AS CAUSAS LONGÍQUAS DO FRACCIONISMO

É Maio. 2023. Infelizmente, ainda não consegui, por falta de fundos financeiros, publicar o meu livro, sobre os fraccionismos no MPLA, fomentados pela sua liderança e o maior genocídio cometido por Agostinho Neto, desde a sua ascensão ao leme do partido e da República Popular de Angola. Hoje vou publicar algumas pinceladas da obra.

Por William Tonet

Segundo fontes seguras, em meados do ano de 1962, dois antigos militantes do Partido Comunista português (PCP)[1], o angolano Agostinho Neto e o guineense Vasco Cabral, saem clandestinamente de Portugal com o apoio do partido, a bordo dum iate que os leva até à costa do Marrocos (Dalila Cabrita & Álvaro Mateus, Purga em Angola, ASA, página 28). Segundo uma outra fonte, a bordo do barco de recreio que os transportou, conduzido por Nogueira, um oficial da marinha portuguesa ao serviço do PCP, também tinham embarcado a esposa de Neto, Maria Eugénia, e os seus dois filhos.

Quanto à chegada do barco a Marrocos, divergem as versões: Carlos Pacheco diz que foi em Junho, ou antes: (“(…) chega a Leopoldville (Agostinho Neto) e assume a presidência (honorífica) do MPLA em Junho de 1962” (C. Pacheco, “MPLA, um nascimento polémico”, nota 20, pág. 77). Mas nas suas “Memórias”, Iko Carreira assegura que o barco chegou a Marrocos a 21 de Julho de 1962. De qualquer modo, a preocupação primeira do foragido patriota angolano ao pisar terras de África foi partir para Leopoldville, onde o MPLA tinha uma base importante. Neto teria pois chegado à capital do Congo no final de Julho[2], e uma das primeiras pessoas com quem falou foi o então presidente do MPLA em exercício, Mário Pinto de Andrade (Agostinho Neto era presidente honorífico). Nessa conversa em tête-à-tête, este último teria feito sentir a Neto a necessidade de este assumir a presidência do movimento e tentar realizar a união de todos os movimentos de libertação de Angola (Iko Carreira, Memórias, pág.52, Nzila, 2005).

Neto aceitou o repto, e data sem dúvida dessa altura, a ideia de convocar uma Conferência Nacional do MPLA, que, finalmente seria realizada em Dezembro desse ano. Entretanto, as relações entre o presidente Mário de Andrade e o secretário geral Viriato da Cruz, não eram das melhores, embora não se possa dizer que eram más. Viriato criticava Mário por este ser um intelectual pouco activo e, sobretudo, por insistir em obter apoios de certas potências ocidentais. Mas até essa data nada de crise, o clima ainda era pacífico. Porém, se juntarmos a estes pequenos atritos entre Viriato e Mário Pinto de Andrade a conivência deste último com o recém-chegado Dr. Neto, não era preciso ser bruxo para adivinhar o que se iria passar na prevista 1ª Conferência Nacional do MPLA, que acabou por ser realizada, como sobredito, em Dezembro de 1962: o Dr. Agostinho Neto foi eleito presidente do MPLA, e, como se tal decisão não bastasse para autenticar a derrota de Viriato da Cruz, o cargo de secretário-geral foi suprimido, quer dizer, subsequentemente este último foi evacuado “mine de rien”, como quem não quer a coisa, da direcção do movimento. Estavam lançadas as bases de futuras roturas.

Viriato da Cruz e… A PRIMEIRA CRISE FRACCIONISTA

Viriato da Cruz, o estratega e ideólogo de sempre do MPLA, que já em 1960, em Tunis, tinha lutado contra ventos, correntes e marés para ver os seus pontos de vista adoptados pelos seus camaradas da cúpula do então MAC, em seguida FRAIN e, por fim, MPLA, sempre viu com evidente desconfiança a chegada do Dr. Neto a Leopoldville em meados de 1962, e, sobretudo, nutriu de imediato uma repulsa instintiva pela presença da sua esposa no campo da guerrilha, Maria Eugénia, uma cidadã lusa que apenas lhe inspirava dúvidas quanto ao apego pessoal pela causa dos pretos de Angola. Lógico, mas mesmo assim considerado como uma detestável manifestação de racismo por parte da delicadíssima senhora Neto.

Essa temática do racismo também serviu para separar os dois homens. Ciente de dificuldades acrescidas decorrentes dos ataques da FNLA a propósito da presença de brancos e mestiços no quadro dos seus órgãos directores, Viriato da Cruz propôs, no decorrer da Conferência Nacional do MPLA de Dezembro desse mesmo ano, um “recuo táctico” dos não negros dos órgãos de direcção, sacrificando-se a si próprio para dar o exemplo. Mas Agostinho Neto não concordou, fazendo valer o princípio de o MPLA não poder tolerar qualquer concessão ao que pudesse violar os seus princípios fundamentais, designadamente a prática de uma absoluta repulsa ao racismo. Havia outros pólos de discórdia, por exemplo, as contradições entre universitários e não universitários, a inexistência de qualquer tipo de acção armada em território angolano, a desvalorizar o movimento em relação à FNLA, a tentativa de dar corpo a uma Frente Democrática de Libertação de Angola (FDLA)6, a incompatibilidade de carácter entre os dois homens, o antagonismo China e a União Soviética com Viriato de um lado e Neto outro do outro… enfim, tudo muito complicado.

Diga-se também, para melhor compreender o que aconteceu, que até à chegada de Agostinho Neto a Leopodville, melhor dizendo, até à sua chegada à presidência do MPLA, o relacionamento entre os membros da direcção do movimento nacionalista pautavam pela simplicidade: o Mário tratava por tu o Lara, o Menezes fazia o mesmo com Eduardo Macedo dos Santos e vice-versa. Mas Neto impôs um certo distanciamento e passou a ser tratado por camarada presidente. Parece um quase-nada, mas é um tudo de diferença, que de mal não augura nada, é verdade, mas muda muita coisa; antes de Neto, a preocupação dos militantes da cúpula do MPLA, Mário de Andrade, Lara, Viriato, Hugo de Menezes e Dr. Eduardo dos Santos, mau grado os arranhões que se deram uns aos outros, especialmente no que diz respeito ao relacionamento complicado entre Lúcio Lara e Viriato da Cruz, a preocupação principal, dizíamos, era a de obedecer a uma certa democracia interna, com cada um a dar a sua opinião em vista de se conseguir chegar a um consenso, evidentemente tarefa muito mais difícil do que impor a sua vontade, como Agostinho Neto passou a fazer, por vezes, quando tomou em mão as rédeas de comando do MPLA. Depois da sua eleição como presidente do MPLA, a filosofia do comando foi cambiada, e este último em pouco tempo passou de colegial a opacamente centralizado, com papel preponderante atribuído a Agostinho Neto.

Assim, se até 1962 o MPLA tinha um presidente, um secretário-geral e um tesoureiro, a partir da eleição de Agostinho Neto à presidência do movimento, na 1ª Conferência Nacional, todas essas funções passaram a ser prerrogativas suas. A partir dessa data é a Agostinho Neto que incumbe convocar o Comité Central, nomear e demitir responsáveis, fazer transferências de quadros, atribuir meios financeiros para as tarefas dos diferentes departamentos, definir e mesmo alterar a política e a estratégia do movimento. [1]

Segundo Júlio Pequito, na década de 1950, viviam em Lisboa, na mesma casa, quatro membros do PCP, ele, Pequito, Veiga de Oliveira,, o engenheiro Pereira Gomes e o Dr. Agostinho Neto, in “Agostinho Neto, uma vida sem tréguas” (nota 40, Cabrita, opus ibidem, pág.28) [2] Deolinda Rodrigues assinala a sua chegada a Leopoldville numa carta datada do 6 de Agosto de 1962, enviada ao seu prezado Kanhamena, privilegiado correspondente (seu camarada de luta, Ismael Martins): «há agora uma semana que o Dr. Neto já está connosco a trabalhar activamente aqui. (…) (Deolinda Rodrigues, “Cartas de Langidila e outros documentos”, pág. 135, Nzila, 2004)») 6 No dia 10 de Julho de 1963 os membros de um comité da OUA chegaram a Leopoldville.

O MPLA, dividido e desacreditado, deu a pior das impressões à missão, que de per si já era pro FNLA/GRAE, a despeito de o seu objectivo ser pelo essencial unir as forças nacionalistas angolanas à volta duma organização efectiva e credível. «Primeiro, ao conceber uma tentativa mal amanhada de criar uma frente comum rival da FNLA, a Frente Democrática da Libertação de Angola (FDLA), apoiada pelo governo do Congo (Brazzaville), o que resultou no descrédito do MPLA, por se ter associado directamente a dois partidos de que se suspeitava serem colaboradores dos portugueses.

Segundo, Mário de Andrade saiu nessa altura do movimento, aparentemente em protesto à iniciativa da FDLA. O seu abandono danificou ainda mais a imagem do MPLA. Terceiro, Viriato da Cruz fez revelações embaraçosas sobre a ineficácia da força militar do MPLA, indicando que, ao contrário dos 10.000 elementos armados que se afirmava ter, uma capacidade deliberadamente exagerada para obter apoios, o MPLA contava apenas com cerca de 250 combatentes (Tese de doutoramento de J.M:Mbah, Nzila)». (…) «Quando chegamos a Leopoldville, o saudoso presidente Agostinho Neto tinha acabado de ser eleito, na Primeira Conferência Nacional do Movimento (em Dezembro de 1962), onde foi eleita igualmente uma nova Direcção sob a sua presidência e extinto o cargo de Secretário Geral até ali desempenhado por Viriato da Cruz» (Dino Matrosse, “Memórias”, pág. 44, Editorial Nzila, Luanda, 2005)».

Por outro lado, note-se que nessa altura Matias Miguéis ainda não era persona non grata, pois foi eleito primeiro vice-presidente do MPLA, cargo que desempenhou meia-dúzia de meses, nem isso, demitindo-se por se manifestarem incompatibilidades notórias entre ele e Agostinho Neto.

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