NEM EM ANGOLA, NEM EM CABINDA, O MPLA RESPEITA OS DIREITOS HUMANOS

A organização não-governamental (ONG) Human Rights Watch (HRW) apela ao Governo de Angola para cessar “de imediato a longa repressão” contra activistas políticos e de direitos humanos na sua colónia de Cabinda a que o MPLA chama de província (tal como Portugal chamava a Angola ou a Indonésia chamava a Timor-Leste, lembram-se?).

Em comunicado, escreve a HRW que “desde que o Presidente João Lourenço tomou posse em Setembro de 2017, as autoridades de Cabinda prenderam e detiveram arbitrariamente mais de 100 activistas por se envolverem em actividades de direitos humanos e pacíficas pró-independência na província”.

No mais recente “incidente grave”, a polícia deteve três organizadores e 45 participantes de um seminário sobre direitos humanos. Se calhar, neste ponto o MPLA (o dono disto tudo) tem razão. Se nem Angola as autoridades respeitam minimamente os direitos humanos, por que carga de chuva os iam respeitar em Cabinda?

No dia 25 de Março, contextualizou a organização, forças de segurança angolanas invadiram uma escola privada em Cabinda, arrombando uma sala de aula onde dezenas de pessoas assistiam a um seminário sobre direitos humanos organizado pela ONG cristã Conacce Chaplains.

A polícia (do MPLA) deteve o formador Evêque Kavada Rock, natural da República do Congo, e apreendeu material de formação, disseram testemunhas à HRW, notando que os agentes não apresentaram qualquer identificação, causa para a rusga ou ordem judicial.

Luanda “está a endurecer a repressão contra os activistas de Cabinda”, alerta Zenaida Machado, investigadora da HRW para África.

A HRW referiu ainda no seu comunicado que as autoridades angolanas têm recusado todos os pedidos dos activistas de Cabinda para se manifestarem pacificamente, “contrariando a Constituição angolana, a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos”.

“Deter pessoas simplesmente por defenderem os seus direitos serve apenas para alimentar o descontentamento da população de Cabinda,” disse ainda Zenaida Machado, apelando às autoridades angolanas para pararem de “atacar activistas e retirarem todas as acusações contra aqueles que foram detidos sem provas credíveis de violação da lei”.

De facto, Cabinda é gerida pelos serviços de informação, polícia e forças armadas e os cidadãos não podem expressar as suas opiniões e reivindicar os seus direitos. E isto acontece, diga-se, por que os cabindas (tal como a esmagadora maioria dos angolanos) não sendo pessoas – não têm direitos.

A Frente para a Libertação do Estado de Cabinda – Forças Armadas de Cabinda (FLEC-FAC) luta há anos pela independência daquela suposta província angolana, alegando – correctamente – que o enclave era um protectorado português, tal como ficou estabelecido no Tratado de Simulambuco, assinado em 1885, e não parte integrante do território angolano.

No entanto, o Governo angolano recusa reconhecer uma situação de instabilidade naquele território por si ocupado em 1975, sublinhando sempre a unidade do território.

Recorde-se que Timor-Leste levou a efeito, com o qual concordou a potência ocupante, a Indonésia, um referendo que permitiu que o território, embora sob suposta administração portuguesa mas de facto ocupado militarmente pela Indonésia, se tornasse independente.

Embora a comunidade internacional (CPLP, União Europeia, ONU, União Africana) assobie para o lado, o problema de Cabinda existe e não é por não se falar dele que ele deixa de existir. E se, como aconteceu em Janeiro de 2010, para se falar é preciso pôr a razão da força à frente da força da razão… que outro remédio têm os cabindas?

Cabinda é um território ocupado por Angola e nem a potência ocupante como a que o administrou pensaram, ou pensam, em fazer um referendo para saber o que os cabindas querem. Seja como for, o direito de escolha do povo não prescreve, não pode prescrever, mesmo quando o importante é apenas o petróleo.

No dia 30 de Novembro de 2004, Adriano Moreira publicou no Diário de Notícias o seguinte artigo:

«Nesta questão da globalização, em que circulam expressões como Estado-continente para designar os de maior extensão territorial e Estado-baleia para referir os das populações desmedidas, acrescendo o fenómeno dos grandes espaços que agregam várias soberanias cooperativas, as atenções desviam-se facilmente das pequenas identidades políticas, cuja autonomia de Governo não foi consagrada pela História, e olham com displicência para as que lhes parecem uma arqueologia de resíduos.

Casos como os do Mónaco, São Marino, Andorra, parecem amparados por um sobrevivente respeito dos ocidentais pela História, mas a dissolução da Jugoslávia, a desagregação da URSS, a complexidade do Médio Oriente, destinos como o do Tibete, encontram difícil amparo em escalas de valores participadas.

Nesta data, Cabinda é um território cuja situação tem de ser avaliada tendo em vista este conjunto de variáveis: um pequeno território com uma população de dimensão correspondente; multiplicação de soberanias interessadas no seu estatuto efectivo, num quadro internacional incerto, com todas as sedes de legitimidade em crise, bastando lembrar os efeitos que a segunda guerra do Iraque teve na consistência das solidariedades no Conselho de Segurança, na NATO, e na própria União Europeia.

Em primeiro lugar, acontece que o respeito pela identidade e vontade de ocupar um lugar igual na comunidade internacional não depende nem da dimensão territorial nem da expressão numérica da população: é um direito dos povos, que não foi limitado pela regra indicativa da ONU, no sentido de as fronteiras da independência serem as que tinham sido traçadas pela soberania colonizadora.

No caso de Cabinda, o ordenamento constitucional português, que durou até 1976, nunca impediu a afirmação reiterada da identidade específica de Cabinda, nem a especificidade do título que uniu Cabinda à coroa de Portugal, o anualmente e solenemente festejado Tratado de Simulambuco, em relação também, com expressão única, com o facto de os bustos dos reis portugueses em exercício por vezes assinalarem as sepulturas dos líderes políticos locais que faleciam.

A decisão de cada povo, com sentimento de identidade, convergir para espaços políticos mais vastos, optando por limitações de soberania, por grupos de soberanias cooperativas ou por autonomias regionalizadas, faz parte da liberdade com que organiza a preservação da sua identidade, não pode ser uma imposição exógena, que contrarie os princípios e valores a que a Carta da ONU vinculou a defesa da paz e da dignidade dos povos e dos homens.

É finalmente certo que o petróleo, como as antigas especiarias, tende para fazer esquecer as limitações que estavam implícitas na resposta do anónimo marinheiro de Vasco da Gama, e que Cabinda enfrenta o risco de ser absorvida pela percepção actual da África útil.

A resposta firme tem de adoptar a recente advertência do PNUD (2004): «São necessárias políticas multiculturais que reconheçam diferenças, defendam a diversidade e promovam liberdades culturais, para que todas as pessoas possam optar por falar a sua língua, praticar a sua religião e participar na formação da sua cultura, para que todas as pessoas possam optar por ser quem são.»

Os cabindas não exigem mais, e não se lhes pode pedir que exijam menos: «Optar por ser quem são.»

Folha 8 com Lusa

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