UMA VERGONHA PARA PORTUGAL, CPLP E ONU

Há muitos, muitos mesmo, exemplos que revelam as razões pelas quais a Guiné-Bissau tende a ser um não-Estado. Em Abril de 2010, o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), Zamora Induta, afirmava estar na posse de informações que indicavam a existência de tráfico de droga no arquipélago dos Bijagós.

Por sua vez o ex-chefe do Governo, Francisco Fadul, dizia que o Tribunal Penal Internacional devia julgar o actual primeiro-ministro e CEMGFA (Induta) por envolvimento num “golpe de Estado.

Resumindo, os guineenses merecem melhores políticos e militares do que aqueles que têm. Isso merecem. Mas o que é que isso importa? Do ponto de vista da comunidade internacional em geral, da CPLP e de Portugal em particular, ainda não morreram guineenses suficientes para soar o alarme.

“O Tribunal Penal Internacional deve agir, prendendo os suspeitos do golpe de estado e dessas barbaridades”, afirmou Francisco Fadul na altura em que se encontrava em Lisboa em tratamento médico, na sequência do espancamento de que fora alvo, por homens fardados e armados, em sua casa, em Bissau, a 31 de Março de 2009.

Elaborando a ideia de que o TPI (o tal tribunal que, segundo Muammar Kadhafi, representava “uma nova forma de terrorismo mundial”) devia julgar o então primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, e o comandante Zamora Induta, Francisco Fadul considerava que se tratava de uma missão que não é difícil.

“São círculos muito restritos, muito confinados. Pessoas identificáveis muito facilmente”, frisou.

A par desta medida e face ao que considerava ser o estado em que se encontrava a Guiné-Bissau, Francisco Fadul defendeu que as Nações Unidas deveriam assegurar a governação do país, instituindo um protectorado pelo período mínimo de 10 anos, “para que não haja recidivas, não haja retrocessos como aconteceu em Timor”.

Uau! Admitindo por mera discussão académica que a ONU ia nisso, não se correria o risco de o protectorado ser invalidado (lembram-se de Cabinda e do Tratado de Simulambuco?) por outros superiores interesses petrolíferos da região?

“Seria no mínimo por 10 anos, promovendo eleições, depois de ter instilado os hábitos de boa governação, de fiscalização, de “accountability”, fiscalização das contas públicas. Garantir o Estado, ao fim ao cabo”, explicou Fadul como que esquecendo como estava (e continua a estar) o mundo, para já não falar da CPLP e de Portugal.

Como primeira medida, Fadul defendeu “o envio de uma força multinacional, de intervenção que garantisse a isenção e a exemplaridade das eleições e que, enfim, estivesse lá também para fazer vigilância daquilo que é protegido pela Carta da ONU, que é a democracia e os Direitos Humanos”.

Se calhar, para além de ser um claro e inequívoco atestado de menoridade aos políticos e militares guineenses, a tese de Fadul era igualmente um atestado de criminosa passividade à CPLP e a Portugal.

Francisco Fadul justificava o envio de uma força militar com o “princípio do dever de intervenção e esquecendo o princípio caduco da não ingerência em assuntos internos, que cai perante os prejuízos à democracia e aos Direitos Humanos”.

Cai? Só se for neste caso e por especial deferência. É que, como África é um bom exemplo, democracia e Direitos Humanos não são coisas que preocupem a ONU.

Recorde-se que Francisco Fadul acusou o primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior e Zamora Induta de terem feito “um conluio” para eliminar o Presidente “Nino” Vieira e o general Tagmé Na Waié.

E se Fadul dizia o que dizia, Kumba Ialá também afirmou que “o senhor primeiro-ministro vai ter de explicar ao povo da Guiné-Bissau quem matou Hélder Proença, Baciro Dabó, Tagmé Na Waié e o general João Bernardo Nino Vieira. Catorze pessoas que morreram durante o seu mandato”.

A democracia exportada para África tem destas coisas. Ou se é favor de quem está no poder ou, é claro, vai-se para a choldra. Ou se é a favor ou choca-se com uma bala perdida.

Ao que parece, tanto os políticos guineenses como os donos do poder na comunidade internacional (CPLP, Portugal e similares) continuam pouco ou nada preocupados com o facto de os pobres guineenses (a esmagadora maioria) só conhecerem uma forma de deixarem de o ser. E essa forma é usar, não um enxada, uma colher de pedreiro ou um computador, mas antes uma AK-47. E enquanto assim for…

É que dois em cada três guineenses vivem na pobreza absoluta e uma em cada quatro crianças morre antes dos cinco anos de idade.

Em Abril de 2010, a Comissão de Negócios Estrangeiros do parlamento português queria ouvir o então secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, João Gomes Cravinho (hoje – ainda – ministro da Defesa), sobre a situação na Guiné-Bissau.

O caso do ex-chefe da Armada guineense Bubo Na Tchuto, então um nome forte do país, era revelador do que Portugal (não) pensa sobre a Guiné-Bissau.

Em Janeiro de 2010, quando oficialmente Bubo Na Tchuto era procurado pela justiça e se tinha refugiado na sede da ONU em Bissau, João Gomes Cravinho disse que o caso veio “expor completamente a fragilidade das instituições” guineenses.

Basta ler (se alguém tiver paciência para isso) o que Gomes Cravinho disse uma vez, nem que seja há um par de anos, para se saber que sempre que fala da Guiné-Bissau usa as mesmas ideias, os mesmos argumentos, a mesma teoria e, é claro, a mesma passividade.

O então secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação de Portugal só altera o nome dos protagonistas. Foi assim com Bubo Na Tchuto, Hélder Proença, Baciro Dabó, Tagmé Na Waié e João Bernardo Nino Vieira.

E por falar em Gomes Cravinho, recordam-se que ele afirmou no dia 4 de Dezembro de 2007 que a União Europeia devia libertar-se da “bagagem colonial” na relação com África, reconhecendo que o continente “é hoje um igual” com “progressos notáveis” nos últimos anos?

E por falar em Gomes Cravinho, recordam-se que ele comparou em Novembro de 2005, numa entrevista ao Expresso, Jonas Savimbi (que tinha morrido três anos antes) a Hitler?

E por falar em Gomes Cravinho, creio que um dia destes irá dizer que “Nino” Vieira foi outro Hitler africano. Isto porque o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Portugal tem coragem suficiente para fazer destas afirmações sobre pessoas depois de elas terem morrido.

Sobre os vivos, por muito mais que eles se assemelhem a Hitler, Cravinho apenas sabe estar calado.

Se esta conclusão estiver certa, esperemos que Gomes Cravinho se mantenha calado por muito tempo. Será sinal de que mais nenhum dirigente guineense foi morto. Mas pelo andar das coisas…

No dia 25 de Junho de 2009, João Gomes Cravinho falou sobre a situação na Guiné-Bissau, apelando para uma resolução rápida da situação dos detidos por militares a 5 de Junho.

João Gomes Cravinho disse então à Lusa que “há um bom consenso quanto à necessidade de melhorar a capacidade de coordenação das Nações Unidas”, e ele próprio encorajou o director de Assuntos Políticos a trabalhar nesse sentido.

“Não houve ainda uma decisão do Conselho de Segurança mas as coisas estão muito bem encaminhadas para que haja um prolongamento por mais seis meses da actual missão, UNOGBIS, e, a partir de Janeiro, seja bastante reforçada, com capacidade para fazer a coordenação internacional que tem faltado”, esclareceu Gomes Cravinho.

Pois é. Chegou Janeiro, Fevereiro e Março, mas no primeiro dia de Abril ficou a saber-se que, por muito que se diga o contrário, a Guiné-Bissau continua infelizmente a pôr, perante a passividade dessa coisa que dá pelo nome de CPLP, a razão da força acima da força da razão.

Mais do que tapar o sol com uma peneira, como faz por regra Portugal em relação à Guiné-Bissau, é preciso que se entenda que – por exemplo – realizar eleições não é só por si sinónimo de democracia. Mas isso nunca será dito por Lisboa.

Só a verdade, ou o que dela estiver mais próximo, pode ajudar a Guiné-Bissau a enfrentar os seus mais graves problemas, sejam eles relativos aos senhores (políticos e militares) do narcotráfico ou, ainda, aos que de fora e sob a capa de amigos equidistantes (caso de Angola) marcam território e a olhar não para as veias dos guineenses mas para os veios petrolíferos.

Será que, no caso da Guiné-Bissau, Portugal e a CPLP têm medo de alguma coisa? Será que acreditam que uma mentira viva é melhor do que uma verdade póstuma? Será que temem que a verdade faça implodir o país? Será que, por alguma razão, uma eventual implosão poderá atingir alguns políticos portugueses ou de outros países da CPLP?

Continuamos a pensar que os guineenses preferem ser salvos pela verdade, por muito dura que ela seja, do que assassinados pela mentira, por muito adornada e celestial que ela seja.

Pena é que, num sistema lusófono em que a aparência vale muitos mais do que a realidade, se continue a instituir o primado da impunidade e da imunidade baseado na mentira oficializada, no caso português, por João Gomes Cravinho.

Legenda: Nino Vieira (barbaramente assassinado durante um golpe de Estado em 2 de Março de 2009) com Cavaco Silva

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