O Presidente da República, João Lourenço, apelou esta quinta-feira, em Malanje, ao bom senso em relação à situação vigente no futebol nacional (casos de alegada corrupção). Da mesma opinião é, aliás, o Presidente do MPLA e o Titular do Poder Executivo.
Falando a (alguma) imprensa, no quadro da sua visita oficial à província de Malanje, respondeu a uma pergunta sobre a sanção da Federação Angola de Futebol ao Petro de Luanda, Académica do Lobito, Kabuscorp do Palanca e 1.º de Agosto.
O Chefe de Estado considera que deve haver bom senso, mas se houver (há quem garanta que João Lourenço voltou a usar a palavra “haver”) efectivamente a necessidade de castigar algum prevaricador, que isso seja feito, sem nunca pôr em jogo a continuidade do campeonato e muito menos que não mate o futebol angolano.
João Lourenço, escreve a sua agência de notícias (Angop), considerou a situação de muito grave a ter em conta o facto de que o futebol a nível mundial é um desporto das multidões, não sendo diferente em Angola, onde é um desporto nacional.
João Lourenço afirmou que a situação criada ameaça, não apenas o Campeonato Nacional, mas ameaça o próprio futebol angolano.
“Não posso ir mais ao detalhe porque creio que a Federação Angolana de Futebol e as associações provinciais me estão a ouvir e saberão fazer melhor do que eu, no sentido de salvaguardar apenas duas questões: Não comprometer o campeonato e não matar o futebol angolano”, frisou.
O assunto explodiu em Junho último quando vazou um áudio nas redes sociais em que o treinador Agostinho Tramagal revela pormenores sobre a vitória da Académica do Lobito ante o 1.° de Agosto, por 1-0.
No som, ouve-se o técnico dizer que recebeu três milhões de kwanzas do Petro de Luanda para vencer o jogo contra o D´Agosto. Acontecendo isso, os “tricolores” ascenderiam para a primeira posição do Girabola 2022-23. Agostinho Tramagal relata que terá ficado com um milhão e dividido dois milhões pelos jogadores em razão de 100 mil kwanzas cada.
Refere também ter negado uma oferta do 1.º de Agosto de sete milhões de kwanzas para deixar-se perder e que tudo fez para permitir que o Kabuscorp do Palanca vencesse o jogo da meia-final da Taça de Angola, o que não veio acontecer.
Na sequência, o clube 1.° de Agosto é punido com multa de um valor correspondente a 2.000 UCF (1 UCF equivale a 88 kwanzas), o treinador Agostinho “Tramagal” é suspenso por quatro anos e punido com uma multa em valor correspondente a 6.000 UCF.
O Kabuscorp do Palanca baixa de divisão, enquanto o seu presidente, general Bento Kangamba, foi punido por quatro anos de suspensão.
A Académica Petróleos Clube do Lobito foi sancionada com baixa de divisão por corrupção no jogo n.° 22/2023 da Taça de Angola e multa em valor correspondente a 80.000 UCF
No passado dia 4, o Jornal de Angola publicou o artigo “Corrupção no futebol angolano na boca de Agostinho Tramagal”, que com a devida vénia transcrevemos na íntegra:
«O desporto angolano foi abalado por um áudio de 20 minutos e sete segundos, em que o renomado treinador de futebol, o Mister Agostinho Tramagal, confessa ao jornalista Adolfo Manuel, sobre valores recebidos ilicitamente do Clube Desportivo Kabuscorp do Palanca, no jogo entre este último e a Académica do Lobito, referente às meias-finais da Taça de Angola, para perder o jogo. Após a audição completa do áudio, podemos identificar os seguintes factos recentes que merecerão a nossa análise jurídica:
O Petro pagou o valor em Akz de 3 milhões à Académica do Lobito para vencer o jogo frente ao 1º de Agosto, de forma a ter as contas mais facilitadas e vencer prematuramente o Girabola, facto confirmado telefonicamente pelo “seu” atleta Márcio Luvambo. E, para o mesmo jogo, o 1º de Agosto tentou extorquir à Académica do Lobito, com o valor em Akz de 7 milhões de Kwanzas.
O Kabuscorp do Palanca pagou à Académica do Lobito para que se deixasse perder, para o grémio do Palanca passasse à final e jogasse diante do Petro de Luanda e, com certeza, teria acesso à Taça Nelson Mandela, uma vez que os tricolores seriam (como foram) campeões do Girabola. E, para o mesmo jogo, o Sr. Wilson Faria, presidente do Wiliete de Benguela, pagou à Académica para vencer o Kabuscorp do Palanca, nas meias-finais da Taça de Angola, o que presumimos que teriam ganho uma vez que, em caso de desistência dos lobitangas serão os verdes e brancos de Benguela um dos representantes de Angola nessa competição, a par do Sagrada Esperança, tendo em atenção a posição final no Girabola, isto é, 4º classificado.
Vale lembrar que o referido treinador também deixou claro que já foi subornado em outras ocasiões pelo Kabuscorp do Palanca.
A corrupção é toda acção, activa ou passiva, que de forma desonesta é praticada por uma pessoa ou grupo de pessoas que assumam uma posição de poder, com intuito de retirar vantagens ilícitas, ou ainda, usando e abusando do poder para interesses pessoais.
A corrupção pode materializar-se em suborno, desvio de verbas, uso de recursos para benefício próprio, de informações confidenciais, extorsão, tráfico de influência, fraudes, propina e etc..
Segundo o cientista político Fernando Filgueiras, da Universidade Federal de Minas Gerais, nas civilizações da Antiguidade Clássica, isto é, as civilizações grega e romana, a noção de corrupção estava sempre associada à ideia de putrefacção, destruição e degeneração.
No nosso humilde entendimento, não existe corrupção no desporto, mas sim existe agente corrupto no desporto, uma vez que o desporto é um espaço especial, onde promove-se o “Fair Play”, o respeito, a imparcialidade, a integridade, a lealdade, a saúde, a diversão e muito mais. Entretanto, as pessoas corruptas de outros sectores sociais é que adentram a seara desportiva com as suas más práticas e enfermam-lhe e descaracterizam-lhe, portanto, basta banir os seus promotores para melhor compreensão dessa afirmação.
A corrupção no desporto pode ser entendida como qualquer actividade ilegal, imoral e anti-ética que visa intencionalmente manipular o resultado de uma partida, com o fito de obter vantagem pessoal ou até institucional.
Segundo Miguel Pilates, em “A Corrupção no Desporto e a problemática das suas soluções legislativas”, “a emoção e a imprevisibilidade da competição, bem como a destreza e a determinação dos atletas, promoveram o desporto à escala global, tanto para participantes, como para espectadores. A sua crescente natureza lucrativa põe o desporto na ribalta: já não se trata somente de uma actividade de entusiastas, mas também uma sólida fonte de rendimento para atletas, dirigentes, árbitros, clubes, associações e organismos regentes das diversas modalidades. Assim, com este foco central, o desporto, bem como todos os seus princípios basilares, é ameaçado pela evolução do fenómeno da “corrupção no desporto”. Este fenómeno, cada vez mais frequente, tem como objectivo a manipulação de resultados, consistindo numa alteração do curso natural do desfecho de certos eventos desportivos (v.g. jogos, encontros, corridas…), removendo-se desta forma qualquer imprevisibilidade que é originariamente associada à competição, proporcionando enormes ganhos ilícitos, sejam financeiros ou desportivos”.
Fala-se sempre, nos bastidores, de actos de corrupção no desporto nacional, no futebol em particular, todavia, verdade seja dita, nunca se provou nada ou nunca se quis procurar a verdade material dos “boatos”.
O momento alto de escândalos de viciação de resultados aconteceu em 2015, quando o empresário Horácio Mosquito, presidente do Recreativo da Cáala, veio a público denunciar uma série de acções nos bastidores do nosso futebol, tendo, inclusivamente, dito: “estou disposto a ir à cadeia”. Horácio Mosquito foi punido pelas declarações prestadas no final do jogo entre a sua equipa e a Académica do Lobito e, na conferência de imprensa onde deixou claro ter um dossier que remeteu à Direcção da FAF, com cópia à Presidência da República e à Procuradoria Geral da República, onde acusava dirigentes, árbitros, jornalistas desportivos e outros.
Infelizmente, o assunto ficou dito pelo não dito.
Em 2018, o Conselho de Disciplina da Federação Angolana de Futebol (doravante CD-FAF) suspendeu de toda a actividade desportiva a árbitra Marximina Bernardo, por três anos, por prática de corrupção e os dirigentes do Benfica de Luanda, Carlos Brecha e Mário Rocha, por seis anos.
No comunicado da FAF consta que os dirigentes do clube encarnado depositaram, aos 27 de Fevereiro de 2014, 1.250.000.00 (um milhão e duzentos e cinquenta mil kwanzas) na conta bancária da referida, para beneficiar a sua equipa num jogo do Girabola-2014, pelo que, para além da suspensão deviam pagar uma multa de cinco mil dólares cada, por prática de fraude e corrupção.
Os escândalos envolvendo casas de apostas existem há décadas, e o caso mais famoso tornou-se público em 22 de Outubro de 1982: a “Máfia da Loteria Esportiva”. Na época, a Revista Placar trouxe à tona denúncias de corrupção e manipulação de resultados, com o envolvimento de 125 acusados, entre árbitros, personalidades, jogadores e cartolas no esquema que fraudava resultados que favoreciam um grupo de apostadores. Em 1985, a Polícia Federal concluiu o inquérito sobre a Máfia da Loteria Esportiva, mas apenas 20 pessoas foram indiciadas, pela dificuldade de encontrar provas.
Em 2005, naquele que ficou conhecido como o ano da “Máfia do Apito”, o árbitro Edilson Pereira de Carvalho foi preso, acusado de manipular resultados de jogos do Campeonato Brasileiro daquele ano. Na ocasião, a competição vencida pelo Corinthians foi manchada pelo escândalo que beneficiava empresários que, após saberem dos resultados combinados, apostavam em sites na internet. Além do ex-árbitro, a Polícia Federal, que comandou as investigações, também prendeu o empresário Nagib Fayad, acusado de ser o responsável pelo esquema. Ainda, os 11 jogos apitados por Edílson no Brasileiro da Série A foram anulados e jogados novamente. Ele foi suspenso e posteriormente banido do desporto.
Em 2006, a Itália também envergonhou o mundo com acusações de manipulação de resultados. No caso que envolveu grandes equipas do Campeonato Italiano (Juventus, Milan, Fiorentina, Lazio e Reggina), as denúncias foram por conta da escolha de árbitros “comprados” para apitar jogos específicos da competição. Dentre as provas obtidas pela investigação, foram divulgadas conversas por telefone do presidente da Juventus, na época Luciano Moggi, propondo o esquema. Quando descoberto, o escândalo resultou na descida de divisão da Juventus, além da perda dos últimos dois títulos italianos conquistados em 2005 e 2006. Todas as equipas envolvidas começaram a temporada com pontuação negativa. Ao todo, 19 dirigentes e árbitros foram suspensos.
O caso “Apito Dourado” é um escândalo de corrupção do futebol português, que emergiu em 2004, com uma investigação que retrata casos que podem ter tido início quase três décadas antes. Relacionado com o caso existe o “Apito Final”, um homólogo do tribunal desportivo. Este processo baseou-se em casos de corrupção relacionados com os escalões inferiores do futebol português, nomeadamente o União Desportiva Sousense e o Gondomar Sport Clube. Foram efectuadas escutas telefónicas comprometedoras, disponibilizadas inclusive no YouTube, que vieram a ser usadas pela Justiça desportiva para visar o Futebol Clube do Porto e o Boavista.
As investigações acabariam por incriminar Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente do Futebol Clube do Porto, e Valentim Loureiro, antigo presidente do Boavista Futebol Clube e da Liga Portuguesa de Futebol. Nas instâncias desportivas, o Futebol Clube do Porto e o seu presidente foram condenados num processo rocambolesco na Comissão de Disciplina da LPFP e ilibados na instância superior (Comissão de Justiça da FPF) e nos tribunais civis, tal como o Boavista e o seu presidente João Loureiro. Todavia, as escutas seriam ainda assim aproveitadas para descredibilizar o futebol português e a Justiça em Portugal.
Segundo Wesley Barbosa Machado, num artigo datado de 30 de Novembro de 2020, no dia 27 de Maio de 2015 foi preso no hotel Baur au Lac, em Zurique, na Suíça, onde seria realizado o 65º congresso da FIFA, o brasileiro José Maria Marín, antigo político defensor da ditadura militar no Brasil (1964-1985); ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), de 2012 a 2014; presidente do Comité Organizador Local da Copa do Mundo de 2014; e Membro do Comité Organizador dos Torneios Olímpicos de Futebol da FIFA. (CHADE’2015). A investigação começou oficialmente no dia 9 de Maio de 2013, quando o empresário José Hawilla, falecido aos 74 anos, no dia 25 de Maio de 2018, vítima de problemas respiratórios, foi abordado pelo Federal Bureau of Investigation (FBI), no hotel Mandarin, em Miami, onde estava hospedado. J. Hawilla, como era conhecido, era proprietário da empresa de marketing desportivo Traffic e fundador da TV TEM, afiliada da Rede Globo no interior do estado de São Paulo. Ele teria participado directamente de negociatas com a FIFA e, com a vantagem de não ser preso, foi multado e ajudou a delatar o esquema de corrupção na FIFA.
Depoimentos de delatores revelam que dirigentes da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), CBF e da Globo teriam participado do escândalo de corrupção denominado “FIFAgate”, que é considerado o maior escândalo de corrupção da história do futebol e um dos maiores escândalos de corrupção em geral do mundo. O director executivo da empresa argentina de marketing Torneos y Competencias, Alejandro Burzaco, denunciou que a Globo teria tido participação no “FIFAgate”. O escândalo foi tão grande, que resultou no suicídio do advogado argentino Jorge Delhon, que se atirou em frente a um comboio, depois do mesmo Burzaco declarar que lhe pagou subornos milionários. Além da Globo, estariam envolvidos no esquema de corrupção as empresas Fox Sports, dos Estados Unidos; e Televisa, do México.
O esquema funcionava da seguinte forma: As empresas de marketing desportivo negociavam directamente com os dirigentes desportivos da FIFA, Conmebol e CBF os direitos de transmissão televisiva de campeonatos organizados por estas instituições. O valor dos direitos televisivos adquiridos pelas empresas de marketing era menor do que o negociado directamente com os representantes das empresas de televisão, que pagavam mais pelo direito de transmitir os campeonatos, incluindo na diferença o suborno, que era repassado para os dirigentes desportivos, dando o direito, sem licitação, sem concorrência livre e com exclusividade, das empresas televisivas de transmitir os campeonatos de futebol, como a Copa do Brasil, Copa América e Copa do Mundo.
A corrupção na FIFA já existia desde o início do século XX, mas passou a ser mais investigada e denunciada com a chegada ao poder do brasileiro João Havelange, que foi denunciado de receber propinas por contratos milionários com empresas de marketing e de TV nos seus 24 anos à frente da entidade máxima do futebol mundial; bem como com o suíço Joseph Blatter, apadrinhado de João Havelange e que sofreu uma verdadeira chuva de dinheiro falso em numa conferência de imprensa, no dia 20 de Julho de 2015, numa imagem que ficou famosa mundo afora, proporcionada por um protesto do comediante inglês Simon Brodkin. (JENNINGS, 2011).
Chegados aqui, antes de concluirmos os ajuizamentos públicos, impõe-se fazer um trabalho técnico-jurídico profundo, a fim de respeitar os direitos fundamentais de todos os envolvidos. Destarte, a FAF é aqui chamada para expurgar possíveis promiscuidades do nosso futebol.
O princípio da presunção da inocência é um princípio jurídico de ordem constitucional, que estabelece o estado de inocência como regra em relação ao acusado da prática de infracção penal, está previsto expressamente no n.º 2 do artigo 67.º da Constituição da República de Angola, que preceitua que “se presume inocente todo o cidadão até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”. Isso significa que somente após um processo concluído, em que se demonstre a culpabilidade dos envolvidos, poderá considerar-se que realmente A ou B são corruptos.
Carreamos aqui esse princípio fundamental para não fazermos julgamento premeditado dos factos elencados no tão propalado áudio, pois, o mesmo não pode ser tido como fidedigno e ainda que fosse não serve de prova bastante para incriminar todas as pessoas individuais e colectivas identificadas, inclusivamente o jornalista em causa.
Nos termos do Art.º 9.º da Lei da Vídeovigilância essa prova não é admitida e, mesmo as gravações admitidas carecem de validação de Juiz competente, nos termos do Art.º 21 do rectromencionado diploma.
Apesar da protecção constitucional que gozam os visados, nada obsta que o CD-FAF possa despoletar os mecanismos jurídicos para encontrar a verdade material e, eventualmente, higienizar o futebol desses males que o afligem. O CD-FAF deve começar por instaurar um inquérito disciplinar, nos termos do Art.º 172.º do Regulamento de Disciplina da FAF (doravante RD-FAF), uma vez que o mesmo áudio se traduz em forte suspeita da prática de infracções disciplinares, passíveis de responsabilidade disciplinar.
Vale lembrar que o resultado de um inquérito não é uma base instrutora para decisão de uma infracção disciplinar, em boa verdade, o inquérito disciplinar apenas serve para averiguar a existência ou não de uma infracção disciplinar, pelo que, após a sua conclusão, deve o instrutor processual deduzir acusação ou propor o arquivamento dos autos, conforme o estabelecido no Art.º 172.º n.º 4S do RD-FAF.
Relativamente ao procedimento disciplinar, caso a conclusão do inquérito vá no sentido de dedução da devida acusação, com o fito de aplicar alguma medida disciplinar, deve o CD-FAF, instaurar um procedimento disciplinar, em respeito ao disposto o n.º 1 do artigo 165.º do RD-FAF, que prevê o seguinte: “O procedimento disciplinar é o meio de efectivar a responsabilidade disciplinar e reveste-se de natureza pública, pelo que pode ser instaurado oficiosamente”. Vale salientar que os comportamentos dos agentes em causa são subsumíveis à infracção disciplinar de Corrupção de clubes e agentes desportivos, prevista no artigo 53.º do RD-FAF e às infracção disciplinar de Comissões ilícitas, previstas no artigo 21.º do Código de Ética da FIFA.
É competente para instaurar o procedimento disciplinar o Conselho de Disciplina da FAF, por deliberação e, em caso de urgência, pelo presidente da FAF, conforme o n.º 2 do mesmo artigo. Tendo em atenção ao tipo de infracção e a sua moldura penal, o procedimento disciplinar em causa deve revestir a forma de Processo Disciplinar, conforme o disposto no nº 2 do artigo 169.º do RD-FAF “O processo sumário aplica-se às infracções praticadas no decurso de jogo oficial ou de evento a ele equiparado, excepto quando a sanção a aplicar possa determinar suspensão por período de tempo superior a três meses”; já no seu n.º 3 “O processo disciplinar aplica-se às restantes infracções disciplinares”.
Pelas declarações do Mister Tramagal, essa prática não é de hoje, portanto, urge saber se alguns actos perpetrados estão dentro do tempo para responsabilidade disciplinar, pois o n.º 1 do artigo 12.º do RD-FAF consagra a prescrição ao fim de três anos, um ano ou um mês, consoante as faltas sejam, respectivamente, muito graves, graves ou leves. Já o n.º 2 do mesmo artigo alarga para 5 anos, se o facto qualificado como infracção disciplinar for também considerado infracção penal, o prazo de prescrição é de cinco anos, o que se aplica ao caso em apreço. Importa referir que, nos termos do n.º 3, o prazo de prescrição começa a contar desde o dia em que o facto ocorreu. Pelo que consta nos áudios, a infracção ainda não prescreveu.
Sobre a extorsão do Kabuscorp do Palanca e da tentativa do 1º de Agosto, ambos à Académica do Lobito, tal como foi aludido ao longo do nosso artigo, pagar a um jogador ou a um clube para perder é infracção de corrupção, nos termos do artigo 53.º do RD-FAF, passível de aplicação de uma pena prevista no artigo 52.º do RD-FAF, que para o caso do Kabuscorpdo Palanca pode ser baixa de divisão e multa em moeda nacional correspondente entre Usd 1.500,00 a 5.000,00. Quanto ao 1.º de Agosto, por tratar-se de tentativa, pode ser punido com a pena de derrota, por ser uma prova de pontos e sendo os limites da pena de multa reduzidos à metade.
O clube militar pode não se ver inocentando, caso o processo siga adiante, pois, nos termos do n.º 9 do artigo 5.º do RD-FAF que dispõe o seguinte “a tentativa é punível sendo a sanção aplicável atenuada, tomando como referência a sanção aplicável à infracção consumada”.
Quanto ao facto do Petro de Luanda e o do presidente do Wiliete de Benguela, por terem pagado valores à Académica do Lobito para essa vencer os jogos contra os seus adversários directos, isto é, 1º de Agosto, no Girabola, e Kabuscorp, na Taça, respectivamente, como esses podem ser punidos?
Parece que ainda não está cristalino entre nós a problemática do “jogo da mala”, que acontece sempre que uma equipa ou pessoa paga outrem no suposto intuito desta ganhar um jogo em que é possivelmente um pagante tenha ou não interesse, como foi a situação do Petro de Luanda.
De acordo com o artigo 21.º do Código de Ética da FIFA sobre Comissões, no seu n.º 1 dispõe o seguinte: “A menos que seja estabelecido em um contrato comercial legítimo, as pessoas sujeitas a este código não devem aceitar, entregar, oferecer, prometer, receber, solicitar ou solicitar comissões, em seu benefício ou de terceiros, para negociar ou fechar acordos ou outras transacções em conexão com as suas funções”. Aqui enquadram-se as situações de quem dá ou recebe dinheiro ou qualquer bem em seu benefício para supostamente estimular a vitória, por força dos valores ético que a FIFA promove, aliás, quem hoje recebe estímulo para ganhar também pode estar vinculado para perder em outra ocasião.
Para tais situações as medidas disciplinares são pesadas, conforme o estatuído no n.º 2 do mesmo artigo, que dispõe o seguinte: “O incumprimento do disposto neste artigo será penalizado com as correspondentes multas, cujo valor mínimo será de CHF 10.000, bem como a proibição de participar de actividades relacionadas ao futebol por um período máximo de dois anos. Qualquer valor recebido indevidamente será incluído no cálculo da multa. Nos casos mais graves ou em casos de reincidência, pode decretar a proibição do exercício de actividades relacionadas ao futebol, por um período máximo de cinco anos”.
O famoso “jogo da mala”, que se traduz em aceitar uma contrapartida para ganhar um jogo é considerado comissão ilícita, é passível de multa no valor mínimo de 10.000 francos suíços e proibição de participar em actividades relacionadas com o futebol, podendo agravar a medida em situações mais graves ou no caso de reincidência, com a pena de proibição de actividades relacionadas ao futebol, por um período máximo de 5 anos, nos termos do Art.º 21.º do Código de Ética da FIFA.
Para nós, é indubitável que a FAF não pode fazer “vista grossa”, nem “ouvidos de mercador”, pois, são declarações deveras fortes que não somente envergonham o futebol, mas o país no seu todo, tornando o futebol numa autêntica lavandaria e antro da promiscuidade.
Que se faça justiça desportiva, mas respeite-se os princípios fundamentais da Legalidade, do Contraditório e da Presunção da Inocência.
Segundo Vitor Rosa, sociólogo, pós-doutorado em Sociologia e em Ciências do Desporto, doutor em Educação Física e Desporto, Ramo Didáctica, em Jornal A Bola, de 31 de Março de 2023, “o crime organizado no mundo desportivo pode ter efeitos devastadores e a escala deste crime é, segundo os especialistas, considerável. Através das suas declarações e relatórios, a INTERPOL tem reiterado isso mesmo. As tecnologias também vieram alterar o jogo para os criminosos, permitindo-lhes aumentar as suas actividades e aumentar os montantes financeiros envolvidos. Em 2021, estimava-se 165 milhões de euros gastos em apostas ilegais. É, provavelmente, a ponta do icebergue. O combate ao crime organizado não é simples, uma vez que as redes criminosas abrangem, frequentemente, grandes áreas geográficas e primam por esconder as suas actividades”.
O Direito Penal é um direito de última ratio, última opção de controle, somente aplicável quando não houver outra forma igualmente eficaz de solucionar o dado problema, razão pela qual nem mesmo o RD-FAF afasta a responsabilidade penal. De acordo com o princípio da Autonomia do Regime Disciplinar Desportivo, consagrado no artigo 9.º do RD-FAF, que no seu n.º 1 consagra que “O regime disciplinar desportivo é independente da responsabilidade civil ou penal, assim como do regime emergente das relações laborais ou estatuto profissional” e no seu número 2 estabelece que “A FAF oficiosamente ou a instância de qualquer interessado deve comunicar ao Ministério Público e demais órgãos competentes, a ocorrência de infracções que possam revestir natureza criminal ou contravencional”.
Dos factos carreados, concorrem os crimes seguintes e puníveis no Código Penal: Associação criminosa (Art.º 296.º), Corrupção passiva (Art.º 459.º), Corrupção activa (Art.º 460.º) e proibição de pagamentos em numerário (Art.º 467.º). Outrossim, no âmbito penal, a tentativa da prática de um crime é passível de responsabilidade penal, nos termos dos artigos 20.º a 23.º do CP, portanto, é indubitável que a PGR deve lançar mãos de todos os meios possíveis para responsabilizar os agentes promotores da corrupção no futebol nacional, ainda que a FAF não formule a denúncia.
Diferentemente de Angola, Portugal já deu o passo adiante, durante muitos anos não era possível subsumir essas práticas ao crime de corrupção desportiva, pois, para que fosse possível, era importante existir a intenção de falsear ou alterar o resultado de uma competição desportiva, o que não seria o caso, segundo os artigos 8º e 9º da Lei 50/2007, de 31 de Agosto, do Regulamento de Responsabilidade Penal por Comportamentos Anti-desportivos. Com a revisão desse diploma e a entrada em vigor Lei 13/2017, foi aditado o artigo 10º-A, que penaliza agora como crime a oferta ou recebimento indevido por parte do agente desportivo de vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, por parte de alguém que possa ter uma pretensão dependente das suas funções”.
Reiteramos a despaternalização do desporto nacional e a revisão do nosso ordenamento jurídico-desportivo, de forma a ir ao encontro das necessidades e da industrialização global do sector.»
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