COMO A DÍVIDA PÚBLICA NÃO É PARA PAGAR…

O Fundo Monetário Internacional (FMI) e um grupo de 12 países africanos alertou hoje que a dívida pública na África subsaariana agravou-se para níveis acima de 60% e que dois terços da região está com endividamento excessivo.

A declaração da directora executiva do FMI (Kristalina Georgieva) e do presidente do grupo africano, o primeiro-ministro de Cabo Verde (Olavo Correia), diz que “o impacto das múltiplas crises, o abrandamento do crescimento económico e a depreciação das taxas de câmbio está a alargar os défices orçamentais em muitos países na região e a evidenciar as vulnerabilidades preexistentes”.

“O rácio de dívida sobre o PIB está agora, em média, acima dos 60%, um nível registado pela última vez no princípio dos anos 2000, o que levanta preocupações sobre a sustentabilidade da dívida em muitos países”, lê-se ainda na declaração assinada por Kristalina Georgieva e Olavo Correia, na qual se dá conta que “quase dois terços dos países de baixo rendimento da região estão com elevado riscou ou já em situação de sobreendividamento [debt distress, no original em inglês] em 2022”.

A declaração deste grupo de 12 países africanos, o ‘African Caucus’, que inclui Angola e Cabo Verde, entre outros, surge no final dos Encontros da Primavera do FMI e do Banco Mundial, que decorreram durante a semana passada em Washington, no âmbito dos quais o FMI reviu a previsão de crescimento da África subsariana para 3,6% este ano.

“O Grupo reiterou a necessidade de lidar com as vulnerabilidades da dívida e continuar a fortalecer a arquitectura mundial de resolução da dívida, incluindo através de melhorias no Enquadramento Comum para o tratamento da dívida”, o instrumento criado no seguimento da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI), criada no início da pandemia de Covid-19, em 2020, para dar espaço orçamental aos países para combaterem os efeitos económicos e sanitários da pandemia.

A Mesa-Redonda sobre a Dívida Soberana Global foi o passo seguinte, trazendo também a China, um dos principais credores dos países africanos, para as discussões sobre como reestruturar a dívida dos muitos países africanos sem margem para investir no desenvolvimento económico e na mitigação dos efeitos das alterações climáticas.

“Os desequilíbrios macroeconómicos tornaram-se mais proeminentes; a depreciação das taxas de câmbio, o aumento das taxas de juro a nível mundial e elevadas taxas de juro da dívida soberana tornaram o financiamento mais caro ou até inacessível, o que, juntamente com o declínio dos orçamentos para ajuda oficial e fluxos mais reduzidos de investimento, deixou a região confrontada com um severo aperto no financiamento”, acrescenta o FMI e os países africanos, defendendo mais investimento do sector privado na mitigação dos efeitos das alterações climáticas e mais financiamento concessional.

As estimativas do FMI para 2023 para os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) anunciadas na sexta-feira referentes ao rácio de dívida pública versus o Produto Interno Bruto (PIB) indicam que Cabo Verde é o país mais endividado (120,2%), seguindo-se Moçambique (102,8%), Guiné-Bissau (76,5%), Angola (63,3%), São Tomé e Príncipe (54,8%) e Guiné Equatorial (26,4%).

Entretanto, em entrevista à Voz da América , Vera Daves diz que Angola está a preparar a emissão de mil milhões de dólares que poderá ser feita na forma de um ‘título de dívida verde’.

“Estamos a finalizar o nosso quadro regulatório que está para ser publicado em breve, para ser possível emitir obrigações sustentáveis”, afirmou Vera Daves de Sousa, explicando que o Governo está a avaliar as condições do mercado para evitar juros mais altos e maturidades mais curtas nesta emissão planeada de mil milhões de dólares, um pouco mais de 910 milhões de euros.

“Sempre que há um contexto de maior preocupação e menos liquidez, normalmente, as obrigações de países do grupo onde Angola se inclui são negociadas a preços muito altos; Angola está a fazer o caminho de sair de um cenário em que tinha um rácio de dívida pública sobre o PIB de 130%, em 2020, para um outro em que tem um rácio em torno de 66%”, acrescentou a governante.

A ministra salientou que “para não voltar para esses níveis, está-se a ser bastante cauteloso em todas as decisões que se vai tomando e isso inclui a decisão de ir ao mercado, porque se o ‘timing’ não for correto, a taxa de juro será alta e o prazo curto”.

A dívida pública de Angola melhorou consideravelmente nos últimos semestres devido à valorização do kwanza face ao dólar e do crescimento da economia, que saiu de uma recessão de cinco anos em 2021, o que influenciou o rácio da dívida pública sobre o PIB, que é medido em dólares.

A dívida pública de Angola está em torno dos 70 mil milhões de dólares, cerca de 63 mil milhões de euros, dividida em 60% a credores externos, e 40% a credores internos, o que representa, de acordo com os dados apresentados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) na semana passada, 63,3%, um valor bastante abaixo dos cerca de 130% registados em 2020, mas ainda assim um pouco acima da média da África subsaariana, que regista um rácio da dívida sobre o PIB de 55,5% este ano.

“Angola vai continuar a avaliar o mercado e quando sentir que as condições estão melhores, ai é que participará [com uma emissão de dívida]; uma avenida que o país também procurará explorar, quando for ao mercado, é fazer uma emissão sustentável”, acrescentou Vera Daves de Sousa, confirmando aquilo que o Governo já tinha dito em meados do ano passado.

Na entrevista, a ministra fez um balanço positivo da participação de Angola nos Encontros da Primavera do FMI e do Banco Mundial, que decorreram na semana passada em Washington, e salientou o envolvimento com as instituições financeiras multilaterais como fonte de financiamento concessional e assistência técnica para os projectos que pretendem desenvolver as infra-estruturas do país e afastar Angola da dependência do petróleo.

“Temos um aspecto concreto, durante essa visita, assinámos, na sexta-feira, um acordo de financiamento com o Banco Mundial, para em determinados municípios alvo fortalecer a prestação de serviço às administrações municipais, e por via de critérios de desempenho”, explicou.

Segundo a ministra, “estas administrações municipais deverão receber um valor financeiro, ou seja, vão trabalhar para prestar um melhor serviço público e ganhar dinheiro por isso, para reforçar a sua capacidade territorial, a capacidade de prestação de serviços no que diz respeito a identificação dos cidadãos (tratamento do bilhete de identidade), mas também a sua capacidade da gestão financeira dos recursos que consegue arrecadar localmente”, afirmou, na entrevista à Voz da América, na qual ligou esta iniciativa ao processo de criação das autarquias.

Contas públicas, fretes privados

De acordo com as contas da agência de notação financeira Standard & Poor’s (S&P), a dívida pública de Angola irá descer para 64% do PIB até 2025, depois de ter atingido o pico de 131% em 2020

“Esperamos que a dívida governamental de Angola vá continuar a cair para 64% do PIB até 2025, depois de ter atingido um pico de 131% em 2020; o declínio na dívida depende dos preços favoráveis do petróleo, que devem impedir uma desvalorização abrupta da moeda”, dizem os analistas.

“Os níveis da dívida de Angola são elevados”, afirmam, salientando, ainda assim, que “quase 40% da dívida foi em termos concessionais [abaixo das taxas de juro comerciais] a credores bilaterais e multilaterais”, nomeadamente chineses.

“Angola depende fortemente dos empréstimos chineses, que compõem cerca de 40% da dívida externa e quase 30% da dívida total registada no final de 2021”, dizem os analistas no relatório.

“A nossa visão actual é que as fontes de financiamento e as reservas externas são suficientes para mitigar os riscos imediatos de liquidez, mas se as taxas de juro a nível global subirem, isso pode afectar o sentimento dos investidores e aumentar os custos de endividamento para Angola”, alertam.

Em Fevereiro do ano passado, a ministra das Finanças de Angola disse que a dívida pública angolana era de 67,5 mil milhões de dólares (59,6 mil milhões de euros), assegurando que a sua gestão continuava a ser sustentável. Desses 59,6 mil milhões de euros, 17,6 mil milhões pertencem à China.

Vera Daves de Sousa disse que o valor rigoroso da dívida varia muito em função da taxa de câmbio, porque existem dívidas em kwanzas, algumas indexadas à taxa de câmbio, e dívida em moeda externa.

“De modo que a performance da taxa de câmbio dólar/kwanza faz logo mexer o valor, na dívida que é indexada à taxa de câmbio, e isso faz com que os números possam variar, mas ronda em torno dos 67 mil milhões de dólares”, frisou.

Segundo Vera Daves de Sousa, o maior credor (dono do dono) de Angola continua a ser a China, com uma dívida de 20 mil milhões de dólares (17,6 mil milhões de euros), um valor que o governo espera começar a reduzir. Previsivelmente será uma dívida que nunca será paga mas apenas amortizada, de modo a que o principal credor (a China) continue a mandar em Angola.

“Vamos recomeçar e então o valor dessa dívida vai recomeçar progressivamente a reduzir e aí os pesos vão mudar em função dessa amortização”, salientou.

A governante angolana citou igualmente o “peso interessante [da dívida] do Reino Unido” e igualmente com o mercado interno, “que vai reduzindo”, facto constatado ano a ano, à medida que se vence a dívida, o Estado “mobiliza menos”.

“Quando vence uma obrigação de tesouro ou bilhete de tesouro nós pagamos aos credores e ao ir ao mercado fazer novas emissões captamos menos do que pagamos, de modo que o endividamento líquido é menor, comparativamente àquilo que tem sido nos anos passados, de modo que o nível de exposição dos bancos locais a títulos do Estado também tem reduzido por essa via”, informou.

A titular da pasta das Finanças referiu ainda que além da dívida pública financeira, aquela que decorre de acordos de financiamento com bancos, com organizações financeiras internacionais ou obrigações de tesouro, bilhetes de tesouro, existe a dívida pública comercial.

Sobre este segundo grupo, a ministra disse que têm incentivado e motivado os gestores públicos, as unidades orçamentais, a fazerem com que ela não surja, incentivando o respeito pelas regras de execução do orçamento, além de incentivarem igualmente as empresas que aceitam prestar serviços ou entregar bens, com base num contrato sem provar que o contrato está visado, sem estar provado que a despesa está orçamentada, a evitarem esta prática.

“Nós temos reservado para tratar dessa dívida 2013-2018, no Orçamento Geral do Estado de 2022, 450 mil milhões de kwanzas (783,8 milhões de euros) e tudo que está fora dessa janela temporal deve ser tratado pelas próprias unidades orçamentais com o seu orçamento no exercício corrente”, disse.

A governante reconheceu (o que é politicamente relevante porque o MPLA é quem está no Poder há 47 anos) que existiu, no passado, alguma “indisciplina orçamental”. Alguma? Pois!

“Se tivesse havido disciplina, não estaríamos nessa situação, porque todas as operações que foram realizadas respeitando as regras de execução orçamental e que transitaram de um exercício para outro, como ordens de saque, restos a pagar, todas, até 2020, estão pagas”, referiu Vera Daves, passando um atestado de criminosa incompetência aos anteriores governos… ou candidatando-se a uma… exoneração.

No entanto, “temos agora umas que transitaram de 2021 para 2022, que estão em tratamento, mas de 2020 para trás está tudo pago, de modos que quem respeitou as regras não tem problemas nenhuns, todos os reclamantes resultam de situações que envolvem desrespeito pelas regras de execução orçamental”, realçou.

Vera Daves de Sousa disse que todos os Estados se financiam, sendo importante agora continuar a gerir esse endividamento, mas “de forma racional e prudente”.

“No sentido de procurar as soluções financeiras menos onerosas possíveis e no sentido de assegurar que esses recursos que estão a ser mobilizados servem projectos que vão acrescentar valor à economia e que vão ajudar o PIB [Produto Interno Bruto] a crescer, nessas duas vias, porque o endividamento é normal e temos estado a notar que ano a ano as necessidades brutas de financiamento diminuem”, acrescentou.

“Em termos líquidos, se fosse para tirar esses compromissos de amortizações – estamos a endividar-nos em 500 e tal mil milhões de kwanzas (870,9 milhões de euros) – são as necessidades líquidas de financiamento. De modo que, o grosso é, no fundo, para nos refinanciarmos, usando diferentes alternativas, financiamentos multilaterais, Banco Mundial, Banco Africano de Desenvolvimento, Agência Francesa de Desenvolvimento, financiamento de instituições financeiras, financiamento comercial, com as melhores condições possíveis” disse.

Folha 8 com Lusa

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