PRIMEIRO MATA-SE E DEPOIS ELOGIA-SE

O MPLA, partido no poder em Angola há 48 anos, condenou hoje todas as manifestações que impedem os jornalistas de exercerem a sua actividade de forma livre, plural e independente e exorta os profissionais a “manterem-se intransigentes” na defesa dos seus direitos. Se a hipocrisia fosse comida, todos os angolanos tinham mais de três refeições por dia.

Numa declaração por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, que hoje se assinala, Bureau Político do Comité Central do MPLA saúda todos os jornalistas angolanos manifestando desejo de trabalho conjunto para reforços de acções para a liberdade de imprensa.

O MPLA diz que condena veementemente todas as manifestações que impedem os jornalistas de exercerem o seu trabalho de forma livre, plural e independente, permitindo que os cidadãos formem, de modo diversificado a sua opinião.

O Bureau Político manifesta também a sua “antítese” aos “actos desprezíveis de assassinato de carácter” e outras formas de vilipêndio da honra, bom nome e consideração a instituições e a pessoas, “que em nada abonam o clima de paz, harmonia e reconciliação nacional”.

Angola celebra o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa em meio de queixas e reclamações dos profissionais da classe sobre actos de intimidações, ameaças, assaltos em residências e perseguições pelo exercício da actividade.

Vários jornalistas têm sido alvo de impedimentos para cobertura de actividades públicas, nomeadamente manifestações, como relatou nos últimos meses o Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA), que promoveu em Dezembro passado uma marcha pela liberdade de imprensa.

Para o MPLA, a comemoração da efeméride deve servir para que, de forma unânime, os angolanos reafirmem o estabelecimento de um ambiente de diálogo aberto e construtivo, conducente à consolidação da paz e ao contínuo aprofundamento da democracia.

O MPLA apela também a toda a sociedade angolana, no sentido de celebrar a data reflectindo no aproveitamento e bom uso das tecnologias de informação e comunicação, colocando-as ao serviço da promoção de cidadania e responsabilidade social, bem como no exercício de um jornalismo com conteúdos que promovam o desenvolvimento.

Na declaração, o MPLA reafirma igualmente o seu desejo de ver materializado por parte do executivo angolano a proposta de incentivo ao surgimento de novos meios de comunicação independentes, “que acentuem a concorrência e a pluralidade no espaço informativo nacional”.

Com a hipocrisia e petulância que o caracterizam, o MPLA exorta ainda a classe jornalista angolana no sentido de manter-se firme e intransigente na defesa dos seus direitos, bem como a ser rigorosa no respeito dos deveres ético e deontológicos, tendo em conta a importância do seu papel.

Em Angola, mas não só, apesar da guerra que o Governo-regime move aos Jornalistas, não faltam ministros, deputados e políticos em geral (todos de pistola no bolso) a dizer que a liberdade de Imprensa é um valor sagrado. Sagrado sim desde que não toque nos interesses instalados, desde que só diga a verdade oficial.

No tempo em que existiam Jornalistas, dizia-se que se o jornalistas não procura saber o que se passa é um imbecil, e que se sabe o que se passa e se cala é um criminoso.

Hoje, o “jornalista” que não procura saber o que se passa é inteligente, e o que sabe o que se passa e se cala é um óptimo assessor, deputado, administrador ou até ministro.

Em 15 de Junho de 2021, quatro jornalistas angolanos realizaram, em Luanda, junto das instalações da Procuradoria-Geral da República, um protesto para denunciar “perseguições” judiciais contra profissionais de comunicação social em Angola. No dia 2 de Fevereiro de 2018, a PGR anunciou a criação de um corpo especial de funcionários e magistrados para se dedicar a investigações preliminares sobre denúncias feitas pela comunicação social e redes sociais. Recordam-se?

A estratégia do MPLA é simples. Como não gosta da mensagem, a solução é calar, se possível de forma definitiva, o mensageiro. De cartazes em punho, com os dizeres: “Basta! Investiguem os Procuradores e não os Jornalistas”; “Jornalistas não Roubam o Povo”; “Perseguir Jornalistas é Oprimir a Sociedade” e “Abaixo as Perseguições contra os Jornalistas”. Coque Mukuta, da “Voz da América”, Lucas Pedro, do “Club-K”, Jorge Neto, do jornal “O Estado News”, e Escrivão José, do “Jornal Hora H”, permaneceram no local cerca de uma hora.

Na altura, o jornalista Lucas Pedro, notificado a responder em, pelo menos, três processos, disse que o objectivo foi contestar uma série de processos que a Procuradoria-Geral da República, através do Serviço de Investigação Criminal, tem feito nos últimos tempos.

“Só no mês transacto, que é da liberdade de imprensa, vários jornalistas angolanos em Luanda, foram intimados quase no mesmo dia para responder a inúmeros processos, todos eles sobre difamação e calúnia”, disse Lucas Pedro.

Segundo o jornalista, ainda que os factos denunciados sejam reais e “com provas documentais, é sempre [considerado] difamação pública e calúnia”.

Lucas Pedro considerou que a liberdade de imprensa e de expressão em Angola “é volátil”, lembrando que, inicialmente, com a assunção do poder pelo Presidente angolano, João Lourenço, em 2017, “havia uma certa abertura a nível da imprensa”.

“Mas de 2017 para cá há um declínio de 200%, porque deteriorou-se a liberdade de imprensa. A partir do momento que o Estado começou a chamar a si os órgãos de comunicação social [criados] com dinheiro de corrupção […) as suas linhas editoriais passaram a ser iguais à da TPA [Televisão Pública de Angola], todo o mundo vê hoje a linha editorial da Zimbo, todo o mundo vê o que a Rádio Nacional faz, a Angop é o órgão mais coerente, reconheço, mas os restantes são de lamentar, não se faz mais jornalismo como deve ser”, disse.

Questionado se receava que o órgão que representava venha a ser encerrado, Lucas Pedro disse acreditar que sim, “porque o Club-K nunca correspondeu às expectativas do Estado”.

Por seu turno, Coque Mukuta disse que o grande objectivo do protesto foi manifestar às autoridades que os jornalistas não são os culpados dos problemas que vêm acontecendo no país: “Há pessoas que devem ser investigadas, e não os jornalistas”.

“Nós somos sete jornalistas com processos nesta altura em curso, a sermos investigados, eu já tenho 13 processos-crimes na PGR e é preciso que a PGR perceba que a actividade jornalística, tal como a deles, é de boa-fé, nós não estamos aqui a perseguir ninguém”, salientou.

Coque Mukuta considerou inaceitável que a PGR continue a “atrapalhar” a vida e o trabalho dos jornalistas, considerando que “quando se intimida o jornalista certamente se intimida a sociedade”.

“Os jornalistas não podem falar, imagina você. Esse é o grande objectivo das autoridades angolanas e como resposta (…) decidimos vir aqui fazer um acto de protesto e dizer à Procuradoria-Geral da República que não somos corruptos. Devem investigar os corruptos, devem ver os procuradores que estão envolvidos em processos e não os jornalistas”, sublinhou.

De acordo com Coque Mukuta, a maioria dos jornalistas estão a ser processados por pessoas ligadas ao poder político, pessoas que “conseguem influenciar um procurador, [que] quando quer abre um processo contra o profissional”.

Para Coque Mukuta, a liberdade de imprensa e de expressão em Angola “não está nada boa” e as vicissitudes que viveu no passado são as mesmas de agora.

Com o encerramento de vários órgãos privados nos últimos tempos, Coque Mukuta disse que a população está agora refém de uma informação “que convém ao poder político”.

“Manipularam, receberam os órgãos todos, fizeram os órgãos todos reféns e agora vão atingindo os jornalistas que lhes parece com maior liberdade, para acabarem de cilindrar quase todos e esse é o grande objectivo deles”, disse.

Já o jornalista Escrivão José, director do “Jornal Hora H”, com mais de 20 notificações, todas por calúnia e difamação, disse que pretendeu alertar o Governo para parar com a perseguição aos jornalistas.

“Todas essas notificações são de governantes angolanos e são mais para intimidar. Quando somos chamados a responder apresentamos as provas, muitas vezes as fontes que dão o rosto são chamadas e tudo não passa de intimidação”, disse.

Escrivão José disse que tinha recebido várias vezes mensagens anónimas com ameaças de morte, tendo já denunciado o facto ao Serviço de Investigação Criminal, que garante que vai encontrar essas pessoas, mas “nunca esse processo andou”.

Por sua vez, Jorge Neto, jornalista do jornal “O Estado News”, disse que era na altura alvo de três processos-crimes, que via como uma forma de intimidação do seu trabalho, mas garantiu que isso não vai fazer parar o trabalho, “que é formar e informar as comunidades sobre aquilo que se passa no país”.

Na sua opinião, a liberdade de imprensa e de expressão no país deu mostras nos últimos tempos de estarem a subir, “mas os últimos sinais” indicam que essa tendência se inverteu.

“Se tivermos em conta o número de jornais que circulam, o número de rádios que temos, e as que temos são todas ligadas ao poder político, são poucas independentes e o mesmo com os jornais, logo, isto é um sinal claro de que temos uma fraca liberdade de imprensa”, realçou.

Sobre o possível desfecho desses processos-crimes, Jorge Neto disse que é difícil prever, “porque a justiça em Angola ainda anda atrelada ao poder político”. “Isso ainda é um enigma, vamos continuar a lutar pelas nossas liberdades e direitos, que é de informar”, acrescentou.

Além dos quatro jornalistas que protestaram outros três profissionais estavam na altura a ser alvo de processos judiciais relacionados com matérias divulgadas nos seus órgãos: Mariano Brás, do jornal “O Crime”, Carlos Alberto do “Portal A Denúncia”’ e Liberato Furtado da “Rádio Luanda”.

No dia 22 de Abril de 2021 (mas com data de 14.04) deu entrada na redacção do Folha 8 o Aviso de Notificação expedido pela magistrada do Ministério Público junto do SIC/Luanda. Era o Processo 117 contra o nosso director, William Tonet. O “117” emergiu como o quarto da era João Lourenço, o quarto de um consulado que iludiu as mentes da maioria de que haveria mais pluralidade informativa (parangonada perante o mundo), contraditório nos órgãos públicos e democracia mais participativa, com órgãos de justiça imparciais e menos partidocratas.

Dos dois últimos presidentes da República, nenhum deles – repita-se – nominalmente eleito, pode dizer-se que cada um ao seu estilo mas ambos filhos do MPLA, um foi outro é autocratas que julgam terem sido os “escolhidos de Deus”, dando lições (aos angolanos) daquilo que desconhecem: ética, democracia, honra, verdade, dignidade, respeito, moral, liberdade etc..

Angola teria uma forma fácil de pôr as suas finanças em ordem, sem estar dependente do petróleo. Bastaria comprar os principais políticos do MPLA pelo preço que de facto eles valem e, é claro, vendê-los pelo preço que eles julgam que valem.

Nas reuniões com os seus sipaios do MPLA, tal como Eduardo dos Santos, também João Lourenço puxa dos galões para, perante uma plateia subserviente, amorfa e castrada, dizer que os angolanos não devem ser expostos a situações dramáticas, citando inclusive como exemplo o que se passou no do 27 de Maio de 1977, quando foram assassinados pelo MPLA milhares e milhares de militantes do MPLA.

“Não se deve permitir que o povo angolano seja submetido a mais uma situação dramática, como a que viveu em 27 de Maio de 1977, por causa de um golpe de Estado”, afirmava José Eduardo dos Santos, procurando – o que foi uma das suas especialidades compradas com o dinheiro roubado ao Povo – branquear a sua atávica avidez pelo poder, pela tirania, pelo nepotismo. João Lourenço subscreve, pelas mesmas razões, esta tese.

José Eduardo dos Santos até vislumbra na sua sombra um golpe de Estado. João Lourenço vive sob o efeito do mesmo fantasma. É típico dos ditadores que estão a ver o seu regime a chegar ao fim da picada. E há 48 anos que Angola tem o mesmo regime. Talvez por isso Eduardo dos Santos tenha tido ao seu lado gente como os generais Zé Maria (chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar – SISM), Kopelipa (chefe da Casa de Segurança do presidente da República), Eduardo Octávio (chefe do Serviço de Inteligência e Segurança de Estado – SINSE) e João Lourenço como vice do MPLA e ministro da Defesa.

E talvez por isso, como em Maio de 1977, mandou decapitar, fuzilar, ou entrar na cadeia alimentar dos jacarés todos os que sonhavam com um futuro melhor, mais igualitário, mais livre e fraterno para os angolanos. Os seus generais até mataram um miúdo, um menino, que só queria saber porque é que deitaram abaixo a cubata dos seus pais.

É este o regime que João Lourenço mantém incólume no essencial, tendo apenas alterado algumas partes acessórias. Mudou algumas moscas e também parecia ter mudado o excremento (merda, em português vernáculo). Ledo engano.

Às grandes potências ocidentais, nomeadamente EUA e Europa, interessa este tipo de governação. É muito mais fácil negociar com um regime ditatorial do que com um que seja democrático. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder dezenas de anos, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.

Angola esteve, está e estará (faz parte do ADN do MPLA) entre os países mais corruptos do mundo. A taxa de mortalidade infantil é das mais altas do mundo. E, é claro, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer pouco depois… com fome.

A PGR anunciou no início de Fevereiro de… 2018 que iria criar “nos próximos dias” (e próximos dias em Angola são o que se sabe) um corpo especial de funcionários e magistrados para se dedicar a investigações preliminares sobre denúncias feitas pela comunicação social e redes sociais.

A informação foi avançada no dia 2 de Fevereiro por Mota Liz à margem de uma cerimónia de tomada de posse de 14 sub-procuradores-gerais da República.

Mota Liz referiu que esse órgão teria como finalidade dedicar-se “concretamente à colheita deste tipo de informação, fazer um inquérito preliminar, para aferir a dignidade e a seriedade dos dados” fornecidos quer pela comunicação social quer pelas redes sociais.

“Para não estarmos a dar as notícias falsas, que são muito férteis na internet, se elas tiverem um mínimo de dignidade e seriedade, então, desencadeia-se um inquérito criminal para se apurar responsabilidades”, avançou Mota Liz, em declarações à rádio pública angolana.

Falta saber (e compreendemos que o segredo é alma também deste negócio) se – como num passado recente mas enraizado no ADN de quem nos governa há 48 anos – as autoridades vão mesmo criar esse órgão e analisar a “dignidade e a seriedade” das mensagens ou, apenas, identificar e punir o mensageiro.

Nesta matéria o Folha 8 está tranquilo, tarimbados desde 1995 que estamos em que as autoridades matem o mensageiro para não tomar conhecimento da mensagem. Por isso continuamos a exigir que os nossos jornalistas (por muito que isso azucrine a ERCA) não sejam nem imbecis nem criminosos. Isto porque se o jornalista não procura saber o que se passa é um imbecil. Se consegue saber o que se passa e se cala é um criminoso.

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