A taxa de prevalência de contraceptivos modernos em Angola é de 12,5%, uma das mais baixas da região austral, e 38% das mulheres casadas têm uma necessidade não satisfeita de planeamento familiar, disse hoje fonte das Nações Unidas.
E ste dado foi hoje realçado pelo representante em Angola do Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP), Mady Biaye, quando discursava na abertura de uma sessão de apresentação do Relatório sobre a População Mundial 2023, que assinalou o Dia Mundial da População.
Mady Biaye sublinhou que, em Angola, 51% da população, estimada em cerca de 36 milhões de habitantes, é do sexo feminino e cerca de 38% dos agregados familiares são chefiados por mulheres.
Segundo o representante do FNUAP em Angola, reduzir até 2023 para metade (19%) as necessidades não satisfeitas de planeamento familiar de mulheres casadas evitaria anualmente cerca de 1.300 mortes maternas, 99.000 abortos inseguros e 517.000 gravidezes indesejadas.
“Além disso, o custo total desse investimento de 19 milhões de dólares (17,5 milhões de euros) por ano traria um benefício económico de 162 milhões de dólares (149,7 milhões de euros) por ano, ou seja, 8,4 vezes o retorno do investimento”, sublinhou o responsável.
O relatório indica que em Angola, a taxa de fecundidade é de 6,2 filhos por mulher, sendo que este número sobe para 8,2 filhos nas zonas rurais, frisando também que 35% das adolescentes entre os 15 e 19 anos já tiveram uma gravidez.
O representante do FNUAP em Angola destacou que a promoção da igualdade de género é uma solução transversal para muitos problemas populacionais e em países com um rápido crescimento populacional, como o caso de Angola, com uma taxa de crescimento actual de 3%, a capacitação das mulheres através da educação e do planeamento familiar pode trazer enormes benefícios do capital humano e do crescimento económico inclusivo.
De acordo com Mady Biaye, e como não poderia deixar de ser, Angola fez progressos consideráveis em termos de empoderamento das mulheres e de igualdade de género.
“No entanto, acelerar o avanço da igualdade de género – através do acesso à saúde sexual e reprodutiva e direitos reprodutivos, melhor educação, políticas laborais adequadas e normas equitativas no local de trabalho e em casa – resultará em famílias mais saudáveis, uma economia mais forte e uma sociedade resiliente”, disse.
Os dados do relatório revelam que existem em Angola aproximadamente dez milhões de meninas e mulheres em idade reprodutiva e que a taxa de mortalidade relacionada com a gravidez é de 239 mortes por 100 mil nados vivos.
“Quase quatro em cada dez mulheres casadas (38%) têm as suas necessidades não atendidas por planeamento familiar”, sublinha-se no relatório sobre as ofertas de métodos contraceptivos.
Em Angola, 60% das mulheres são alfabetizadas comparativamente com 84% dos homens, sendo que 75% das meninas frequentam a escola primária, caindo esta proporção para 15,5% no ensino secundário, altura que coincide com a idade da primeira menstruação.
No que se refere à violência sexual, o documento ressalta que 8% das angolanas com idades entre 15 e 49 anos pelo menos uma vez já foi vítima deste crime e que quase um terço (32%) das mulheres desta faixa etária sofreu violência física desde os 15 anos.
QUANTO MAIS POBRES… MAIS FILHOS
Angola, a par da Nigéria, ocupa a quarta posição entre os países com maior taxa de fertilidade a nível mundial, segundo um relatório das Nações Unidas que estima que este ano a população angolana atingirá os 36,7 milhões de pessoas.
O relatório do Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP) incide sobre indicadores demográficos e saúde reprodutiva e sexual em duas centenas de países e regiões, prevendo que a população mundial ultrapasse em 2023 os oito mil milhões de pessoas.
Segundo o mesmo documento, dois terços da população mundial vivem em regiões onde as taxas de fertilidade desceram abaixo do chamado nível de substituição de 2,1 nascimentos por mulher, sendo a média mundial de 2,3.
No entanto esta tendência é contrariada pelos países africanos que estão nos lugares cimeiros da fertilidade, com destaque para o Níger, que encabela a lista com 6,7 nascimentos por mulher.
Seguem-se, com 6,1, a Somália, a República Democrática do Congo e o Chade, empatados em segundo lugar, a República Centro-Africana e o Mali em terceiro, com 5,8 nascimentos por mulher e Angola e Nigéria na quarta posição.
Angola tem também uma elevada percentagem de população jovem, com 45% da população com idades entre 0 e 14 anos (25% a nível mundial), enquanto apenas 3% dos angolanos têm mais de 65 anos (10% na média mundial).
O relatório avalia também a velocidade a que duplica a população, o que no caso de Angola acontecerá a cada 23 anos (76 a nível mundial).
No que diz respeito à saúde sexual e reprodutiva, os indicadores da ONU apontam para uma baixa prevalência do uso de anticoncepcionais em 2023 entre as mulheres entre os 15 e 49 anos: 17% face à média mundial de 50%.
No entanto, no que diz respeito às leis e regulamento que garantem o acesso a cuidados de saúde sexual e reprodutiva Angola está em linha com a média mundial (62% e 76%, respectivamente), mas bastante abaixo dos índices de cobertura dos serviços de saúde (39 face a 68%).
Crianças alguma vez conseguirão ser gente?
Pelo menos cinco mil crianças foram vítimas de violência em Angola, de Janeiro a Outubro de 2019, com Luanda a liderar os casos, revelou em Dezembro de 2019 fonte oficial, manifestando preocupação com a existência de “menores envolvidas na prostituição”. As crianças são gente? Às vezes, vezes a mais, parece que não.
“Os dados que existem não são só de crianças, são de mulheres envolvidas e que no meio dessas senhoras há crianças, há menores. As menores envolvidas na prostituição existem e a situação é preocupante”, afirmou na altura o director geral do Instituto Nacional da Criança (INAC) angolano, Paulo Kalesi.
Sem quantificar, o responsável deu conta que casos de crianças envolvidas na prostituição foram registados no distrito urbano do Zango, município de Viana, em Luanda, afirmando que na globalidade as “estatísticas de violência contra a criança aumentaram”.
Segundo explicou, “só em 2018 havia registo de 4.000 casos, agora só de Janeiro a Outubro de 2019 são já 5.000 casos” com Luanda com o maior registo seguida pelas províncias de Benguela, Huíla, Huambo e Cabinda.
Fuga à paternidade, abusos sexuais, queimaduras nos membros superiores ou inferiores, consumo de bebidas alcoólicas e inclusive mortes constam das tipificações de violência contra à criança em Angola, cenário que preocupa autoridades e sociedade civil.
Segundo Paulo Kalesi, para dar resposta aos casos, o INAC tinha já elaborado um programa denominado Fluxograma de Resposta de Casos de Violência contra a Criança para “uniformizar os procedimentos para poder atender situações concretas que põem em causa o bem-estar da criança”.
“A nível dos municípios já há estruturas com esse fim e é nessa perspectiva que diria que há um acompanhamento permanente, e por isso é que esses casos vêm à tona”, adiantou.
Apenas 25% das crianças angolanas com menos de cinco anos são registadas pelos pais, motivo que levou o Governo do MPLA (em boa verdade desde há 48 anos que Angola só tem governos do MPLA) a lançar uma campanha de incentivo ao registo de nascimento no país. Como se trata de um país pobre (embora tenha o maior número de ricos por metro quadrado), era bom que a comunidade internacional desse mais e mais ajudinhas…
A campanha, denominada “Paternidade Responsável, Eu Apoio“, encabeçada pelo Ministério da Justiça e Direitos Humanos, com o apoio, obviamente financeiro, da União Europeia (UE) e técnico do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) visava fazer frente ao grande número de crianças no país sem registo de nascimento.
No final de 2018, o então titular da pasta da Justiça e Direitos Humanos de Angola, Francisco Queiroz, disse que um estudo realizado com o apoio do Unicef dava conta de que poucos pais compareceram nos postos de registo das maternidades para fazerem o registo de nascimento dos filhos, “deixando as mães numa situação de abandono com os filhos nas mãos“.
“Em consequência disso, muitas mães optam por não registarem os filhos sem a presença do pai, porque é uma questão cultural também, por sentirem que incorrem em desobediência ao parceiro, caso façam o registo sozinhas”, referiu o ministro.
A pesquisa foi realizada em 70 maternidades do país e os dados apontam que “poderia haver talvez o triplo de registos, se os pais estivessem presentes”, salientou o ministro.
Francisco Queiroz disse que as estatísticas indicavam que, desde a abertura dos postos de registos nas maternidades, a 7 de Julho de 2017, foram registados apenas 128 mil menores, “um número ínfimo para o universo de crianças que nasce todos os anos e para o grande grau de fertilidade que a população apresenta”. “Esperamos com esta campanha influenciar positivamente para uma mudança de atitude, no sentido de os pais respeitarem os direitos dos seus filhos”, disse o governante angolano, apelando à participação de toda a sociedade.
O estudo realizado no âmbito do “Programa Nascer com o Registo” mostrou que a fuga à paternidade é uma das causas do baixo número de crianças registadas.
E as crianças escravas?
Para erradicação do trabalho infantil em Angola os ministérios do Trabalho e da Acção Social fazem o que tem sido o diapasão da governação de João Lourenço e do MPLA: elaboram planos de acção. As acções propriamente ditas ficam em lista de espera. Tem sido assim, reconheça-se, ao longo das últimas décadas.
Assim tivemos um Plano de Acção Nacional (PANETI 2018-2022), que visava a tomada de medidas que facilitam a tarefa dos diferentes agentes na aplicação prática dos direitos da criança.
O PANETI foi apresentado em Luanda durante um fórum sobre o lema “Não ao trabalho infantil: criança protegida segura e saudável” no âmbito do dia Internacional do Combate ao Trabalho Infantil.
O projecto previa aumentar o acesso à educação e programas de formação profissional, apropriados para crianças, assim como mapear as zonas e os tipos de trabalho infantil em todo país.
Ao intervir no encontro, o secretário de Estado do Trabalho e Segurança Social, Jesus Moreira, considerou o trabalho infantil como um fenómeno que deforma a criança, para além de não proporcionar condições para escapar da situação de penúria e privação na vida pessoal, familiar e social.
O responsável apontou ainda a pobreza (chaga que o MPLA ainda não conseguiu debelar nos últimos 48 anos) como uma das principais razões que tem levado as crianças ao trabalho infantil, assim sendo defende o esforço ao combate e a luta contra a pobreza no país.
Prevê-se, assim, que os 20 milhões de pobres passem também a alimentar-se dos planos do governo, eventualmente tendo como conduto mandioca, farelo ou peixe… podre.
Folha 8 com Lusa