ATÉ A BICLA DO MPLA DEU O BERRO

Como o Folha 8 já ontem escreveu, o MPLA (na sua qualidade de dono de Angola há 48 anos) travou o processo de destituição do Presidente da República, João Lourenço, apresentado pela UNITA, continuando a sua acção de assassinato do que resta da democracia depois de já ter declarado o óbito do Estado de Direito.

Nos termos da Constituição da República (não confundir com a “Constituição” do MPLA) e do Regimento da Assembleia Nacional, a proposta de iniciativa de acusação e destituição devia ser distribuída aos Grupos Parlamentares, para conhecimento dos deputados, e às comissões de trabalho especializadas em razão da matéria para, em consequência, ser elaborado um relatório parecer e um projecto de resolução de criação de uma Comissão Eventual para tratamento do Processo de Destituição, que – caso Angola fosse um Estado de Direito – seria discutido e votado em plenário e cuja composição devia respeitar o princípio da representação proporcional, nos termos do Regimento da Assembleia Nacional alínea f do nº 2 do artigo 166º da Constituição, 80º, 81º, 206º, 207º, 213º e 284º do Regimento.

Fosse o reino do MPLA uma democracia, observados os procedimentos referidos seguir-se-ia a discussão e votação secreta do referido Projecto de Resolução que criaria a Comissão Eventual, nos termos da alínea b) do artigo 159º do Regimento da Assembleia Nacional. Estes procedimentos não foram observados, pois o Regimento da Assembleia Nacional estabelece que, recebida a proposta de iniciativa do processo de acusação e destituição do Presidente da República, o Plenário da Assembleia Nacional deveria reunir-se de urgência e criar, por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, uma Comissão Eventual, a fim de elaborar o relatório parecer sobre a matéria, no prazo que lhe fosse fixado.

A funcionária do MPLA investida nas funções de Presidente da Assembleia Nacional, Carolina Cerqueira, comunicou que a votação seria por braço no ar, o que viola a alínea b) do artigo 159º que impõe a votação secreta para a acusação do Presidente da República, bem como dos artigos 284º e 285º do Regimento da Assembleia Nacional. A lei impõe votação secreta tanto na criação da Comissão Eventual quanto para a aprovação da resolução sobre o relatório parecer nos termos dos números 3 e 6 do Artigo 284º do Regimento da Assembleia Nacional.

De acordo com as ordens superiores do Presidente do MPLA, Carolina Cerqueira esqueceu-se de levar a coluna vertebral e o cérebro, sendo visível as suas excelsas qualidades de marioneta (boneco manipulável, geralmente através de cordéis e engonços ou através da mão introduzida numa espécie de luva que constitui o corpo do boneco).

Preparado o bacanal, a sessão plenária não teve transmissão em directo da TPA e RNA, em clara violação do direito do cidadão de ser informado, de informar-se e de informar (nos termos do artigo 40º da Constituição da República de Angola, Lei que só serve para o der jeito ao MPLA). “Carolininha” (como dizem ser conhecida do remanso(*) horizontal das reuniões privadas com o seu chefe) informou que não havia condições técnicas para a transmissão em directo a partir da Sala Multiusos, quando ali mesmo, na sala adjacente à Sala Multiusos da Assembleia Nacional, estavam jornalistas a fazer transmissões em directo.

O que ontem aconteceu na Assembleia Nacional (do MPLA) vem de facto acrescer motivação bastante para os angolanos confirmarem que o partido que sustenta o regime está esgotado.

Adalberto da Costa Júnior, líder da UNITA, disse aos jornalistas que “uma reunião destas em que o interesse público é total, o MPLA optou por a fazer à porta fechada, provou que tem medo do povo e do debate democrático”. Nada de novo, portanto. Por alguma razão os dirigentes do MPLA aprenderam com o seu único herói o nacional, o genocida Agostinho Neto, a “não perder tempo com julgamentos”.

“O que se passou aqui não está conformado à legalidade (…) Fomos convidados a votar coisa nenhuma, não houve resolução nenhuma, o que se passou aqui não foi nada”, disse o dirigente da UNITA, apelando ao respeito pelas regras democráticas, algo que é utópico no reino ditatorial e cleptocrático do MPLA.

O Presidente da UNITA instou ainda os colegas do MPLA a “não terem medo da democracia” e garantiu que a UNITA continua disponível para participar nos actos da Assembleia Nacional e vai estar presente na abertura do ano parlamentar, agendada para segunda-feira.

Apesar de ter sido barrado o acesso da imprensa à sala, vários deputados fizeram circular vídeos da sessão nas redes sociais, mostrando o clima de tensão que se viveu, com os deputados da oposição a erguerem os punhos no ar, gritando “Angola é do povo, não é do MPLA”, “vergonha”, “ditadura” e “medo”.

O pedido de destituição do Presidente angolano é, poderá ser, uma sanção à sua gestão política, económica, financeira e patrimonial. Quem não deve não deve temer. Mas João Lourenço deve e por isso teme.

Os angolanos já concluíram que não adianta mais criticar e sussurrar nos cantos sobre o mau desempenho do Governo, pelo que urge mudar o Governo, mesmo que João Lourenço volte a mandar o seu armamento pesado passear pelas ruas da capital do (seu) reino. E a forma constitucional, pacífica e civilizada de se fazer isso no parlamento, através de um processo de responsabilização política do Presidente da República – a destituição. Nada de anormal se (não é o caso) Angola fosse uma democracia e um Estado de direito.

A censura ou desconfiança sobre o desempenho do Presidente (da República) traduz-se na destituição e só na destituição. Mas o MPLA vê nisso o ruir do seu governo, como se fosse um baralho de cartas.

A pretensão da destituição do Presidente João Lourenço, fraudulentamente reeleito em Agosto de 2022 para o segundo mandato de cinco anos, tem matéria de facto que só mesmo o arsenal bélico poderá derrotar. A Conta Geral do Estado (CGE), referente ao exercício de 2021, fornece por exemplo evidências sólidas do mau desempenho do Governo, que consolidam a necessidade de responsabilizar politicamente o Titular do Poder Executivo (João Lourenço), porque as contas não batem certo.

Por ser a primeira vez que a destituição surge no areópago político e partidário de Angola, os deputados funcionários do partido tendem a reagir de forma emotiva, sem rever a Constituição da República e a lei que muitos deles nunca leram.

A destituição é uma sanção sobre a sua gestão política, económica, financeira e patrimonial. Quando o povo elege, mesmo que de forma não nominal (como é o caso) o Presidente, estabelece-se uma relação de confiança entre quem deveria ser o servidor eleito e a vontade do povo que o escolheu.

Quando o Presidente perde a confiança do povo, deve ser destituído pelo povo, na Assembleia Nacional, e ninguém deve impedir, dificultar ou bloquear o exercício desse seu direito, porque o povo não destitui o seu Presidente nas ruas, por via de manifestações.

O povo destitui o Presidente da República no parlamento, através dos seus representantes eleitos. Os angolanos não precisam marchar até ao Palácio para destituir o Presidente. A destituição é no parlamento, em nome do povo e para o bem do povo.

Os deputados do partido/estado, manjedoura dourada onde vivem à custa do dinheiro roubado ao Povo, estão a violar a Constituição e a lei. E não adianta virem, um dia, dizer que foram enganados pelo seu próprio “querido líder”.

Um vez na vida, os deputados do MPLA deveriam ser corajosos para corrigir o que está mal e melhorar o que está bem, ao invés de bajular de dia e criticar nos cantos, à noite, como muitos fizeram com o ex-presidente da República, José Eduardo dos Santos.

O lugar certo para exprimir com coragem a vontade do povo é o parlamento e a hora é deveria ser agora, pois trata-se de um imperativo nacional, imposto pela Constituição, não uma directiva partidária.

Votar pela destituição do Presidente da República não significa votar contra o partido, significa votar por Angola, pelo bem-estar do povo e pelo fim da impunidade. Significa votar pelo fim da coacção e sequestro da imprensa pública e do poder judicial.

Se o MPLA é o povo e o povo é o MPLA, um dos lemas dos “camaradas”, o grupo parlamentar do MPLA deveria votar de acordo com a vontade do Povo: destituir o Presidente.

No dia 25 de Maio de 2021, a UNITA afirmava que João Lourenço “foi sequestrado por uma elite antipatriótica, insensível, corrupta e antidemocrática”, referindo que os seus discursos e acções de há três anos “foram substituídos pela hipocrisia”.

“Procura-se o Presidente João Lourenço de 2017, 2018 e 2019”, afirmou nesse dia o presidente do grupo parlamentar da UNITA, Liberty Chiyaka.

Para o político da UNITA, que falava em conferência de imprensa, em Luanda, sobre a “Crise de confiança nas instituições públicas”, o combate à corrupção, no país, “foi substituído pela protecção dos camaradas “yes man”, amigos e aliados da estratégia de gestão do poder”. “Urge combater a hipocrisia”, exortou Liberty Chiyaka.

O suposto combate à corrupção, à impunidade e ao nepotismo (sobretudo se os prevaricadores tiverem a palavra “Santos” no nome ou tiverem feito parte desse círculo… nominal) constituem alguns dos principais eixos teóricos da governação de João Lourenço.

Segundo o também deputado, em 2017, o Presidente angolano “teve a mudança nas mãos”, mas, observou, “entre salvar o país ou o seu partido, o MPLA, preferiu salvar um grupo de camaradas, por isso, o país regrediu muito”. Partido que, desde sempre, tem no seu ADN o maior número de corruptos e ladrões por metro quadrado. Há quem diga, contudo, que isso não é o ADN do MPLA, explicando que isso acontece apenas no DNA do MPLA…

Liberty Chiyaka considerou que Angola “é hoje (Maio de 2021) um país menos inclusivo, menos livre e menos democrático do que foi há dois anos” para fundamentar o que denomina de “sequestro” do Presidente angolano.

“O poder judicial é hoje uma muleta do poder executivo autocrático”, referiu, acrescentando que “o sonho alimentado pelo discurso de tomada de posse e alguns actos dignos de um estadista reformista tornou-se um pesadelo”.

Neste ambiente de “medo, terrorismo de Estado e afirmação de um novo poder autocrático, muitos angolanos não têm confiança nas instituições de saúde, por isso, preferem morrer a ficar à mercê dos comités de especialidades de médicos e enfermos do regime”, notou.

O líder parlamentar da UNITA acusou igualmente a comunicação social pública, os serviços de informações, os gabinetes de comunicação institucional e acção psicológica do Presidente da República, “pagos com dinheiros públicos”, de estarem “transformados em órgãos partidários de demonização e criminalização dos principais adversários políticos”.

Angola “precisa reflectir sobre o rumo que o país está a tomar e redesenhar a essência do compromisso político público. O poder deve ser um meio para servir a sociedade”, defendeu o deputado.

(*) Remanso: Tranquilidade, sossego, quietação (acompanhada de silêncio), retiro, recolhimento.

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