HISTORIOGRAFIA POLÍTICA  ANGOLANA MUDOU

A bússola política angolana virou a seta para sul. O leste fez-se presente, Cabinda deu um sinal severo. O oeste e o sudoeste, reafirmaram o compromisso com a mudança. Tudo no dia 16 de Agosto de 2023, diante do país e do mundo. A comunidade diplomática internacional em Angola, como era expectável, está queda e muda e, não temendo aliança do maior partido da oposição com o grupo Wagner, não descarta a semente do homem do Muangai, que ainda atemoriza: “1.º o angolano; 2.º o angolano; 3.º o angolano, 4.º o angolano e os outros talvez fiquem mesmo nos seus países”, afirmou Savimbi.

Por William Tonet

O país chegou ao “zen político”! A valência do direito positivo, eleita como recurso de luta sem armas, nas cidades, marca(rá), como nunca antes, um diferente farfalhar da norma constitucional, ao ser içado o art.º 129.º da Constituição pela bancada parlamentar da UNITA.

“O processo de destituição do Presidente da República, que nos trouxe hoje até aqui, diz respeito a todos os angolanos e congrega as atenções de todos quantos esperam de Angola, sua Pátria, a sua realização, o seu crescimento, a sua estabilidade, o seu desenvolvimento, o sonho e a concretização de um país bom para se viver”, justificou Adalberto da Costa Júnior.

A maioria dos comentadores e bajuladores estão concentrados num único artigo, quando deveriam descortinar o verdadeiro alcance da acção dos homens do Muangai.

Os artigos conjugados visam cunhar o futuro político de João Lourenço, com inelegibilidade e imputabilidade criminal por acção e omissão.

Este é o grande nó górdio da equação, que passa ao largo da turma “jusbajulant” (jurídica-bajuladora), que se distrai alimentando apenas a arruaça da norma.

Isto porque o MPLA, depois desta erupção (16.08.23), não deveria persistir na opção minhoca de analisar os fenómenos, por correr sérios riscos de ser engolido, pelas lavas do próprio vulcão…

O refrão “camarada Presidente não será destituído” de Virgílio Fontes Pereira é tão nanico que espanta, pois ele tem ciência, inexistir, neste momento, qualquer possibilidade de reversão da iniciativa processual de destituição do Presidente da República, manifestada pela UNITA ou seja, futebolisticamente falando, ela já ganhou o jogo da meia-final.

Quanto à partida da final, são contas de outros rosários, porque a velocidade das labaredas e do dióxido de enxofre, que paira no ar, abala corrosivamente, não só a pretensão do proponente, que tem ciência, estarem, magistrados e Tribunais Constitucional e Supremo, ideologicamente minados, mas, também, e principalmente, o sonho bizarro do regime se “seculizar” no poder.

É hora dos dirigentes do MPLA tirarem as devidas ilações, sobre as causas da derrocada, nestes seis anos, avaliando com frontalidade, o baixo desempenho da liderança.

João Lourenço está a pagar pelos próprios erros, logo tem de se queixar de si mesmo e da sua equipa, porque a estratégia de, rapidamente, apagar a imagem do antecessor e consolidar o poder, na sociedade e MPLA, destilando o medo, terror e ameaças de prisão a “camaradas” de partido, a perseguição ao pai político-presidencial, José Eduardo dos Santos, filhos e próximos, foi o maior erro de marketing.

O casting a bebés políticos, atolados a um “fraldismo” mental, tornou o MPLA numa central de pedofilia ideológica ao alcandorar para órgãos superiores (comité central) do partido, menininhas de 18 anos. O que terá ela consentido, em fases anteriores, para merecer tal feito, no início da maioridade constitucional?

Este exército de politicozinhos mirins, autênticos “jobs for boys” e “yes boss”, caminham atrelados a uma gritante inexperiência e obsessão pelo poder: “agora é a nossa vez”…. Epítetos como marimbondos, corruptos, gatunos, passaram a ser, pela constância no poder, desde 1975, símbolos causadores de danos irreparáveis, a própria imagem e bandeira do MPLA.

A UNITA, ante o cenário dantesco, sub-repticiamente, foi aprimorando o estudo aos instrumentos constitucionais e jurídicos, exclusivamente aprovados, pelos “camaradas”, para nas querelas políticas, disparar “bombas” legais.

O MORTÍFERO RIP CONSTITUCIONAL

O 129 é a RIP da UNITA contra João Lourenço, que significa “Radically Invasive Projectile” (Projéctil Radicalmente Invasivo), e é a munição mais letal do mundo, sendo, igualmente, um trocadilho com a sigla de “Rest In Peace” (Descanse em Paz), expressão comum em inglês.

O objectivo é a expansão dos danos colaterais, uma espécie de nódoa causada pelas gotas de caju, que jamais sairá do fato de João Lourenço, não só pela imputabilidade, como pelo ineditismo.

A responsabilidade criminal é o objectivo, no pendurar das “chuteiras presidenciais” (2027), para responder, em juízo, antes do fim do quinquénio das imunidades (2032) consagrada no n.º 3 do art.º 127.º da CRA, se o regime sucessor, optar pelo mesmo “modus operandi”, que João Lourenço utilizou contra José Eduardo dos Santos e próximos.

Outro cobertor constitucional a ser chamado na esquina do vento, por omissão e acção praticada no exercício de funções, “de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para o titular destes ou para terceiros”, é o art.º 75.º (Responsabilidade do Estado e de outras pessoas colectivas públicas).

O acto musculado de 30 de Janeiro de 2021, no Kafunfu, Lunda-Norte, onde a Polícia Nacional e FAA foram acusadas de ter assassinado mais de 158 cidadãos inocentes e desarmados, sem condenação do feito, por parte do Titular do Poder Executivo, colide com o art.º 59.º (Proibição de pena de morte), conjugado com o art.º 61.º (Crimes hediondos e violentos): “São imprescritíveis e insusceptíveis de amnistia e liberdade provisória, mediante a aplicação de medidas de coacção processual:

a) O genocídio e os crimes contra a humanidade previstos na lei;
b) Os crimes como tal previstos na lei”.

Tendo em conta o conceito de genocídio, temos aqui levantada a intimidade da âncora do art.º 127.º (Responsabilidade criminal): “1. O Presidente da República não é responsável pelos actos praticados no exercício das suas funções, salvo em caso de suborno, traição à Pátria e prática de crimes definidos pela presente Constituição como imprescritíveis e insusceptíveis de amnistia”.

O volume elevado de contratação simplificada, mais de 60%, marginal a Lei dos Concursos públicos, inclusive, denunciada pela ministra das Finanças, auxiliar do próprio Titular do Poder Executivo, poderá, alojar-se no preceito suborno, principalmente, se tratando de PPE (Pessoas Politicamente Expostas).

Elementos objectivos, susceptíveis de blindar o argumentário jurídico geral do proponente da destituição, no domínio de provas criminais, emergirão ante a acção dolosa dos agentes públicos (Polícia/FAA), ao praticarem a pena de morte, não consagrada constitucionalmente, agravada por não ter tolhido a indignação e condenação do Presidente da República, para o afastar destes ilícitos.

Artigo 59.º
(Proibição da Pena de morte)

Outrossim a incitação a violência pelo ministro do Interior, Eugénio Laborinho, incitando a violência de que resultou vários assassinatos por parte dos seus subordinados, com a frase: “A polícia não está aqui para distribuir rebuçados e chocolates”, autentica avenida de cometimentos de ilícitos em contravenção a alª a) do n.º 3 do art.º 36.º CRA: “O direito de não ser sujeito a quaisquer formas de violência por entidades públicas e privadas”. Nunca houve manifestação condenatória desta incitação. Daí, que deve ser analisado o olhar futuro de Adalberto da Costa Júnior: “Como está visto, é um processo em que já conquistámos o essencial para o seu despoletamento. Como diria Jean Jacques Rousseau, “já conquistamos o mínimo de consenso de corações e até de vontades e argumentos para levar adiante esta demanda de destituição do Presidente da República, realizada a expensas do Grupo Parlamentar da UNITA em nome da Frente Patriótica Unida”, disse Adalberto da Costa Júnior.

A linha divisória de uma escapatória e polimento de imagem é muito ténue, logo deveria, João Lourenço afastar-se, quanto antes da vil bufonaria, calcinada no grupo parlamentar do MPLA e centrar-se numa higiénica e aprumada defesa, assente nos marcos dos Direito Criminal e Constitucional, de que tanto precisa(rá) num futuro próximo.

E Adalberto da Costa Júnior deixa um alerta: “Nas condições de Angola, em que o Chefe de Estado detém poderes excessivos, estas prerrogativas estimulam-no à violação da Lei. Na verdade, o Presidente da República, apesar de ser o mais alto magistrado da nação, é também um cidadão como os demais. Infelizmente, muitas vezes os governantes esquecem-se deste facto e usam da arrogância, da prepotência, instrumentalizam as instituições em proveito próprio, perseguem adversários e quase sempre tarde demais descobrem que o poder é efémero e mais dia, menos dia, todos retornam à sua condição de cidadãos comuns! Este facto apavora muito governante e está na base das posturas discricionárias que muitos abraçam, está na base da negação do Estado democrático e de direito, na razão da censura aos adversários, está na razão do controlo e subversão do poder judicial, entre tantas outras práticas comuns na nossa Angola, sempre com o intuito de alongar o exercício do poder político”.

Como está, não é uma decisão muito tranquila, os autores políticos devem ponderar bem as questões de mérito a discutir. Há matérias constitucionais e políticas que têm que ser aprofundadas, com toda a sociedade de forma aberta e transparente, mas o Titular do Poder Executivo e o MPLA olham de soslaio, quando são um imperativo. Quem edita hoje a maioria das leis é o poder executivo, quando deveria ser o poder legislativo!

A maioria dos 20 milhões de pobres tem muita pressa de ver o País, imaterialmente independente. Essa é a urgência para o resgate da soberania económica e implantação de uma verdadeira reforma agrária capaz de retirar o país do mapa da fome e miséria, com uma nova Constituição consagradora de órgãos de soberania independentes e fortes, uma justiça apartidária e distante de qualquer executivo.

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