A província do Kuando Kubango, conhecida como as “Terras do Fim do Mundo” foi eleita para a realização de manobras militares dos três ramos das Forças Armadas de Angola. A escolha não foi feliz, porquanto muitos militares estavam há mais de seis meses sem salários, tal como os pensionistas, que ganham mal, pessimamente mal: 23.000,00 (vinte e três mil Kwanzas). No desembarque do “Em Chefe” Lourenço, à boa maneira da pequenez intelectual, as malas para pagamento chegariam no mesmo avião, mas o amuo já estava barricado, nos soldados e ex-militares. Bélica sacanagem!
Por William Tonet
Quando um Executivo não se inibe em pagar, atrasado, um salário de vergonha, a quem ao longo da vida deu o seu melhor, mais na defesa do regime do que do país, está a escancarar as portas da insatisfação e explosão social. Desde 2008 este cenário havia sido “acantonado”, regressando, nos últimos tempos, em força, nos quartéis e civis, cunham a divisão e estado de tensão no seio das trincheiras, a que o Comandante-em-Chefe das FAA, não pode ficar indiferente.
Mas, a indiferença, insensibilidade e desrespeito pelas FAA não passou despercebida, quando o próprio João Lourenço se apresentou ante os demais generais, oficiais superiores e soldados, competentemente mal uniformizado. Nota digna de registo, indiciando a escassez de fardamento, botas, munições e demais equipamentos militares em stock, para qualquer eventualidade.
“São os piores momentos da logística militar. Aliás muitas coisas agudizaram-se desde o tempo em que foi ministro da Defesa, o actual comandante-em-chefe, em que havia muito dinheiro, mas as condições das unidades e o fardamento começaram a escassear, para além da sua má qualidade”, assegurou em exclusivo, ao F8, o coronel Jaime Nguivita.
“Vivemos um dos piores momentos em termos de logística nas Forças Armadas. Falta quase tudo. A farda é de muita má qualidade, aquece, é muito diferente da anterior. Graças a Deus não temos nenhuma ameaça de país vizinho, caso contrário, estaríamos mal. Muito!”
O alerta é de um oficial de caserna, que conhece o suor da tropa, os seus gemeres e sentires, numa clara demonstração de “não existe unanimidade em torno de João Lourenço, pela sua insensibilidade para com a tropa, que vem já dos seus mandatos, quer como chefe da Direcção Política das FAPLA, como de ministro da Defesa, neste último posto, com um grande orçamento, concedido pelo antigo presidente, para a reabilitação de quartéis, unidades e melhoria de condições da tropa, mas que nada foi feito, salvo o dinheiro, que parece ter sumido, não se sabendo se com o conhecimento ou não do então ministro da Defesa”, explicou o coronel Nguivita.
Por esta razão, as populações do Kuando Kubango, vivendo numa penúria indescritível, conhecendo as agruras das acções político-jurídicas que levaram à expulsão compulsiva, afastamento violento e expurga de milhares de soldados autóctones da região, integrados na UGP (Unidade de Guarda Presidencial), acusados de fantasmas, mostraram-se indiferentes “e revoltadas com a presença de um Presidente da República que faz mal à sua própria tropa, humilha, chama-os de gatunos, quando sempre trabalhamos para a UGP, Presidência da República e, muitas vezes, fazíamos, como unidade militar, com dinheiro fora do orçamento, o trabalho sujo do MPLA, recrutando, aliciando e pagando tropas da UNITA, para enfraquecer o então inimigo, mas agora, tratam-nos como cães, quando foram eles que roubaram o dinheiro da tropa e do país”, disse ao F8 o major, Mbalanga Ukilya.
Para o oficial, “o que João Lourenço fez, não foi humilhar o major Lussati, mas fragilizar as próprias FAA, considerando estarmos todos juntos e misturados num curral de gatunos e corruptos. Não estamos, porque a maioria dos soldados vive pior do que os cães dos governantes, que comem bife e ração importada”…
Na opinião do major Ukilya, o Comandante-em-Chefe das FAA, “como grande fazendeiro e latifundiário, que não herdou herança, nem as seringas do pai enfermeiro, no tempo colonial, eram de ouro ou diamante, sabe quem rouba o dinheiro da alimentação da tropa, do armamento da tropa, do fardamento da tropa. Não somos nós soldados, sargentos, majores, capitães, coronéis, mas eles generais, todos empresários, milionários com o sangue e vida dos militares”.
Ao pontualizar questões específicas deixou um alerta: “Por muito que tentem justificar, nunca mais a tropa será a mesma, em pensamento, porque a moral, em tempo de paz, face às dificuldades e injustiças é muito baixa. Pelo juramento, vamos cumprir as missões, mas hoje, a maioria, tem consciência de que devemos colocar em primeiro lugar a soberania do país, do que os interesses particulares e empresariais dos generais e do MPLA, como defendíamos até bem pouco tempo. Temos de nos libertar e assumir que a soberania de Angola está em primeiro lugar e não a soberania dos generais-empresários. Eu assumo isso. Os gatunos e corruptos são os generais, que roubam tudo da tropa e dos angolanos”. A finalizar, denunciou o facto de “o general Francisco Furtado, que mais mal fez à tropa, principalmente no Kuando Kubango, ter nesta região uma mina onde ele se desloca semanalmente, mas nunca se encontra com a tropa. São estes tipos de generais que temos: gostam mais do dinheiro que da tropa e está cheio de sócios sul-africanos bóeres. Nos mandavam lutar contra as tropas do apartheid, afinal, na calada da noite, negociavam com os racistas carcamanos, hoje sócios nas suas empresas de vinhos na Huíla, diamantes e outros minerais”.
Não conseguimos, depois de várias tentativas, contactar o general Francisco Furtado para aferir da realidade quanto à existência de sócios sul-africanos, bóeres (de carácter racista) nas minas, sendo verdadeiro, o da empresa de vinhos.
Tendo em conta, este clamor que extravasou das casernas, o novo Chefe do Estado Maior General das FAA, general Altino Carlos José dos Santos, não conseguindo esconder a ruim realidade das Forças Armadas, ao Comandante-em-Chefe, João Lourenço, que ante as evidências, muitas vindas da sua gestão à frente do Ministério da Defesa, decidiu, não fosse o diabo tecê-las, num rolo interminável de críticas directas, continuar a reunião apenas com uma selecta “task force” e à porta fechada.
Para a maioria dos comandantes, generais de regiões e frentes militares foi constrangedor essa táctica.
“Isto significa que os assuntos da minha e outras regiões continuarão adiados e esquecidos até uma eventual saturação da tropa. Espero que o chefe assuma depois as consequências. Isso é tentar tapar o sol com a peneira. Quem dá tranquilidade ao país e ao Presidente da República, não são os generais de gabinete, instalados em poltronas em Luanda, que não conhecem a tropa, mas aqueles que vivem diariamente, com eles nos quartéis. Esta gente com medo aconselhou o Chefe a retirar-nos da sala, convencendo-o ser possível dirigir a tropa através de playstation”, afirmou, bastante inconformado, o general ZYP. Por razões óbvias, o nome está sobre protecção da Lei de Imprensa (protecção das fontes), logo não revelamos a identidade verdadeira.
O jornalista duplo Artur Queiroz, antigo assessor da Inteligência Militar, até 2016 (tempo de José Maria e JES), não se sabendo agora a quem serve, num artigo a propósito considerou: “No Cuando Cubango fizeram um truque que já não se usa. Os militares receberam os salários no dia em que o comandante-em-chefe chegou ao local das manobras. Coisas destas são escusadas e mostram um nível político muito baixinho. As condições da tropa dentro e fora dos quartéis são péssimas”, escreveu, confirmando o atrás vertido pelas nossas fontes. É preciso um olhar sério a bem da harmonia de um órgão tão importante para a estabilidade do país. O Mali, Burkina Fasso, Sudão estão aqui à mão de semear, mostrando os malefícios de instabilidade no seio das Forças Armadas, principalmente, quando causadas pelo enriquecimento ilícito dos generais.