MANTER A CORRUPÇÃO MUDANDO ALGUNS CORRUPTOS

Para desviar as atenções sobre o pedido de destituição do Presidente João Lourenço, apresentado pela UNITA, o MPLA pediu aos seus amigos “jornalistas” para voltarem a falar dos bens arrestados. A Lusa respondeu à chamada e hoje (o Folha 8 fê-lo na segunda-feira) titula “Angola arresta aviões, prédios em Wall Street e Dubai, um Lamborghini e um SPA”.

O Folha 8 “alinha” nessa estratégia, relembrando (em homenagem aos 20 milhões de pobres e a todos aqueles que continuam a tentar aprender a viver sem comer) que a Angola apreendeu e arrestou bens de luxo como aviões, edifícios em Wall Street e Dubai e um Lamborghini, mas também um centro para estágios de futebol e um SPA, no âmbito do combate à corrupção, acrescentando – contudo – que todos esses bens pertencem a dirigentes e altos dignitários do MPLA, o maior partido do mundo e matéria de corruptos por metro quadrado.

Estes bens e activos, que não estão ainda a ser geridos pelo governo do MPLA (o pai e mãe da corrupção), aguardando uma decisão judicial definitiva, constam da lista actualizada disponível no site da Procuradoria-Geral da República de Angola, separados por bens apreendidos, arrestados e recuperados.

A lista (cujo conteúdo foi noticiado pelo Folha 8 na segunda-feira), consultada agora pelo lupa da Lusa, apresenta 219 bens e activos recuperados, 167 arrestados e 521 apreendidos, incluindo mais de 500 milhões de euros em dinheiro em Portugal, país onde Angola deverá passar a gerir vários imóveis em Lisboa, Porto e Santarém, um apartamento em Rio de Mouro, nos arredores da capital, e vivendas no Algarve, entre outros, caso ganhe os processos que correm em tribunal.

O site da PGR apresenta a descrição do bem, o valor, o fiel depositário, a situação actual e o ano, não especificando quem era o anterior proprietário (são todos do MPLA), sendo que, por exemplo, entre os bens apreendidos estão 30 relógios no valor de 2,6 mil milhões de dólares que estão desde 2021 ‘à guarda do fiel depositário’, o Banco Nacional de Angola, ou o condomínio Tambarino, em Benguela, no valor de 138 milhões de dólares, cujo fiel depositário é o Banco de Poupança e Crédito.

Entre os bens apreendidos está um Lamborghini, apreendido em 2021 que, à semelhança de outras dezenas de veículos de marcas de luxo, iates, camiões, motas de água, atrelados e jipes, aguarda ainda avaliação.

Para além dos veículos, o MPLA na versão João Lourenço arrestou também, no âmbito do combate à corrupção, camiões, escolas, vivendas no Algarve, apartamentos de luxo em Lisboa, Cascais e Santarém, um parque de estacionamento na Huíla, dezenas de hotéis, um centro de tratamentos e SPA, um centro de hemodiálise em Luanda, 49% das acções do Standard Bank em Angola (no valor de 117 milhões de euros) e até um centro de estágio de futebol no Cacuaco, que está afecto a uma instituição pública… do MPLA, obviamente.

Entre os bens arrestados pelas autoridades angolanas estão, de acordo com a lista disponível no site da PGR, várias aeronaves, um hotel na China avaliado em 25 milhões de dólares, dois edifícios no valor de 130 milhões de dólares em Singapura, para além do activo mais valioso de toda a lista, o edifício de quatro andares em Wall Street, Nº 23, avaliado em 450 milhões de dólares, arrestado no ano passado, e cujo fiel depositário é a China Sonangol International.

Isto, claro, para além de muitos milhões de dólares, libras, euros e kwanzas, dos quais mais de 500 milhões de euros foram arrestados em Portugal, em apreensões que vão desde os 484 euros até montantes muito significativos, com valores únicos de 51,9 milhões de euros, 71,9 milhões ou de 102,6 milhões de euros, a apreensão única mais valiosa em Portugal na lista dos activos arrestados, disponível no site da PGR.

Entre os activos arrestados estão também os 26% das acções da NOS, que se juntam aos 42,5% das acções do Banco Euro BIC, 51% das participações sociais no Banco Fomento Angola e 42,5% das acções no Banco BIC, cujos fiéis depositários são os conselhos de administração das empresas.

A lista do Serviço Nacional de Recuperação de Activos (Senra), publicada na segunda-feira, inclui 219 bens e activos recuperados, apreendidos ou arrestados, parte dos quais relacionados com processos ainda em curso, num total de 19 mil milhões de dólares (17 mil milhões de dólares).

Destes, 7 mil milhões de dólares (6,2 mil milhões de euros) correspondem a bens recuperados e cerca de 12 mil milhões de dólares (10,6 mil milhões de euros) foram apreendidos ou arrestados.

Na semana passada, a directora do Senra, Eduarda Rodrigues, disse que foram identificados, nos dois últimos anos, mais 24 mil milhões de dólares (21 mil milhões de euros) nos processos em investigação sobre recuperação de bens, soma que agora ascende a 70 mil milhões de dólares (62 mil milhões de euros).

Enquanto prossegue a operação de branqueamento, recorde-se que, em Janeiro de 2021, o Conselho Directivo da Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA), sucursal para a comunicação social do MPLA deliberou – de acordo com as ordens superiores do patrão – o que a seguir se transcreve.

«1. Chamar a atenção de toda a comunicação social e dos jornalistas em particular, para a entrada em vigor no próximo mês de Fevereiro das leis que aprovam o Código Penal Angolano e o Código do Processo Penal Angolano em Novembro de 2020 pela Assembleia Nacional e já publicadas em Diário da República, tendo em conta as novas normas criminais que a partir de agora irão penalizar os ilícitos relacionados com a violação dos direitos de personalidade e os abusos e atentados à liberdade de imprensa.

2. Apelar a todos os profissionais que trabalham na comunicação social, independentemente do meio que utilizam, onde se inclui a Internet, para que se inteirem em profundidade sobre o conteúdo destas normas, pois como é sabido, a ignorância da lei não é desculpa para a sua violação, nem funciona como atenuante.

3. Destacar dentre estas normas, o tratamento que é dado no novo Código Penal ao lançamento de suspeições que podem afectar de forma irremediável o bom nome de terceiros, uma prática que este Conselho tem estado a ver crescer de forma preocupante nos últimos tempos, a coberto de um suposto jornalismo de investigação.

4. Condenar o sensacionalismo de algumas matérias, aparentemente bem construídas, mas sem qualquer interesse público, verdadeiros não factos, onde se percebe facilmente que se houvesse boa-fé do seu autor, nada justificaria a sua divulgação.

5. Saudar a introdução no novo Código Penal do crime sobre o atentado à liberdade de imprensa, no âmbito do qual serão condenados todos quantos estiverem apostados na obstrução do trabalho legítimo dos jornalistas através de diferentes formas.»

O regime do MPLA – perante a criminosa indiferença da comunidade internacional – já elaborou o seu plano e já estão contratados os “assassinos” (alguns estão na própria ERCA), para eliminar sem deixar rasto todos os que teimem em pensar pela própria cabeça, todos os que teimem em dizer o que pensam ser a verdade, dando voz a quem a não tem. Os jornalistas não serão excepção.

Obviamente que o Folha 8 e a TV 8 são um alvo a abater. Os avisos são, aliás, recorrentes e já fazem parte do nosso quotidiano. E alguns até merecem, talvez por serem pouco originais e repetitivos, a nossa condescendência.

Pelo tempo passado, importa reflectir nas razões – sempre actuais – que levaram ao assassinato do jornalista moçambicano Carlos Cardoso. Ele foi assassinado por entender que a verdade é o melhor predicado dos Homens de bem, uma tese com a qual os ditadores convivem muito mal. Morreu, segundo Mia Couto, porque “a sua aposta era mostrar que a transparência e a honestidade eram não apenas valores éticos mas a forma mais eficiente de governar”.

Foi assassinado, “por ser puro e ter as mãos limpas”. Morreu “por ter recusado sempre as vantagens do Poder”. Morreu por ter sido, por continuar a ser, o que muito poucos conseguem: Jornalista.

“Liquidaram um defensor da fronteira que nos separa do crime, dos negócios sujos, dos que vendem a pátria e a consciência. Ele era um vigilante de uma coragem e inteligência raras”, afirmou Mia Couto num testemunho que deveria figurar em todos os manuais de Jornalismo, que deveria estar colocado em todas (apesar de poucas) Redacções onde se faz Jornalismo. Também deveria figurar na ERCA se, por acaso, o seu presidente não fosse um mero sipaio do MPLA.

“O sentimento que nos fica é o de estarmos a ser cercados pela selvajaria, pela ausência de escrúpulos dos que enriquecem à custa de tudo e de todos. Dos que acumulam fortunas à custa da droga, do roubo, do branqueamento de dinheiro e do tráfico de armas. E fazem-no, tantas vezes, sob o olhar passivo de quem devia garantir a ordem e punir a barbárie”, disse Mia Couto numa cerimónia fúnebre em Honra de Carlos Cardoso.

Por cá, tal como por lá, os algozes do regime continuam apostados em matar os mensageiros. Ainda não se convenceram que matar o mensageiro não resulta. A liberdade continua viva.

Folha 8 com Lusa

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