiversidade e património natural, mobilizando o cidadão comum para a realização de acções práticas a este nível”.
A Universidade do Porto disse que este projecto pode constitui-se como uma eficiente ferramenta para garantir a preservação do meio ambiente e o uso sustentável dos recursos naturais, necessidades prementes face à crescente degradação dos ecossistemas em África, onde os desafios e problemas que restringem os esforços de conservação da biodiversidade são cada vez mais frequentes.
Talvez por tudo isto se compreenda a especial motivação para que o Presidente João Lourenço escancarar as portas do país à Francofonia e à Commonwealth que, como todos sabemos, têm muito mais preocupações ambientais (neste caso) em relação a Angola do que Portugal…
Ambiente e recursos naturais
O Fundo Global do Ambiente disponibilizou 10,9 milhões de dólares (9,3 milhões de euros para financiar projectos para melhorar a gestão integrada do Grande Ecossistema da Corrente de Benguela (BCLME), anunciaram as autoridades angolanas no dia 1 de Junho de 2018.
A informação foi transmitida nesse dia, em Luanda, pela então ministra Victória de Barros Neto, quando discursava na cerimónia de lançamento da terceira fase do projecto de desenvolvimento inclusivo e sustentável do BCLME.
De acordo com a governante, a fase então lançada teria como foco a governança dos mares e oceanos e o reforço da coordenação intersectorial a nível nacional, um tema que, sublinhou, é “emergente” e “que assume actualmente uma importância crucial no contexto da política nacional”.
“Considerando o papel que [a Corrente de Benguela] desempenha na produção de alimentos, na actividade económica, na biodiversidade genética e no recreio e lazer das populações”, apontou.
O Grande Ecossistema da Corrente de Benguela é partilhado entre Angola, Namíbia e África do Sul no quadro da Convenção da Corrente de Benguela.
Na sua intervenção, Victória de Barros Neto manifestou-se ainda preocupada com a exploração desenfreada dos recursos marinhos daquele “grande ecossistema”, que tem sido ainda perturbado pela “ocupação desordenada do litoral e pelas alterações climáticas”.
“Afectando deste modo os valores patrimoniais existentes, a qualidade do ambiente em geral e a capacidade de regeneração dos ecossistemas”, apontou a governante, assinalando que “a gestão dos oceanos, no âmbito da sua sustentabilidade global, deve obedecer uma perspectiva transversal e integrada”.
Para a então ministra, com a execução do projecto BCLME III, a Convenção da Corrente de Benguela terá bases para apoiar os países membros a “fortalecer, integrar e incorporar as prioridades transfronteiriças e vinculá-las às políticas e planos de desenvolvimento nacional”.
Na ocasião, a governante anunciou ainda que Angola estava “em processo de criação de uma Estratégia Nacional do Mar, que vai definir os objectivos, as medidas e acções direccionadas aos diversos sectores com a intervenção do mar, assim como uma visão comum e coordenada”.
Segundo as autoridades, a primeira fase do BCLME permitiu aplicar nos países que partilham a Corrente Fria de Benguela o conceito da gestão das pescas uma perspectiva ecossistémica, enquanto a segunda fase visou o suporte para o estabelecimento da Convenção da Corrente de Benguela.
Os Governos de Angola, Namíbia e África do Sul, assinaram a Convenção da Corrente de Benguela em 18 de Março de 2013, na cidade angolana de Benguela.
A Convenção da Corrente de Benguela é um tratado formal entre os três governos que delineia as intenções desses países quanto à “promoção de uma abordagem regional coordenada da conservação a longo termo, conservação, protecção, reabilitação, melhoramento e utilização sustentável do Grande Ecossistema Marinho da Corrente de Benguela, tendo em vista proporcionar benefícios económicos, ambientais e sociais.”
A Convenção da Corrente de Benguela, estabelece igualmente, a Comissão da Corrente de Benguela (BCC) – já em existência desde 2007, como uma organização intergovernamental permanente.
A BCC é a primeira comissão intergovernamental a nível mundial que se baseia no conceito de governação oceânica de um Grande Ecossistema Marinho, tratando-se no entanto, de um avanço, rumo à gestão dos recursos a uma escala maior do Ecossistema (ao invés do nível nacional) e do equilíbrio das necessidades humanas, relativamente às imperativas de conservação.
A BCC está sedeada em Swakopmund – Namíbia e focaliza-se sobre a gestão dos recursos pesqueiros partilhados; monitorização ambiental; saúde e biodiversidade do ecossistema; mitigação da poluição e minimização dos impactos da exploração diamantífera marinha e da produção de petróleo e gás. Estão na vanguarda da sua agenda, uma governação ambiental sólida, bem como a formação e reforço de capacidades.
Folha 8 com Lusa