HAJA PACIÊNCIA COM TANTA HIPOCRISIA

O ministro das Relações Exteriores angolano, Téte António, considerou hoje histórica (em Angola tudo é histórico) a reunião ministerial para a Cimeira Quadripartida de chefes de Estado e de Governo, na terça-feira, em Luanda, para resolução do conflito no leste da República Democrática do Congo (RD Congo).

Falando na abertura da sessão de trabalhos preparatória para a Cimeira Quadripartida de Luanda, Téte António classificou como histórico o encontro por juntar quatro comunidades e mecanismos regionais, sob os auspícios da União Africana e participação das Nações Unidas.

A Cimeira Quadripartida da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC), Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL) e um organismo das Nações Unidas está agendada para terça-feira.

Assuntos transversais sobre o continente africano, sobretudo o conflito no leste da RD Congo, devem dominar os trabalhos neste encontro de Luanda.

Segundo o governante angolano, citado em comunicado do órgão que tutela, a presença de individualidades dos organismos em Luanda reflecte o significado que a paz, a segurança e a estabilidade política na região dos grandes lagos tem para cada uma das organizações.

Um relatório dos peritos sobre o Plano Director Conjunto e Consolidado do Grupo de Coordenação Multinível e o projecto do comunicado da cimeira também estiveram em apreciação na reunião ministerial.

A Cimeira Quadripartida visa ainda “reforçar a coordenação e a harmonização dos engajamentos com que cada uma dessas organizações tem vindo a contribuir para a pacificação na região, evitando-se duplicação de esforços e optimizando as iniciativas e recursos”.

E a RD Congo aqui tão perto

Já em 2017 (18 de Maio), o MPLA lamentava que alguns sucessos alcançados na conquista da paz para a República Democrática do Congo estivessem a ser “sacrificados”, com o conflito armado naquele país.

A preocupação foi realçada pelo então secretário-geral do MPLA, António Paulo Cassoma, no discurso de abertura do encontro que juntou na capital angolana os seus homólogos dos antigos movimentos de libertação nacional da África Austral, de Moçambique, África do Sul, Namíbia, Zimbabué e Tanzânia.

António Paulo Cassoma referiu que a reunião aconteceu num contexto regional marcado por alguns focos de tensão, augurando que os sinais de entendimento e de paz em Moçambique “sejam consolidados”, igualmente desejando “o resgate da estabilidade política na África do Sul”.

Relativamente à RD Congo, o dirigente do MPLA disse que Angola assistia com “grande preocupação ao recrudescimento de um conflito militar, que ao longo dos anos já provocou a perda de milhares de vidas humanas e obrigou que alguns dos seus cidadãos se colocassem na condição de refugiados que abandonam as suas zonas de origem para os países vizinhos em defesa das suas vidas”.

“A paz para a nossa sub-região continuará a estar no centro das nossas agendas e é neste sentido que se dirigem os esforços do Presidente José Eduardo dos Santos, na sua qualidade de presidente da Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos”, referiu na altura.

Lamentou também que “alguns sucessos alcançados neste âmbito no passado, estão a ser sacrificados por força desses conflitos que assentam numa base étnica e tribal”.

“O nosso Presidente, o presidente do MPLA e da República, está determinado em prosseguir com os esforços colectivos, em coordenação com os demais chefes de Estado da sub-região, para que se alcance a paz duradoura que o povo congolês e de outros povos da sub-região que dela necessitam e merecem”, disse António Paulo Cassoma.

Participaram nesse encontro os secretários-gerais da FRELIMO (Moçambique), do ANC (África do Sul), da SWAPO (Namíbia), da ZANU-PF (Zimbabué) e da Chama Cha Mapinduzi (Tanzânia).

E a outra face da tragédia?

Recorde-se que, em Novembro de 2016, o ministro das Relações Exteriores de Angola reiterou o claro, inequívoco e musculado empenho do Governo angolano no apoio à República Democrática do Congo (RD Congo) para resolver o conflito político que se prolongava há vários meses.

“Pensamos que tem que haver o fim da crise na RD Congo, que passa pelo respeito da Constituição tanto pelos diferentes partidos da oposição como pelo Governo”, disse então Georges Chikoti à margem de um encontro que manteve com a missão do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que se deslocou a Angola, proveniente de Kinshasa, onde permaneceu durante dois dias para ouvir as partes envolvidas no conflito.

Foi fácil dizer aos outros para olharem para o que diziam e não para o que faziam. Em Angola o MPLA, o Governo e o Presidente da República (José Eduardo dos Santos, nunca nominalmente eleito, esteve 38 anos no poder) não cumprem a Constituição, mas exigem que o vizinho – sobretudo a oposição – a cumpra. É preciso muito descaramento.

De acordo com Georges Chikoti, os membros do Conselho de Segurança da ONU visitaram Angola como sinal de reconhecimento do papel que o país representava na região, sendo um dos vizinhos mais próximos e mais importantes da RD Congo, com uma fronteira comum de cerca de 2.000 quilómetros.

O chefe da diplomacia angolana frisou que Angola, como membro da comunidade internacional (quem diria!), pensava que é necessário que o Conselho de Segurança da ONU assuma o papel de trabalhar em coordenação com a região, com a RD Congo, para que possa ajudar este país amigo e servil ao regime de Luanda.

“Um papel em que o Conselho de Segurança de facto jogue o seu papel, assuma as suas responsabilidades com a região, com a comunidade internacional para ajudarmos a RD Congo na base daquilo que são os entendimentos que a oposição e o Governo estão a tentar propor”, disse Georges Chikoti.

Angola no âmbito da presidência da CIRGL (Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos) tem-se engajado para encontrar soluções pacíficas para resolução de conflitos políticos na RD Congo e que, é claro, mantendo na altura no poder o seu servil amigo Joseph Kabila.

O “diálogo nacional” na RD Congo, onde não participou a oposição, deu “luz verde” a 17 de Outubro de 2016 ao acordo para adiar as eleições presidenciais para 29 Abril de 2018, após várias semanas de contestação na rua.

Dir-se-ia que foi um “diálogo nacional” atípico. Melhor, foi (como outros) um monólogo feito à medida e por medida para que Joseph Kabila se mantivesse no poder e fizesse tudo o que sua majestade o então rei de Angola mandasse.

Os mais optimistas e aliados de Luanda disseram na altura que o acordo pretendia manter no cargo o Presidente do país, Joseph Kabila, cujo mandato terminou a 19 de Dezembro de 2016 e que a Constituição proibia de se recandidatar. Na verdade, o acordo unilateral visava exclusivamente manter Kabila no poder.

Esse acordo atípico, ou familiar, previa a criação de um novo Governo, com o posto de primeiro-ministro a ser entregue a uma pessoa da catalogada e pré-fabricada da oposição, mas foi considerado bastante frágil porque o principal grupo da oposição boicotou as negociações.

Na guerra civil na RD Congo, entre 1998 e 2002, Angola e o Zimbabué enviaram tropas para aquele país para apoiar o regime do então Presidente, Laurent Désiré Kabila, pai de Joseph Kabila, que foi assassinado em Janeiro de 2001, contra os rebeldes, apoiados pelo Ruanda, Uganda e Burundi.

Opositores de Kabila presos em Luanda

Recorde-se igualmente, como o Folha 8 noticiou, que o regime angolano prendeu no dia 23 de Outubro de 2016 um grupo de mais de uma dezena de cidadãos da República Democrática do Congo, que se reunia no bairro Palanca, em Luanda, e que pretendia protestar contra a permanência de Joseph Kabila na presidência ou no governo de transição.

No dia 23 de Outubro de 2016, dia em que planeavam fazer acertos finais para o protesto, o grupo foi surpreendido e detido por elementos da Polícia Nacional do MPLA e dos Serviços de Investigação Criminal (SIC).

Planeavam manifestar-se no dia da 7ª reunião de Alto Nível do Mecanismo Regional de Supervisão do Acordo Quadro para a Paz, Segurança e Cooperação na República Democrática do Congo (RD Congo) e na Região dos Grandes Lagos, realizada no Centro de Convenções do Talatona, em Luanda.

O grupo dos cidadãos congoleses-democratas pretendiam demonstrar a sua insatisfação diante dos presidentes que participaram na 7ª reunião, nomeadamente: o anfitrião José Eduardo dos Santos, da RDC, Joseph Kabila, do Congo, Denis Sassou Nguesso, da Zâmbia, Edgar Lungu, do Tchad, Idriss Deby, na qualidade de presidente em exercício da União África.

Marcaram também presença, a Presidente da Comissão da União Africana, Nkosazana Zuma, o enviado do secretário-geral da ONU para a região dos Grandes Lagos, Said Djinnit, e representantes de países membros do Conselho de Segurança da ONU.

A maior exigência dos partidos políticos da oposição da RD Congo era a não participação do presidente Joseph Kabila nas próximas eleições, sendo que o mesmo já cumpriu com os dois mandatos presidenciais garantidos pela Constituição daquele país.

Folha 8 com Lusa

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