A UNITA, o maior partido da oposição que o MPLA (ainda) permite em Angola, apelou hoje a taxistas e mototaxistas descontentes com o aumento da gasolina que se abstenham da violência e pediu um inquérito parlamentar aos confrontos no Huambo que causaram pelo menos cinco mortos. Como sempre, uma posição politicamente correcta. No terreno, os trabalhadores deste sector lamentam o aumento “precipitado”.
A posição do grupo parlamentar da UNITA sobre os dramáticos incidentes ocorridos nas cidades do Huambo e Lubango, nos dias 5 e 6 de Junho, foi hoje expressa pelo líder da bancada, Liberty Chiaka, em Luanda.
O líder parlamentar criticou a retirada “intempestiva” dos subsídios à gasolina – medida cuja ignorância social do MPLA levou a que fosse anunciada no dia 1 de Junho para entrar em vigor menos de 24 horas depois – considerando que a decisão não é de interesse público e que não foi racional, questionando os critérios do governo.
A UNITA considera que o governo “tem estado a reagir mal e a comunicado pior”, acusando-o de estar “sequestrado por interesses de grupos devidamente instalados e sem sensibilidade humana”. E, é claro, estribado na sua tese de que a razão da força (polícia a atacar e a matar) é mais do que suficiente para arrasar a força da razão.
A subida do preço da gasolina (de 160 para 300 kwanzas) levou à revolta de taxistas e mototaxistas em várias provinciais, já que, apesar de serem abrangidos por isenções, não dispõem ainda, na sua larga maioria, dos cartões que lhes permitem usufruir do benefício.
No Huambo, pelo menos cinco pessoas morreram, segundo a polícia (fontes locais dão conta de oito mortos) e dezenas ficaram feridas ou detidas.
Também no Lubango (Huíla), os taxistas decidiram paralisar a actividade, tendo sido queimado um autocarro e detidas mais de 50 pessoas.
A UNITA vai propor ao Plenário da Assembleia Nacional, a 22 de Junho, “com carácter urgente”, a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as circunstâncias dos “graves incidentes” do Huambo e Lubango.
“A Assembleia Nacional deverá apurar, independentemente do inquérito policial, de quem partiu a ordem para atirar a matar contra cidadãos, que o Estado devia proteger e determinar com verdade a amplitude e profundidade dos graves incidentes, com mortes e destruição de bens. Depois do inquérito policial e da CPI as autoridades do Estado e afins deverão retirar consequências políticas”, defende o maior partido da oposição angolana.
Para a UNITA, “os angolanos não podem morrer por causa da incapacidade do governo, da insensibilidade humana e por causa dos interesses de grupos”, sendo as “faltas de diálogo e ponderação” associadas às situações de constantes violações da Constituição e da lei.
O Grupo Parlamentar da UNITA apela, por fim, aos cidadãos, em especial aos taxistas e mototaxistas, para se a absterem da violência. “A violência gera violência e pode legitimar quem não tem razão, quem não sabe governar”, conclui o maior partido da tal oposição que confunde servilismo com civismo e fome com violência.
Aumento “precipitado” do combustível
Enquanto isso, taxistas e mototaxistas em Luanda dizem que a especulação do preço das viagens será inevitável devido a subida de quase 100% da gasolina, queixam-se de “burocracia” no acesso aos cartões subvencionados e lamentam a medida precipitada do Governo. O cenário de lamentações em consequência da subida do preço da gasolina foram relatados pelos operadores de táxi, alguns dos assumindo não terem os veículos em situação legal.
Além das tradicionais viaturas que exercem o serviço de táxi na capital angolana, os conhecidos “azuis e brancos”, as motos, de duas ou três rodas, também concorrem em pé de igualdade no transporte de passageiros de e para vários destinos, maioritariamente nas zonas periféricas.
É uma medida precipitada das autoridades e que concorre para a especulação do preço “da corrida”, relataram estes operadores, que exortam o Governo a recuar, alegando que a decisão penaliza sobretudo as pessoas de baixos rendimentos.
“Muito mal mesmo, muito mal (o nosso dia-a-dia), desde que o combustível subiu as coisas estão muito mal, o táxi também está difícil, a polícia está toda a hora atrás dos motoqueiros, então tudo mesmo está mal para nós, a vida está mais difícil”, disse o mototaxista David Armando.
É na zona da Estalagem, município de Viana, onde David Armando, de 35 anos, encontra o seu ganha-pão, conduzindo uma motorizada. Mas por não estar licenciado não tem acesso ao cartão subvencionado e por isso gasta mais no combustível e “penaliza” os passageiros.
De acordo com o ministro de Estado para a Coordenação Económica de Angola, Manuel Nunes Júnior, hoje exonerado, as tarifas dos taxistas e mototaxistas vão ser subvencionadas, continuando os mesmos a pagar 160 kwanzas o litro de gasolina, cobrindo o Estado a diferença.
Um dos requisitos para o acesso aos cartões subvencionados é o licenciamento do veículo, mas muitos operadores reconheceram não estarem licenciados, queixando-se de alegadas burocracias no processo.
No seio dos mototaxistas apenas alguns têm licença, enquanto outros estão a tratar, como disse Alberto Filipe Kiala, 28 anos, assumindo que está a comprar a gasolina a 300 kwanzas/litro.
“Está a dificultar muito, os passageiros também estão a reclamar, se damos preço de 300 kwanzas (por corrida) eles vão reclamar, estamos a cobrar 200 kwanzas, mas às vezes damos 300 kwanzas”, realçou Alberto Kiala.
Exercendo esta actividade há três anos, disse também que, tal como ele, muitos dos seus colegas, que operam na zona da Estalagem, não têm possibilidade de tratar do cartão subsidiado.
“Por vezes podes meter gasolina de 300 kwanzas e não se consegue fazer nada (…). E estamos a sofrer muito e agora queremos que o Estado nos ajude, que baixem pelo menos o preço da gasolina, estamos a passar dificuldades, temos famílias e os nossos filhos vão morrer com fome”, afirmou.
Lamentos que foram também exteriorizados pelo mototaxista Fernando Augusto Jamba, 27 anos, dando conta que devido à subida do combustível deixou de ser “gentil”, sobretudo com os alunos a quem anteriormente cobrava 100 kwanzas (0,15 euros) por corrida.
Com o combustível a 300 kwanzas, “nós não conseguimos os ajudar, então, acho que o Governo tem de pensar pela população, porque todas as coisas só funcionam com o combustível”, notou.
Sem estar licenciado para a actividade que exerce há 14 anos, Jamba disse existir uma fila enorme de motoqueiros, que mesmo com licença, estão ansiosos para obterem os cartões e por isso, muitos, alteraram já a corrida para 200 kwanzas (0,30 euros) contra os oficiais 150 kwanzas (0,22 euros).
Na conhecida paragem dos Congolenses, avenida Deolinda Rodrigues, distrito urbano do Rangel, os taxistas Jorge Manuel Teixeira e Miguel José da Cruz, que ao volante dos “azuis e brancos”, disserem em uníssono que o encurtamento de rotas e especulações serão inevitáveis.
“Rotas encurtadas não vão parar”, disse Jorge, taxista há oito anos, dando conta que continua a pagar 300 kwanzas/litro por o processo de licenciamento estar ainda a ser realizado pela ANATA — Associação Nova Aliança dos Taxistas de Angola.
Acredita, no entanto, que será ressarcido pelo Estado, tão logo tenha a licença e consiga o cartão subvencionado, por estar a guardar as facturas de abastecimento referindo ter garantias de que terá mensalmente um carregamento de 160 mil kwanzas (243 euros).
Miguel José da Cruz admite especulação dos preços da corrida: “O combustível subiu e o táxi não subiu e há necessidade subir o preço, porque o combustível subiu 100% e não há bolso que resista e quem sofre com isso é a população”.
Para este taxista, a medida do Governo deveria ser antecedida de um cadastramento de todos os operadores do sector, dando conta que situação tem reflexos negativos, não só para os passageiros, mas também para os taxistas.
“Está a ser muito difícil, muitos só não estão a ficar em casa por uma questão de necessidade, se não a coisa está mesmo dura”, lamentou, dando conta ainda que os cartões subvencionados “estão difíceis”.
Os cartões (subvencionados) “estão mesmo difíceis, ontem disseram que dariam hoje, mas não deram, e isso pode provocar uma grande confusão se o Governo não tomar a peito essa situação”, frisou.
Folha 8 com Lusa