CONSTITUIÇÃO PRECISA  DE UMA VERDADEIRA REVOLUÇÃO

A Constituição de Angola de 2010, faz aniversário, neste Fevereiro: 13 anos! Ironia do destino, ela atingiu o pico da banalização e vulgarização, pelo próprio progenitor. A CRA não é, aos olhos do cidadão, um texto confiável, uma bíblia, uma bússola inspiradora e indicadora do caminho da liberdade, justiça e democracia. Ela é o baú da discriminação e da exclusão dos direitos mais sublimes da cidadania.

Por William Tonet

O actual texto constitucional, infelizmente, é um hino à mais abjecta partidocracia jurídica, ao persistir nos tentáculos da discriminação, raiva, ódio e complexo de assimilados, presentes no baú inspirador: Lei Constitucional de 10 de Novembro de 1975, aprovada exclusivamente pelo comité central do MPLA e promulgada pelo presidente do partido.

Masoquistamente, alguns juristas do MPLA converteram-no, numa espécie de força assassina da teoria dos três poderes, nascida no século XVII, na Inglaterra com o “rule of law” e desenvolvida de forma republicana, no século XVIII, por Charles – Louis de Secondat, vulgo barão de Montesquieu, ao defender a separação, independência e interdependência dos poderes.

Em 1975, em Angola o partido governante colocou-se, na condição de quarto poder (órgão de soberania), vide o artigo abaixo da Lei Constitucional de 10 de Novembro de 1975:

Artigoº 35.º
“Enquanto não se verificar a total libertação do território nacional e não estiverem preenchidas as condições para a instituição da Assembleia do Povo, o órgão supremo do poder do Estado é o Conselho da Revolução”.

E quem eram os integrantes deste órgão (Conselho da Revolução), estará a perguntar o leitor e bem?

Artigo.º 36.º
O Conselho da Revolução é constituído:

“a) Pelos membros do Bureau Político do MPLA;
b) Pelos membros do Estado-Maior Geral das FAPLA;
c) Pelos membros do Governo designados para o efeito pelo MPLA;
d) Pelos Comissários Provinciais;
e) Pelos Chefes dos Estados-Maiores e Comissários Políticos das Frentes Militares.”

Para se entender os absurdos da Constituição de 2010, temos de rememorar, sempre, a sua maternidade, cuja incubadora; art.º 31.º LC: “O Presidente da República Popular de Angola é o Presidente do MPLA”.

Até os mais incautos se aperceberam, da radical mudança comportamental de João Manuel Gonçalves Lourenço, quando em 2017 assumiu a Presidência da República, era um político com um discurso conciliador, amigo dos seus camaradas e dos da oposição, defensor das liberdades e democracia. Aos 8 de Setembro de 2018, quando recebeu o bastão do MPLA corporizou, rapidamente, a lógica de 1975, invertendo a pirâmide, colocando no topo a ditadura, intolerância, raiva e ódio e a democracia, liberdades e reconciliação no chão.

Esta é a natureza! Esta é a perversão! É difícil, e não acredito, assumidamente, que uma víbora possa virar minhoca. Tão pouco, que uma jibóia por perder a pele, deixe de ser venenosa.

Por isso não espanta que não consagrando a norma constitucional o presidencialismo, este seja o sistema vinculativo real, inspirado e formatado em 1975, na base do princípio da superioridade do MPLA, como força política, que se julga a única predestinada a governar Angola e decidir sobre todos os órgãos de poder, “ad eternum”, como se vê abaixo, num artigo, que apenas se recicla ao longo dos tempos:

Artigo 38.º LC/75
“O Conselho da Revolução é presidido pelo Presidente (do MPLA e) da República e “exerce a função legislativa, define e orienta a política interna e externa do país; aprova o Orçamento Geral do Estado e o Plano Económico elaborado pelo Governo; nomeia e exonera o primeiro ministro e os restantes membros do Governo, sob indicação do MPLA; nomeia e exonera os comissários provinciais, sob a indicação do MPLA; autoriza o Presidente da República a declarar a guerra e a fazer a paz; decreta o estado de sítio ou o estado de emergência; decreta amnistias”, segundo o art.º 38.º da LC de 1975.

Para desgraça da maioria dos angolanos, o ontem não se alterou de tal monta que os “constitucionalistas ideológicos e os contratados” de hoje, decidiram profanar o longevo texto partidocrata, que vigorou de 1975 a 2010, para não só cunhar o ADN, como o de ofender a dignidade e os direitos fundamentais da maioria autóctone, expressamente excluídos da Constituição.

A exclusão das tradições, das línguas dos reinos e povos, a minimização dos costumes, demonstram o crónico complexo dos assimilados, que se inspiraram no constitucionalismo ocidental, baseado na superioridade de uma casta, raça ou povos. Mesmo tendo ciência que só 25% dos povos que habitam Angola fala português e destes, muitos falando mal e com muitos erros, ela, mesmo sendo estrangeira, do ex-colonizador é a única língua a figurar na Constituição, quando 75% dos angolanos, não se expressa na Língua Portuguesa, mas orgulhosamente, nas suas línguas identitárias.

Para além do direito que deveriam ter, outros como a vida, são espezinhados, numa clara demonstração de o povo nada representar, quando o poder tem o claro domínio das forças da repressão.

Os assassinatos de Cassule, Kamulingue, Hilbert Ganga, Sílvio Dala, Inocêncio da Mata, Joana Cafrique e Raquel Kalupe, todos na vigência da CRA (Constituição da República de Angola) 2010, são demonstrativos das marcas de exclusão dos segmentos mais vulneráveis, cujos sonhos, foram (continuam) espezinhados, desde 1975, no artigo abaixo da Lei Constitucional do MPLA.

Artigo 2.º
“Toda a soberania reside no Povo Angolano. Ao MPLA, seu legítimo representante, constituído por uma larga frente em que se integram todas as forças patrióticas empenhadas na luta anti-imperialista, cabe a direcção política, económica e social da Nação”.

O MPLA teve na Constituição de 2010 a grande oportunidade de demarcar-se da visão trivial, em relação ao mais sublime conceito sócio-político-jurídico, que é a soberania, mandada às urtigas, nos momentos decisórios da vida do cidadão e do país, mas não, polindo algumas arestas, manteve sub-repticiamente, as mesmas manhas, no artigo 3.º, no n.º 1 da CRA: “1. A soberania una e indivisível, pertence ao povo, que a exerce através do sufrágio universal, livre, igual, directo, secreto e periódico, do referendo e das demais formas estabelecidas pela Constituição, nomeadamente para a escolha dos seus representantes”.

Infelizmente, no caso vertente, a soberania é amarfanhada, “feudalmente”, pelo regime, quando o cidadão é chamado a escolher os seus lídimos representantes. As eleições de 24 de Agosto 2022 mostraram, mais uma vez, a natureza perversa do regime, ao assassinar sob a “LÓGICA DA BATATA NA LEI DA BATOTA”, a vontade soberana da maioria dos eleitores, reflectida no slogan: “Em 2022 vais gostar”. A maioria dos eleitores votou na MUDANÇA, mas o voto foi, severamente, vilipendiado, pela força das armas e canhões do poder feudal, que por temor a verdade eleitoral, recusou-se a simples confrontação e contabilização das Actas-Sínteses, para se aferir da força do voto soberano, na escolha de um novo partido na condução dos destinos de Angola.

Desgraçadamente, com a cumplicidade da comunidade internacional, avessa a uma verdadeira democracia e independência imaterial em Angola, o vencedor, eleito pela soberania popular, não assumiu o poder e o perdedor não o abandonando, monarquicamente, continua no poder!

Os intelectuais, os juristas democráticos e os povos defraudados não têm motivos para festejar, uma Constituição discriminadora, que ao longo de 13 anos de existência, proíbe com violência armada, o exercício de direitos fundamentais consagrados, nos artigos 40.º; 44.º;46.º e 47.º, espezinhados pelas botas policiais e militares.

Artigo 47.º
(Liberdade de reunião e de manifestação)

“1. É garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação pacífica e sem armas, sem necessidade de qualquer autorização e nos termos da lei”.

Quando um dirigente não consegue alcançar estas linhas, de não ser necessário autorização, coloca a nu, não só a narrativa de suspeição de a actual Constituição ter sido feita por mercenários jurídicos internacionais, com apoio de capachos internos e aprovada por deputados, que não a leram, como não ser um barómetro de democracia, mas uma foice da ditadura.

No 28 de Janeiro de 2023, a brutal repressão contra jovens que, pacificamente, se manifestavam, em Luanda, reclamando por justiça e libertação dos presos políticos, injustamente condenados e aprisionados.

O silêncio tumular dos alegados pais desta Constituição é não só suspeito, como mostra a sua natureza dantesca. Angola carece de uma verdadeira revolução, visando a instauração de um projecto-país, para a criação de um Poder Constituinte, capaz de eleger uma Assembleia Constituinte, para elaborar uma nova Constituição, distante das amarras ideológicas.

Vamos a outro cenário.

Actualmente, um criminoso pode chegar à Presidência da República, apoiado pela desarrumação intencional e dislexia normativa em muitos articulados, destacando-se os artigos 109.º (Eleição); 110.º Elegibilidade, inelegibilidades e impedimentos); 111.º (Candidaturas), cuja inversão escancara o livre arbítrio.

No direito constitucional a antevisão do valor da norma, a aplicar, em cada momento e contexto é deveras importante, para se evitarem conflitos, como o de um agente político poder ser primeiro eleito e só depois se aferir do cadastro, lisura da candidatura e reputação…

No caso vertente à luz do art.º 127.º (Responsabilidade criminal) uma vez o Presidente da República não ser responsável pelos actos praticados no exercício das suas funções, pode-se assistir à luz de engenharias jurídicas, arrastar uma situação não só danosa, como dolosa para o país. É importante saber-se “ab initium” da candidatura, elegibilidade ou impedimento e, finalmente, depois de tudo escrutinado a eleição.

A desarrumação do actual texto constitucional é maior do que as minúsculas valências, face às pretensões reais de controlo e domínio que lhe confere uma enorme confusão, quanto à definição do sistema político.

Atentemos ao art.º 109.º: “É eleito Presidente da República e Chefe do Executivo o cabeça de lista, pelo círculo nacional, do partido político ou coligação de partidos políticos mais votado, no quadro das eleições gerais, realizadas ao abrigo do art.º 143.º e seguintes da presente constituição”.

Ora, ancorados neste porto, não restam dúvidas ser o sistema político de viés parlamentar. E, era aqui que o presidente deveria, no estrito respeito republicano, depois do acto de contabilidade dos votos dos partidos, ser eleito interpares, renunciar ao mandato pelo qual foi eleito, como deputado, por ninguém, poder assumir dois cargos, cumulativamente.

Ademais, a violação do n.º 3 do art.º 114.º: “A eleição para o cargo de Presidente da República é causa justificativa do adiamento da tomada do assento parlamentar”, compromete as impressões digitais dos defensores desta Constituição.

No caso deste artigo, todos mandam às urtigas uma norma, que impõe ao cabeça-de-lista do partido vencedor, mesmo tendo assumido primeiro, a Presidência da República, o dever de não abdicar “a posteriori” de suspender e ou renunciar, o mandato pelo qual foi eleito: o de DEPUTADO.

Definitivamente, desde 2012, nenhum eleitor vota, nominalmente, num Presidente da República, mas sim, num cabeça-de-lista de um partido político.

Assim, temos uma avenida de interpretação deste artigo e da legitimidade de uma eventual impugnação do mandato presidencial, por o seu titular estar a exercer duas funções simultaneamente: Presidente da República e Deputado da Assembleia Nacional (foi eleito, como cabeça-de-lista), o que significa que o eleitor votou no MPLA e não em João Lourenço.

Daí, também, ser suspeita a colocação, como órgão de soberania (105.º), não tendo obtido a legitimidade, através de voto directo e secreto do cidadão-eleitor.

A imposição forçada deste presidencialismo selvagem, emerge da engenharia dos artigos 119 a 126.º, em que o Estado se verga aos superpoderes de um homem, isento de qualquer escrutínio do único órgão eleito: Deputados da Assembleia Nacional, colocados, também, na condição de escravos.

Basta ver, o que ocorre na altura do cumprimento do art.º 118.º (Mensagem à Nação), em que o convidado (Presidente não eleito, na função) expulsa os donos da casa (deputados legitimamente eleitos), manda “desinfestar”, leva cadeira, protocolo e tropas, que assumem o domínio da Assembleia, humilhando cada um dos 220 deputados, através de uma rigorosa vistoria e revista, muitas vezes, até aos “países baixos” dos parlamentares, para que estes possam entrar na própria casa…

Um outro crime, cometido pelos “constitucionalistas de pacotilha ideológica”, é a outorga do controlo absoluto, acima dos ditames das funções do cargo; art.º 122.º (Competência como Comandante-em-Chefe), dotando-o de poderes imperiais, no controlo dos órgãos de defesa e segurança, permitindo depois, dolosamente, que o art.º 207.º (Forças Armadas Angolanas) seja, conscientemente, violado pelo presidente de um partido político (MPLA), que torna as forças armadas um corpo partidário, contrariando o vertido no artigo: “As Forças Armadas Angolanas são a instituição militar nacional permanente, regular e apartidária”.

Assim, sendo, o comandante-em-chefe das FAA, partidário (presidente do MPLA), obviamente, as Forças Armadas, passam, também, a ser partidárias…

E, os constitucionalistas ideológicos, não fazem questão, sequer de esconder, essa triste infâmia, ao ordenar, através do seu militante/dirigente, general Egídio de Sousa Santos Disciplina, ex-chefe das Forças Armadas, a entrada em prevenção elevada de todas as tropas, por ocasião de actos de massas (comícios, reuniões e congressos), em que esteja (estivesse) o presidente João Lourenço, líder do partido no poder: MPLA!

Nesta omissão ou acção gravosa, para tristeza geral, não podem os angolanos contar com a isenção e magistratura jurídica do Tribunal Constitucional, capitaneado, por juristas, ideologicamente, submissos ao chefe do partido, que lhes distribui, independentemente, da competência jurídico- intelectual, mordomias e benesses…

Mais grave é este órgão ter atribuído um aval (acórdão) inconstitucional e assassino, das mais elementares normas republicanas de liberdade, imparcialidade e democracia, ao Titular do Poder Executivo (Presidente da República), para não prestar contas ao órgão legislativo (Assembleia Nacional), tudo por ser presidente do MPLA.

Finalmente, neste 13.º aniversário da Constituição da República de Angola do MPLA, os motivos de tristeza, são muitos, para a maioria dos autóctones, principalmente, quando se dá conta do alto nível de analfabetismo, dos dirigentes e governantes do partido no poder, na interpretação da Lei Mãe.

A violência, as prisões e os assassinatos de pacíficos manifestantes, mostra não só a brutalidade sádica de órgãos castrenses (Segurança de Estado, Forças Armadas e Polícia), mas a institucionalização da cartilha da “burralização” comportamental, que a actual Constituição premeia.

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