SAÚDE (NÃO) É MERCADORIA DE PROPAGANDA

Como aqui escreveu o Folha 8, a ministra da Saúde de Angola, foi a Nova Iorque dizer o que o seu patrão, João Lourenço, mandou. Ou seja que o reino registou, nos últimos cinco anos, melhorias substanciais no domínio da mortalidade materno-infantil, ao passar – afirmou – de 377 mortos para 104 por cada 100 mil nascidos vivos. Será mesmo assim?

Os sectores da saúde e nutrição de Angola têm feito progressos desde o início do século. Por exemplo, só entre 2012 e 2022, o país reduziu a sua taxa de mortalidade materna em 29%. As taxas de mortalidade neonatal, infantil e de menores de cinco anos também diminuíram em 30%, 19% e 28% respectivamente, entre 2012 e 2020.

Este progresso tem sido acompanhado por um aumento da complexidade dos relatórios financeiros sobre o sector por parte do Governo. Os Orçamentos Gerais do Estado e as Contas Gerais do Estado têm-se tornado cada vez mais transparentes e detalhados — o que por sua vez permite a análise do desempenho das Despesas Públicas.

O orçamento anual da saúde em Angola aumentou de forma constante (pesar de insuficiente) entre 2016 e 2022 – mostrando um crescimento de 299%, sendo que atingiu (em tese) em média 5% do Orçamento Geral do Estado. No entanto, o crescimento nominal não reflecte necessariamente um aumento real do investimento no sector quando se contabiliza a inflação, tradicionalmente de dois dígitos. Isto é ainda agravado por taxas de execução relativamente baixas – que atingiram uma média de 75.6% entre 2012 e 2021.

Em 2022, o orçamento da saúde representava 4.8% do OGE e 1.6% do Produto Interno Bruto, num total de Kz 905.5 mil milhões (US$ 2.6 mil milhões) ou Kz 27.3 mil per capita. O orçamento está fortemente centralizado no Governo Central, com apenas 38% dos fundos alocados aos Governos Provinciais em 2022. Os serviços hospitalares gerais e os serviços de saúde pública são de longe as duas maiores componentes do orçamento da saúde – tendo uma representação combinada de mais de 60% desde 2013.

A despesa total com a saúde em Angola é globalmente baixa, especialmente tendo em conta o crescimento da sua população. É fortemente financiada pela Despesa Interna Pública, mas a maior fonte de financiamento é a Despesa Privada Interna, na sua maioria Despesas de Bolso (out-of-pocket) — o que coloca um enorme fardo financeiro sobre as famílias.

Em termos de Despesa Total em Saúde como percentagem do PIB, Angola ocupa o 45º lugar num total de 47 nações africanas.

O mau estado nutricional de uma grande parte da população angolana torna o tema tremendamente importante, especialmente tendo em conta que a malnutrição é um dos principais factores de risco para os anos de vida ajustados à incapacidade no país. Historicamente, o orçamento de nutrição em Angola tem vindo a aumentar. Em 2022, era de Kz 529.0 mil milhões – o que representava 2.8% do OGE e Kz 16.0 mil per capita. As intervenções específicas à nutrição representavam 1.6% do orçamento, enquanto as intervenções sensíveis à nutrição representavam 97.8%.

As intervenções facilitadoras da nutrição cobriram os restantes 0.5% do orçamento de nutrição. Uma análise minuciosa dos vários serviços e programas de saúde proporcionou uma visão-chave da despesa pública do sector. Existe uma forte inconsistência entre os documentos de política de saúde e de nutrição, sendo particularmente notório para a nutrição.

Além disso, as políticas de saúde e nutrição são reflectidas com maior precisão no Orçamento Geral do Estado quando incluídas no Plano Nacional de Desenvolvimento 2018 – 2022, em oposição ao Plano Nacional de Desenvolvimento Sanitário 2012 – 2025.

Angola também enfrenta desafios com a vigilância de rotina do estado de saúde dos seus cidadãos, o que, por sua vez, impossibilita a implementação de uma estratégia orçamental baseada em resultados. Isto é ainda agravado pela evidência de que, quando os dados estão disponíveis, o orçamento não se adapta necessariamente à informação — por exemplo, as metas são definidas com objectivos a longo prazo em mente e não são ajustadas anualmente com base nos resultados dos anos anteriores.

Finalmente, também é claro que a imunização de rotina necessita de um maior financiamento. De acordo com a OMS, em 2021, o Governo de Angola gastou Kz 18.3 mil milhões em imunização de rotina — o equivalente a Kz 18.4 mil por criança sobrevivente.

Segundo dados governamentais fornecidos à OMS, nos últimos dez anos, a cobertura geral de imunização em Angola ou segue ou está acima da cobertura média estimada para a região africana da OMS. No entanto, os relatórios oficiais estão na maioria dos casos acima da cobertura estimada calculada pela OMS e pela UNICEF, que estimam a cobertura em Angola como normalmente inferior à média em cerca de 20%.

As instituições internacionais recomendam:

1 – Continuar a aumentar o orçamento anual da saúde, pois Angola tem um longo caminho a percorrer para alcançar uma cobertura de saúde universal e para isso requer um maior compromisso financeiro por parte do seu Governo. A fim de alcançar o compromisso assumido na Declaração de Abuja de 2021 de afectar 15% do OGE ao sector da saúde, o Governo teria de aumentar o orçamento da saúde em 42% anualmente até 2027 ou em 30% anualmente até 2030.

2. Estabelecer um organismo operacional multissectorial para coordenar a Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. A governação do sector da nutrição está fragmentada entre o MINSA e o MINAGRIF. Embora tenha sido estabelecida uma Plataforma Nacional Multissectorial para a Nutrição em 2018, Angola não foi capaz de determinar se a plataforma está ou não activa. O Governo deve procurar reactivar esta plataforma e/ou fornecer os meios para tornar este organismo multissectorial mais operacional.

3. Assegurar a previsibilidade dos orçamentos de desenvolvimento para alimentar estratégias de longo prazo. Cada programa deve ter um plano de investimento a médio e longo prazo – adjacente ao Plano Nacional de Desenvolvimento. Isto asseguraria que aqueles que coordenam os programas poderiam planear e implementar projectos a longo prazo. Adicionalmente, o facto de o orçamento ser disponibilizado numa base mensal impede uma mobilização de recursos adequada, nomeadamente porque os procedimentos de contratação pública tendem a exigir longos períodos de tempo.

4. Reestruturar e alinhar os indicadores de nutrição de acordo com as recomendações internacionais. Angola deve adoptar os quatro indicadores (e respectivas metas) definidos nas Metas Globais de Nutrição da OMS 2025 e na Extensão das Metas da OMS/ UNICEF até 2030, no âmbito do Programa para a Melhoria da Saúde Materno-Infantil e Nutrição.

5. Criar um Sistema Nacional de Avaliação do Desempenho em Saúde responsável pela monitorização do desempenho dos hospitais e centros de saúde, que servirá de base para um maior envolvimento dos estabelecimentos de saúde locais na tomada de decisões e na estratégia orçamental.

6. Investir e envolver-se activamente na Monitorização do Desempenho em Saúde, pois é importante que o Governo reinicie inquéritos de saúde a nível nacional, mas também que aumente a sua frequência. Deve também haver um aumento do financiamento do programa de Reforço do Sistema de Informação Sanitária e Desenvolvimento da Investigação em Saúde – que é responsável pela implementação do Sistema de Notificação de Surtos de Epidemias e do Sistema Digital de Informação Sanitária (DHIS2- Digital Health Information System).
7. Continuar a melhorar a prestação de contas e o detalhe do orçamento nacional de modo a que os Orçamentos Gerais do Estado e as Contas Gerais do Estado têm de se tornar cada vez mais detalhados e informativos. Este é um esforço bem-vindo que precisa de ser continuamente melhorado.

8. Aumentar as despesas com imunização de rotina e realizar uma análise financeira sobre a relação custo-eficácia. A imunização de rotina não só reduz a mortalidade infantil, como é também um bom plano de investimento a longo prazo. O governo deve, portanto, considerar um aumento das despesas com a imunização de rotina, orientado por uma Estratégia Nacional de Imunização de Rotina, bem como realizar uma análise financeira sobre a relação custo-eficácia, a fim de maximizar o financiamento futuro.
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