CÂMARA DE GAIA (PORTUGAL) CENSURA CARTOON

O Jornalista Carlos Narciso escreveu: «Onofre Varela é considerado um dos grandes cartunistas portugueses e viu, agora, um dos seus desenhos censurado. Trata-se de uma crítica à política israelita de ocupação da Palestina e à repressão exercida sobre palestinianos».

Por Orlando Castro

Carlos Naciso continua: «Não é a primeira vez que as acções do estado israelita são equiparadas ao genocídio sofrido pelos judeus durante a II Guerra Mundial. Sempre que isso aconteceu antes, as reacções de Israel foram de grande indignação e veemente protesto. Agora, aconteceu o mesmo.

«O cartoon de Onofre Varela acabou por ser retirado da Bienal Internacional de Arte Gaia, onde estava exposto. A Câmara Municipal de Gaia, anfitriã do evento, manifestou agrado pela “retirada” do cartoon, alegadamente “decisão do artista”, sem referir as pressões para que tal sucedesse que foram feitas pela Comunidade Israelita de Lisboa.

Nem todos podem ser Charlie Hebdo.»

Por sua vez, Onofre Varela explica:

+Estou representado na Bienal de Arte de Gaia com 20 cartunes (agora 19) publicados na imprensa regional (O Gaiense, Gazeta de Paços de Ferreira e Semanário Alto Minho).

Um deles, publicado em 2021 (e aqui reproduzido) motivou um protesto de uma entidade identificada como “Comunidade Israelita de Lisboa” que rotulou o meu trabalho de “anti-semita” (tal como Salazar rotulava de anti-patriota quem não fosse Salazarista).

Agradeço a atitude da Comunidade, porque quer dizer que o cartune funcionou!…

Muito obrigado. Foi para isso mesmo que o fiz, publiquei e mostrei.

O cartune em questão fundamenta-se em dois factos históricos:
1º Facto Histórico – Hitler maltratou Judeus.
2º Facto Histórico – Israel maltrata Palestinos.

Dizer que esta minha apreciação crítica é uma atitude anti-semita, é confundir uma cebola com um pêssego!… Nesse sentido alerto quem se escandalizou com o meu desenho, para que nunca use cebola numa salada de frutas, nem pêssego num estrugido. O resultado seria intragável, como intragável é o fundamentalismo de quem apelida de “anti-semita” quem não diz ámen consigo.

A memória dos judeus vitimados pelos assassinos nazis merece, da minha parte, toda a dor, todo o respeito e toda a consideração. Obviamente que repudio o genocídio perpetrado por Hitler, o qual escreveu páginas negras e vergonhosas na História da Humanidade.

O modo como Israel trata os cidadãos da Palestina, desde a invasão do seu território em 1967, também merece, de mim, idêntico repúdio!

Mercê da visibilidade do meu trabalho na Bienal, já fui insultado por activistas judeus aqui no Facebook. Será gente que não representará a Comunidade… talvez sejam só arruaceiros que prestam serviço extra conseguindo uns trocos para consumirem umas ganzas e beberem uns shots.

Para não ferir susceptibilidades tão melindrosas com a obra em questão, depois de conversar com os responsáveis da mostra, decidi retirá-la… talvez assim ajude a construir a Paz naquela região… mas não me parece!… Nem, tão pouco, vou consegui-la aqui, neste post… »

A este propósito, ou nem tanto, reproduzo o artigo “Nas ditaduras a luta é, terá de ser sempre, contínua”, publicado aqui no Folha 8 (um raro paraíso de liberdade) no dia 5 de Janeiro de 2017:

Um ataque terrorista de extremistas islâmicos, em Paris, contra o semanário satírico Charlie Hebdo, no dia 7 de Janeiro de 2015, fez vários mortos, entre os quais alguns jornalistas. Mataram alguns mensageiros. A liberdade, essa continua viva.

Foi há dois anos. Assassinaram jornalistas e polícias, em Paris, num atentado contra o semanário “Charlie Hebdo”. Foi também um ataque contra a liberdade de expressão.

Foi visto assim por muitos, alguns apenas como forma de cumprirem uma formalidade politicamente correcta. Mesmo em países não muçulmanos o lamento sabe a hipocrisia. Isto porque, para muitos, a liberdade de expressão (quando não coincide com a verdade oficial) representa um atentado contra a segurança do Estado.

Por cá, ou seja por Angola, todos os poderes instituídos defendem oficialmente a liberdade de expressão e de imprensa… nos outros países. A nível interno isso é uma chatice.

É verdade que tanto cartoonistas como jornalistas da África lusófona expressaram também a sua condenação. Fizeram-no cumprindo um dever sincero de solidariedade, sabendo muitos deles que também são um alvo preferencial.

E por falar em jornalistas lusófonos, relembremos que o jornalista Carlos Cardoso foi assassinado, em Moçambique, no dia 22 de Novembro de 2000 porque, como Jornalista, fazia uma séria investigação à corrupção que rodeava o programa de privatizações apoiado pelo Fundo Monetário Internacional.

Para Mia Couto, “não foi apenas Carlos Cardoso que morreu. Não mataram somente um Jornalista moçambicano. Foi assassinado um homem bom, que amava a sua família e o seu país e que lutava pelos outros, os mais simples. Mas mais do que uma pessoa: morreu um pedaço do país, uma parte de todos nós”.

Embora sejam uma espécie em vias de extinção, os Jornalistas continuam (em todo o mundo) a ser uma espinha na garganta dos ditadores, mesmo quando eleitos e que estão escudados em regimes ditos democráticos.

Por cá, o regime de José Eduardo dos Santos – perante a criminosa indiferença da comunidade internacional e cúmplice passividade da oposição política interna – já elaborou o seu plano e já estão contratados os assassinos, para eliminar sem deixar rasto todos os que teimem em pensar pela própria cabeça, todos os que teimem em dizer o que pensam ser a verdade, dando voz a quem a não tem. Os jornalistas não serão excepção. Os do Folha 8 estão na lista. Entre outros. É uma questão de tempo e de oportunidade.

“Como eles não querem vender o órgão, vamos acabar com a cabeça, para imobilizar o corpo todo, pois continuam a fazer estragos na imagem do camarada Presidente e do governo”. Isto é o que, entre outras informações, está escrito na estratégia do regime, elaborada pelos Serviços de Inteligência, se o perigo de o MPLA perder as eleições for uma realidade.

O principal visado é, continua a ser, o nosso director, William Tonet, “pela rudeza dos escritos, no seu jornal, onde não falta a regularidade de publicação de segredos do Estado, calúnia e difamação, contra o camarada Presidente José Eduardo dos Santos, sua família e dirigentes do partido, o MPLA, e membros do governo”, justificam, no documento considerado secreto, os algozes da Segurança, para legitimar o plano macabro, depois da UGP (Unidade da Guarda Presidencial), exército reconhecidamente privado e ilegal à luz de um Estado de Direito, de José Eduardo dos Santos, ter falhado a sua morte, com o “abalroamento” da sua viatura no dia 29 de Setembro de 2013, na zona do Morro Bento, em Luanda.

O tom ameaçador subiu, na véspera do Natal de 2014, após publicação de uma entrevista concedida ao Semanário Crime, onde William Tonet aborda com frontalidade questões do 27 de Maio de 1977, opinando que Angola ganharia mais caso se tivesse efectivado um golpe de Estado, liderado por Nito Alves.

E os avisos são recorrentes e já fazem parte do nosso quotidiano. E alguns até merecem, talvez por serem pouco originais e repetitivos, a nossa condescendência. Quando nos dizem: “parem de falar mal do camarada Presidente, porque graças a ele o cabrão do vosso director ainda está vivo”, só nos resta a certeza de que a luta continua e a vitória é certa!

Pelo tempo passado, importa reflectir nas razões – sempre actuais – que levaram ao assassinato de Carlos Cardoso, Ele foi assassinado por entender que a verdade é o melhor predicado dos Homens de bem, uma tese com a qual os ditadores convivem muito mal. Morreu, ainda segundo Mia Couto, porque “a sua aposta era mostrar que a transparência e a honestidade eram não apenas valores éticos mas a forma mais eficiente de governar”.

Foi assassinado, “por ser puro e ter as mãos limpas”. Morreu “por ter recusado sempre as vantagens do Poder”. Morreu por ter sido, por continuar a ser, o que muito poucos conseguem: Jornalista.

“Liquidaram um defensor da fronteira que nos separa do crime, dos negócios sujos, dos que vendem a pátria e a consciência. Ele era um vigilante de uma coragem e inteligência raras”, afirmou Mia Couto num testemunho que deveria figurar em todos os manuais de Jornalismo, que deveria estar colocado em todas (apesar de poucas) Redacções onde se faz Jornalismo.

É certo que no mundo lusófono não são muitos os casos de morte física. Mas há, igualmente, muitos assassinatos. O crime contra os Jornalistas é agora muito mais refinado. Não se dão tiros, marginaliza-se. Não se dão tiros, rescinde-se. Não se dão tiros, amordaça-se. Não se dão tiros, descredibiliza-se. Não se dão tiros, anulam-se formações académicas.

“O sentimento que nos fica é o de estarmos a ser cercados pela selvajaria, pela ausência de escrúpulos dos que enriquecem à custa de tudo e de todos. Dos que acumulam fortunas à custa da droga, do roubo, do branqueamento de dinheiro e do tráfico de armas. E fazem-no, tantas vezes, sob o olhar passivo de quem devia garantir a ordem e punir a barbárie”, disse Mia Couto numa cerimónia fúnebre em Honra de Carlos Cardoso.

Por cá, tal como por lá, os algozes do regime continuam apostados em matar os mensageiros. Ainda não se convenceram que matar o mensageiro não resulta. A liberdade continua viva.”

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