O secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros de Portugal (João Gomes Cravinho é o ministro) afirmou hoje que a Estratégia da Cooperação Portuguesa vai expandir-se em África além dos países lusófonos e contempla os sistemas de saúde dos países parceiros como uma das prioridades nesta área.
Francisco André, em entrevista com a Lusa, explica que “a área da cooperação e desenvolvimento é uma parte estruturante da política externa portuguesa e complementa duas áreas fundamentais: o diálogo político e diplomático com os nossos países parceiros, mas também a realidade de trocas económicas e comerciais, o trabalho dos nossos agentes económicos nesses países”.
A Estratégia da Cooperação Portuguesa 2030, o documento enquadrador das políticas públicas de cooperação para o desenvolvimento para os próximos sete anos, vem substituir o Conceito Estratégico da Cooperação Portuguesa 2014-2020.
Num contexto de crise económica global, acentuada pela guerra na Ucrânia, “os países com que nós trabalhamos, os nossos países amigos, os nossos países irmãos, precisam de nós mais do que palavras ou gestos de solidariedade ou palmadas nas costas. Precisam de meios, precisam de mecanismos e de capacidade de resposta da nossa parte, enquanto membro da comunidade internacional, para os ajudar a ultrapassar este momento”, explicou o governante.
Nesse sentido, o novo plano global prevê um alargamento geográfico da acção política de cooperação além dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e Timor-Leste, consagrando a “ambição de alargar, sobretudo no continente africano, as capacidades de cooperação portuguesa para o desenvolvimento, seja na África Ocidental, seja no Norte de África, mas também na América Latina, onde já tem uma presença bastante visível”, explicou Francisco André.
Além disso, a nova estratégia mantém a aposta no apoio aos instrumentos de educação mas também “na capacidade de formação e na resiliência dos sistemas de saúde dos países parceiros”, disse o secretário de Estado, recordando que a pandemia “veio demonstrar algumas das fragilidades que ainda subsistem” em muitos locais.
“Com esta estratégia vamos investir mais meios, mais recursos para aumentar essa resiliência, sobretudo através da formação de quadros, da capacitação profissional e do reforço da capacidade de liderança desses mesmos sistemas de saúde”, explicou.
De entre as prioridades, o governo elencou o combate às alterações climáticas, em articulação com a tutela portuguesa para o sector.
“Este é um assunto particularmente sensível”, reconheceu. “Alguns dos nossos países parceiros são claramente os que menos contribuem para o fenómeno das alterações climáticas, não são emissores de gases com efeito de estufa, mas são em simultâneo dos países que mais sofrem”.
E o secretário de Estado deu o exemplo de Moçambique que está “entre os três países do mundo mais afectados pelas consequências das alterações climáticas”.
A atenção à igualdade de género e empoderamento das mulheres e das raparigas inscreve-se também como um “objectivo político transversal da Estratégia de Cooperação”, disse, salientando que será de “utilização obrigatória” a “lupa de género” na cooperação portuguesa, que impõe uma “perspectiva conducente ao reforço da igualdade de género em cada projecto de cooperação apoiado por Portugal ou em que qual Portugal participa”.
Na ligação à Europa, a cooperação portuguesa quer assumir-se “de uma vez por todas” como um “vector estruturante da cooperação europeia”, potenciando tanto quanto possível os instrumento de cooperação delegada disponíveis.
Já na cooperação triangular, que se refere à associação de dois países para melhorar as capacidades de desenvolvimento de um país parceiro, Portugal está em conversações com “países bastante relevantes no panorama internacional”, segundo Francisco André, como são os Estados Unidos da América – o Instituto Camões prepara-se para assinar com a USAID um protocolo de cooperação -, Japão, Coreia do Sul, Emirados Árabes Unidos entre outros.
Para além dos acordos com estes países a cooperação portuguesa quer, cada vez com maior frequência, sentar-se à mesa das “instituições financeiras internacionais de desenvolvimento”, como o Banco Europeu de Investimento (BEI), o Banco Mundial ou o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD).
Com esta Estratégia, o objectivo é “permitir que a sociedade civil, as universidades, as autarquias, as várias instituições e o sector privado trabalhem em cooperação para o desenvolvimento”, podendo “desenhar, implementar e executar projectos”, explicou.
MAIS UM… CRAVINHO
Para que a memória e, com ela, a verdade não prescrevam. No dia 9 de Novembro de 2005, o governo português recusou comentar a reacção do maior partido da oposição angolano, UNITA, que classificou de “insulto intolerável” as declarações do então secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros português, hoje ministro dos negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, sobre o líder histórico do partido, Jonas Savimbi.
Em declarações à Agência Lusa, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, António Carneiro Jacinto, afirmou que o governo português “não comenta” a reacção da UNITA às declarações de João Gomes Cravinho, numa entrevista então publicada pelo Jornal Expresso.
O secretário de Estado descreve Jonas Savimbi como “um monstro” e um “Hitler africano”.
O Comité Permanente da UNITA classificou estas declarações como um “insulto intolerável” e uma “grotesca ingerência” nas relações com Angola.
“A opinião do secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação do governo de Portugal sobre Jonas Malheiro Savimbi é um insulto intolerável”, referia o comunicado da direcção da UNITA sobre o assunto.
Jonas Savimbi, morto em combate na província angolana do Moxico em Fevereiro de 2002, foi o fundador e líder histórico da UNITA.
Na sequência das declarações do então secretário de Estado, a direcção da UNITA decidiu enviar ao primeiro-ministro português, José Sócrates, uma carta manifestando o seu “veemente protesto” pelo que entende ser uma “grotesca e infantil ingerência do seu principal porta- voz em matéria de relacionamento com Angola”.
“Quanto a João Cravinho, convirá dizer, para refrescar a sua seca memória, que quem tem hitlerismos consigo e cometeu monstruosidades indescritíveis foi uma parte dos colonizadores, de que ele é indefectivelmente uma continuação biológica”, diz o comunicado.
A UNITA assegurava, no entanto, acreditar que “os dirigentes portugueses responsáveis, sem miopia política nem servilismos mercantilistas, saberão respeitar e trabalhar com os angolanos para criar o quadro psicológico necessário ao bom desenvolvimento das relações entre os dois povos”.
Por outro lado, destacou a “clarividência do povo português, que, ao contrário de certos membros do seu governo, sempre soube posicionar-se ao lado de todos os angolanos”.
Para a UNITA, as relações entre portugueses e angolanos “assumirão por muito tempo ainda uma enorme carga emocional”, defendendo que “competirá aos dirigentes de ambos os povos ganhar permanentemente altura para conferir sempre mais maturidade e idoneidade a essas relações”.
Entretanto, no dia 9 Novembro 2005, Mário Soares recusou-se a considerar Savimbi “monstro” ou “Hitler africano”
Mário Soares, na altura candidato à Presidência da República Mário Soares recusou, no Porto, considerar Jonas Savimbi “um monstro” ou “Hitler africano”, embora reprove alguns dos seus comportamentos.
Mário Soares comentava aos jornalistas as declarações do secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Portugal, João Gomes Cravinho, já consideradas “um insulto intolerável” pelo Comité Permanente da UNITA.
Falando à margem de uma visita que efectuou hoje à Casa da Música, Mário Soares disse “não ter essa ideia” de Jonas Savimbi.
“Nunca utilizaria esses nomes, embora ache que há efectivamente comportamentos dele que são reprováveis”, afirmou o candidato, que manteve uma relação estreita com o fundador e líder histórico da UNITA.
“Tive fama de ser partidário de Savimbi, mas nunca o fui”, acrescentou Soares, afirmando não querer, no entanto, criticar o secretário de Estado João Gomes Cravinho, que, como qualquer cidadão, está no direito de ter a sua opinião.
Para o candidato presidencial, Savimbi foi um grande combatente que “deve ter feito muitas coisas que não devia ter feito, como todos fizeram”.
“Quem é que pode atirar pedras depois de tantos anos, depois da guerra civil?”, questionou Mário Soares, rejeitando as declarações de Gomes Cravinho.
Folha 8 com Lusa