O Titular do Poder Executivo, João Manuel Gonçalves Lourenço deixa perceptível, a cada dia, que reina, sim, mas não governa, ao desconseguir, ao longo de seis anos, ajudar a harmonizar os órgãos de soberania, bem como atender os mais lídimos anseios dos cidadãos angolanos.
Por William Tonet
Os autóctones estão a viver situação semelhante a retratada pela mitologia grega, quando Zeus condenou Sísifo a ter de empurrar, todos os dias (eternamente) uma pedra gigante, até ao topo de uma montanha. Nesse exercício diário, Sísifo escalava e atingia, com mais ou menos tempo, mas, na maioria das vezes, a exaustão o vencia e, neste ínterim, para sua tristeza, a pedra retornava à origem, numa clara demonstração de a natureza ter memória.
Hodiernamente, para nossa desgraça colectiva, esse mito assemelha-se à hercúlea luta diária que os 20 milhões de pobres pretos angolanos empreendem para vencer a fronteira da discriminação, exploração e nova colonização a que estão submetidos pelo regime cleptocrata negro que (des)governa o país desde 1975. Insensivelmente!
Nesse contexto a inexistência de órgãos independentes de soberania, impede os freios ao livre arbítrio de um poder, não nominalmente eleito, mas que arroga legitimidade (que não tem).
O verdadeiro desafio dos angolanos, diante do desvario e da crise institucional, em que o regime está atolado é a de vencer a negligência do poder executivo, para abrir as grilhetas do sistema judicial, feito coutada privada do Presidente da República.
A Constituição atípica de 2010, longe de ter sido um fato à medida de José Eduardo dos Santos é, indistintamente, para os líderes do MPLA…
Com traços e normas partidocratas ela negligencia os direitos da ética republicana e da cidadania, através da ultra concentração de poderes, num titular (Presidente da República, não eleito), que alcandorado ao poder desrespeita(ou), “ab initio” (inicialmente), o n.º 2 do art.º 143.º (Sistema Eleitoral): 2. “Os deputados são eleitos segundo o sistema de representação proporcional, para um mandato de cinco anos, nos termos da lei”, conjugado com o n.º 3 do art.º 114.º (Posse): “A eleição para o cargo de Presidente da República é causa justificativa do adiamento da tomada do assento parlamentar”, ambos da CRA.
O Tribunal Constitucional fosse independente e Laurinda Cardoso uma magistrada com reputação ilibada e notável saber jurídico, teria condicionado a tomada de posse de João Lourenço, até um compromisso, para a posterior, na Assembleia Nacional, interpares (deputados) ser eleito, como recomenda o n.º 3 do artigo atrás citado (114.º).
Fica claro que em Angola, ninguém elege o Presidente da República, nem este é nominalmente eleito. Fosse e não se teria os demais cabeças de lista, cujos partidos foram considerados não vencedores, com assento parlamentar (Adalberto da Costa Júnior, Nimy Ya Simbi; Bela Malaquias, Benedito Daniel), por não se poder concorrer cumulativamente, para dois cargos electivos…
Aqui chegados (art.º 143.º, por força do art.º 109.º) dissipam-se as dúvidas quanto ao sistema parlamentar e nunca presidencialista, por força da representação proporcional ou também conhecido por voto proporcional que é um sistema eleitoral de vencedor múltiplo no qual a proporção de cadeiras parlamentares ocupada por cada partido é directamente determinada pela proporção de votos obtida por ele (partido ou coligação de partidos).
As aplicações mais famosas de representação proporcional referem-se a eleições parlamentares. Seja (V) o número total de votos válidos de uma eleição, que se distribuem por (N) listas eleitorais, sendo (vi) o número de votos na lista eleitoral (i). Seja (M) o número total de mandatos a distribuir pelas listas eleitorais, de acordo com a sua proporção de votos (vi/V). A quota de mandatos no parlamento da lista eleitoral i será (qi=Mvi/V), que em geral não é um número inteiro.
Diante do atrás vertido verifica-se que a demissão do sistema judicial, leva a que, João Lourenço ao não ter renunciado, nem a ser constitucionalmente (TC) obrigado, o mandato de deputado, pelo qual foi, colegialmente, eleito, na planilha partidária: MPLA, ele é, simultaneamente, deputado (eleito) e Presidente da República (não eleito, pelo povo, nem inter pares).
Quando um poder judicial não consegue escrutinar, números, procedimentos legais, confrontação de listas da CNE e ordenar um cabeça de lista a cumprir a Constituição é a podridão, “pocilguenta”, quem mais ordena.
OS PODERES IMPERIAIS DO PRESIDENTE
O Presidente da República de Angola tem poderes imperiais, arrogando-se ao direito de concentrar tudo, desde o falso alojamento no art.º 105.º(Órgãos de Soberania), ao desviante 108.º: 1. “O Presidente da República é o Chefe de Estado, o Titular do Poder Executivo e o Comandante – em – Chefe das Forças Armadas Angolanas”, que colide com o art.º 207.º (Forças Armadas Angolanas): 1. “As Forças Armadas Angolanas são a instituição militar nacional permanente, regular e apartidária (…)”.
Como as FAA sendo apartidárias têm um comandante em chefe partidário? Só em violação a Constituição, com a omissão de juízes do partido no poder, colocados no Constitucional e Supremo. O inverso levaria João Lourenço a optar ou ficaria presidente do MPLA, renunciando as funções de Comandante em Chefe das FAA ou optando por esta, abandonaria aquela.
As duas funções, conflituam com a norma constitucional e a inacção dos magistrados confirmam não ser Angola um Estado de Direito e Democrático.
O filósofo grego Aristóteles no livro “Ética a Nicômaco”, dizia: a política é a ciência que tem por objectivo a felicidade humana e divide-se em ética (que se preocupa com a felicidade individual do homem na cidade-Estado, ou pólis), e na política propriamente dita (que se preocupa com a felicidade colectiva).
Infelizmente, em Angola esse conceito está deturpado, porque a maioria dos políticos do MPLA assume funções com um projecto de manutenção de poder e materialização do enriquecimento ilícito.
Os escândalos que assolam os presidentes dos Tribunais de Contas (Exalgina Gamboa) e Supremo (Joel Leonardo), com avaliações diferentes da parte do Presidente da República mostram o extrapolar de poderes constantes nas alíneas f) e g) do art.º 119.º. A uma julgou e condenou em hasta pública, Exalgina como se fosse magistrado do Ministério Público, revelando questões em segredo de justiça, ao ponto de destratar e crucificar, publicamente, a ex-magistrada, sua opção discricionária. Um acto de clara violação do justo processo legal e presunção de inocência.
Ao outro, Joel Leonardo com a suspeição do cometimento de mais ilícitos, ostensivamente, o Chefe de Estado, coloca as mãos no fogo em sua defesa, alegando instrução do processo para aferimento da verdade.
A intromissão deliberada e abusiva nos meandros processuais de um órgão de soberania leva em Estados democráticos, ao impeachment, no caso angolano, pode iniciar-se um processo de destituição, n.º 2 do art.º 129.º CRA: “O Presidente da República pode ainda ser destituído por crime de violação da Constituição que atente gravemente contra:
a) O Estado Democrático e de Direito;
b) A segurança do Estado;
c) O regular funcionamento das instituições”.
Neste ínterim, assumindo-se como parte, num processo em fase de instrução preparatória, João Lourenço violou o n.º 5 do art.º 108.º (Chefia de Estado e Poder Executivo): 5. “O Presidente da República respeita e defende a Constituição, assegura o cumprimento das leis e dos acordos e tratados internacionais, promove e garante o regular funcionamento dos órgãos do Estado”.
Na realidade o Presidente violou a Constituição ao imiscuir-se, sem prerrogativa, no poder judicial (órgão independente) colocando-se a escrutínio sancionatório de 1/3 dos deputados. Neste caso, havendo sapiência e sentido republicano, as bancadas parlamentares da UNITA (90 deputados) e mesmo do MPLA (124), têm ambos mais de 73 legisladores exigíveis, para querendo, terem a iniciativa de Responsabilidade Criminal do Presidente da República, por acusar e condenar, antes de decisão judicial, em hasta pública, Exalgina Gamboa e, defender, dando-lhe o benefício da dúvida o juiz, Joel Leonardo considerado, pela PGR (Procuradoria Geral da República), líder de quadrilha de extorsão e corrupção.
O Presidente do Supremo tem ainda contra si, as seguintes agravantes: a) patenteamento de militar (sobrinho, integrante da equipa de extorsão- está preso), no salão nobre do Tribunal:
b) perca de confiança da maioria dos juízes;
c) desacato de ordens judiciais, entre outros.
Ainda neste regabofe, a boca pequena, Joel Leonardo é acusado de se vangloriar, pese ser produto tóxico, diante dos pares, manter protecção blindada do Presidente da República, a quem ladeia em actos públicos.
Uma mudança nos valores da sociedade política é importante para se iniciar uma vigorosa faxina com lixívia e creolina capaz de higienizar os corredores da Administração Pública e dos Tribunais Superiores, onde uma minoria de políticos e magistrados, está seriamente comprometida com a ladroagem, enriquecimento ilícito e corrupção.
Só com a expulsão desta corja a realidade se separará da mitologia grega de se considerar os detentores do poder em Angola, como se fossem seres divinos. Não são! Felizmente!