O Presidente do MPLA, com a cobertura do Presidente da República, autorizou o Titular do Poder Executivo a mandar construir 1.500 habitações sociais para realojar famílias em situação de vulnerabilidade social, condições muito precárias, risco eminente de surtos, endemias de toda a espécie, sujeitas às mais diversas intempéries e que “vivem” em barracas e tendas entre o Zango 3 e o Zango 5, em Luanda. Isto depois de o governo ter mandado destruir as casas onde sobreviviam.
Segundo despacho publicado no Portal do Governo, a despesa para a construção destas habitações foi autorizada pelo Presidente da República, João Lourenço, no valor global, em kwanzas, equivalente a setenta e cinco milhões, setecentos e nove mil, quinhentos e cinquenta e cinco dólares e oitenta cêntimos.
O despacho dá conta que o contrato para a elaboração do projecto e coordenação da empreitada está no valor global superior a dois milhões de dólares.
HRW CRITICA DEMOLIÇÕES EM LUANDA
A organização Human Rights Watch (HRW) acusou no passado dia 2 as autoridades angolanas (do MPLA) de despejos forçados e demolições no sul de Luanda, exigindo o fim desta prática e que o Governo garanta compensações aos proprietários de centenas de casas demolidas.
Aorganização não-governamental (ONG) de defesa dos direitos humanos revelou que as forças de segurança angolanas invadiram áreas da capital, no município de Viana, em 27 de Fevereiro, e demoliram “mais de 300 casas, deixando centenas de desalojados”.
“Os moradores disseram que aqueles que se recusaram a abandonar as casas ou se reuniram para se manifestar pacificamente contra as acções das forças de segurança foram espancados e presos. As autoridades locais alegaram que as casas tinham sido construídas ilegalmente”, descreveu a HRW em comunicado.
Os relatos foram confirmados também por dois jornalistas que tentavam cobrir os despejos forçados e que acusaram a polícia de ter espancado quatro homens que tentaram proteger as suas propriedades e de deter dezenas de pessoas.
“As autoridades angolanas devem interromper imediatamente todas as operações de despejo e demolição em Luanda que violem as normas legais internacionais”, defendeu Ashwanee Budoo-Scholtz, vice-directora para África da HRW.
Os jornalistas alegaram que a polícia e os soldados negaram o acesso dos meios de comunicação à área.
“Os funcionários responsáveis por despejos ilegais e uso excessivo da força contra os moradores precisam ser responsabilizados”, exigiu Ashwanee Budoo-Scholtz, defendendo ainda que os proprietários de casas demolidas devem ser compensados de imediato e realojados.
A ONG de defesa dos direitos humanos procurou obter explicações da polícia do MPLA, mas um porta-voz disse que não tinha conhecimento de qualquer operação de despejo e demolição em Viana.
O gabinete da Administração Municipal de Viana emitiu, no mesmo dia, um comunicado de imprensa confirmando a operação onde alega que os moradores construíram ilegalmente, e “contra os avisos das autoridades”, casas numa área reservada à construção de uma central eléctrica para a zona do Zango.
Os despejos forçados têm sido um problema persistente nas áreas urbanas de Luanda desde o fim da guerra civil em 2002.
“O Governo angolano precisa de parar com a prática de longa data e ultrajante de despejos forçados”, sublinhou a vice-directora para África da HRW, apelando para que “quaisquer futuras operações de despejo sejam planeadas e realizadas de forma legal e ordenada e que respeite os direitos das pessoas à habitação, aos meios de subsistência e à segurança”.
ESCRAVOS HÁ 47 ANOS
Em 29 de Março de 2017, sob o título “São milhares os escravos abandonados em Tchavola”, Sedrick de Carvalho escrevia aqui no Folha 8 o texto que se segue:
«Desde 2010 que mais de três mil famílias na província da Huíla sobrevivem em cubatas de chapa na mata da Tchavola, para onde foram compulsivamente atirados depois de ilegalmente desalojados das suas residências. O nome Tchavola diz muito sobre a zona onde estão: podre, traduzido para português.
O F8 conversou com alguns membros da comissão de moradores da comunidade da Tchavola, a comunidade dos “jogados e esquecidos no lixo pelo governo angolano”, segundo Francisco Chacola, membro da referida comissão.
Num processo de desalojamento forçado, com recurso a militares das Forças Armadas Angolana (FAA) e Polícia Nacional, os habitantes da região dizem que passaram de desgraçados para miseráveis ao verem suas casas demolidas, em alguns casos sem possibilidade de retirar alguma coisa do interior, inclusive vestuário.
Francisco Chacola transformou-se em símbolo da miséria dos desalojados, no ano passado, quando falou à televisão portuguesa SIC numa reportagem intitulada “Angola, um país rico com 20 milhões de pobres”. Desde essa data, a hostilidade do governo local para com os moradores da Tchavola apenas aumentou, e populares desconfiam tratar-se de “retaliação mesquinha”.
Em 2010 foram colocados ao “relento, sem luz, sem água, sem condições de segurança, sem hospital, sem escola, entre outras coisas”. Sete anos se passaram e continuam nas mesmas condições. As crianças estudam em escolas improvisadas por quem sempre foi professor, como Francisco Chacola. O improviso passa por estudar debaixo de árvores, e às vezes sob o sol ardente simplesmente.
Completamente indiferentes às denúncias, as autoridades local e central não se preocuparam sequer em disponibilizar carteiras para as crianças, e por isso as mesmas continuam a levar às escolas improvidas latas de leite vazias para usarem como assento. A única escola existente nos arredores, mostrada pela televisão portuguesa SIC, de duas salas e, porém, inacabada, não chega para albergar o número de crianças em idade escolar da região.
“É só a vontade de ensinar que nos faz continuar a dar aulas, e é o desejo dos pais verem seus filhos a lerem e escreverem que faz com que eles permitam os filhos estudar mesmo com sol”, contou-nos Chacola.
Entretanto, o regresso às escolas improvisadas acontece depois de vários anos paralisados em consequência do desalojamento, sinal claro de que o governo angolano não está preocupado com a educação escolar dos menores. Os adultos, na sua maioria pais, ficaram sem emprego por causa da distância que separa a Tchavola dos locais de trabalho.
“Outros desistiram por causa da frustração. O salário nem serve para nada. Optaram por consumir estupefacientes, bebidas alcoólicas, viver da prostituição”, afirmou Chacola. Houve também mortes por trombose.
A comissão de moradores da Tchavola tem servido para representar a população perante os órgãos governamentais. Entretanto, a administração municipal da Mitcha, município em que se encontra a Tchavola, tem sido “bastante desonesta e agressiva” para com a comissão.
O governo provincial tem alegadamente terrenos, sob denominação de “reserva do âmbito social”, programados para construção de casas para realojamento dos habitantes da Tchavola. Essas terras têm sido vendidas por funcionários da administração municipal, comunal, e da delegação provincial do ministério do Urbanismo. Membros da comissão de moradores afirmam que todos estes envolvidos garantem estarem a cumprir ordens do administrador do município do Lubango, Francisco Leonardo Barros.
Parte do terreno da escola referida acima também foi vendida, o que originou contestação localmente. O governador provincial, Marcelino Tyipinge, ordenou a “reposição da posse do terreno à escola 8 de Março «Tchavola»”, mas, até agora, o espaço não foi devolvido.
“Denota-se uma certa insubordinação por parte dos seus subalternos”, deduz Chacola. Beatriz Neto, administradora da Mitcha, comuna onde está a Tchavola, foi contactada pelos membros da comissão de moradores para dar explicações sobre o terreno da escola. Em resposta, “ela afirmou que não daria explicações à comissão de moradores, mas sim aos seus comparsas, que são os coordenadores”. O órgão imediatamente superior também foi contactado, mas “o administrador municipal manifestou indisponibilidade em receber-nos, dizendo que não tem tempo”.
A venda dos terrenos destinados à habitação social e da escola não significa “o fim da picada”. As terras reservadas para campo de futebol e estradas também estão a ser “descaradamente vendidas como bolinhos”. O cemitério igualmente! O governo provincial e compradores não se importam com os restos mortais enterrados naquele campo-santo.
“Eles não querem saber se vão encontrar ossos humanos quando cavarem a terra, e muito menos pensam indemnizar os ofendidos, quando isso é responsabilidade do governo provincial”, disse Francisco Chacola.
Ao terminarmos a conversa, Francisco Chacola lamentou o desprezo com que a comunidade da Tchavola tem sido tratada pelos órgãos de comunicação social local. Chacola disse ter conhecimento da ordem dada pelo governo provincial aos jornalistas para não passarem informação alguma sobre os desalojados. “E assim vivemos num sítio que fica mais podres a cada dia”, lamentou.»