Fonte oficial de Isabel dos Santos diz que os seus advogados consultaram a base de dados da Interpol e não encontraram qualquer referência a um mandado de captura contra a empresária angolana, contrariando informações noticiadas na quinta-feira.
De acordo com um documento a que a agência Lusa teve acesso na quinta-feira, e a partir do qual divulgou uma notícia, a Interpol emitiu um mandado de captura internacional para extradição em nome de Isabel dos Santos, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola.
Segundo esse documento, Isabel dos Santos é procurada por suspeitas dos “crimes de peculato, fraude qualificada, participação ilegal em negócios, associação criminosa e tráfico de influência, lavagem de dinheiro”, numa pena máxima de 12 anos de prisão.
Num comunicado hoje divulgado e “face às notícias publicadas sobre o mandado de captura internacional”, fonte oficial de Isabel dos Santos diz desconhecer qualquer instrução da Interpol e mostra-se intrigada pelo facto de a empresária ser procurada, após “quase três anos de existência de tais processos”, em que “nunca foi constituída arguida”, o mesmo sucedendo com qualquer uma das suas empresas.
“Também ao longo destes quase três anos, Isabel dos Santos disponibilizou-se formalmente a prestar declarações sempre que foi convocada, o que aconteceu, por exemplo, em processo que correu termos no Banco de Portugal, onde, em duas ocasiões, prestou todos os esclarecimentos solicitados. Também prestou declarações em processo, por si interposto em Portugal, na qualidade de assistente”, esclarece o comunicado da fonte oficial.
Isabel dos Santos estranha ainda o facto de as autoridades invocarem que desconhecem o seu paradeiro, já que o documento justificando o mandado da Interpol, indica apenas que “a empresária costuma estar em Portugal, Reino Unido ou Emirados Árabes Unidos”.
“Em rigor, as autoridades têm conhecimento da sua morada que consta, aliás, nas procurações que foram juntas aos processos”, argumenta a fonte oficial, acrescentando que a empresária foi notificada para essa mesma morada “no âmbito de processos-crime que correm termos em Portugal”.
Segundo o documento a que a Lusa teve acesso na quinta-feira, entre 2015 e 2017, a empresária angolana, criou mecanismos financeiros “com intenção de obter ganhos financeiros ilícitos e branquear operações criminosas suspeitas”, através de “informação sobre dinheiros públicos do Estado angolano” que conseguiu na qualidade de administradora da petrolífera do MPLA (também designada por estatal), a Sonangol.
A fonte oficial de Isabel dos Santos recorda, contudo, que “não foi proferida qualquer acusação”, pelo que a empresária não teve oportunidade de “exercer o contraditório” sobre os factos de que é acusada, salientando que “os processos continuam em segredo de justiça, o que dificulta ainda mais o exercício dos direitos de defesa”.
“Os factos relacionados com o período em que exerceu funções na Sonangol não foram confirmados judicialmente – pelo contrário”, defende a fonte oficial de Isabel dos Santos.
De acordo com o mandado de captura internacional, Isabel dos Santos terá prejudicado o Estado angolano nos montantes totais de mais de 200 milhões de euros, cometendo crimes de peculato, fraude qualificada, participação ilegal em negócio e branqueamento de capitais.
Recorde-se que, já no início deste mês, Isabel dos Santos afirmou ter estado sempre “disponível” para repor a verdade e nunca se ter negado a prestar esclarecimentos às autoridades angolanas.
As declarações de Isabel dos Santos foram partilhadas nas suas redes sociais, na sequência de notícias em que o Procurador-Geral da Republica (PGR) de Angola disse que a justiça angolana deu “todas as oportunidades” à empresária angolana para que esta relatasse a sua versão dos factos relativamente aos processos judiciais de que é alvo, sem sucesso.
“Sempre estive disponível e representada pelos meus advogados. Ao contrário da notícia, acredito que é do interesse de todos angolanos e sobretudo do meu de esclarecer as inverdades que existem a meu respeito”, escreveu Isabel dos Santos num ‘post’ partilhado no Instagram.
A empresária garante que nunca se negou a prestar esclarecimentos e continua “disponível para repor a verdade”.
“Acredito em Angola, sempre investi no meu país, criei empresas, empregos e formei pessoas. Eu amo Angola”, escreveu também Isabel dos Santos.
FALTA QUASE PARA… POUCO
O procurador-geral da República de Angola, general Hélder Pitta Gróz, disse no passado dia 10 de Março que a ausência da empresária Isabel dos Santos do país estava a dificultar o andamento dos processos em curso contra ela. Que coisa mais chata. Ela bem podia facilitar as coisas e até, se não fosse pedir muito, apresenta-se com uma corda ao pescoço.
“O processo está numa fase de investigação criminal, que é uma fase secreta, portanto partilhamos só com os advogados, quando necessário, e está a ser feito trabalho internamente, não é ético da nossa parte estar a divulgar peças ou actos processuais”, disse o general PGR em São Tomé e Príncipe, onde assistiu à inauguração do novo edifício do Ministério Público.
Questionado sobre a demora nas investigações à empresária, o general Hélder Pitta Gróz respondeu: “A morosidade em termos de resultado definitivo é, por um lado, a complexidade e grandiosidade do processo, e por ela [Isabel dos Santos] não se encontrar em Angola, isso também cria algumas dificuldades”.
O processo, acrescentou: “Não morreu, está vivo, e vamos obtendo cada vez mais provas para consolidar a peça final do processo”.
“É bom ver reconhecido o trabalho que temos feito em Angola, temos muito mais para fazer do que aquilo que já foi feito, mas é um incentivo ver que há um reconhecimento externo de que estamos a trabalhar e no bom caminho, e assim permite-nos mobilizar outras forças para nos apoiar nesse combate”, disse o general Hélder Pitta Gróz.
Questionado sobre as recentes notícias que davam conta de uma investigação ligada à compra de dois edifícios pelo Ministério dos Transportes a um amigo de infância do ministro, pelo valor de quase 100 milhões de euros, Pitta Gróz confirmou uma investigação, mas desvalorizou o caso, apontando que há muitas averiguações que não dão em nada.
“Nós não divulgamos o trabalho feito no inquérito, porque podemos antes do inquérito criminal temos de chegar ao final do inquérito preliminar feito pela direcção nacional de prevenção e combate à corrupção, e só no final, havendo provas ou factos susceptíveis de serem considerados crimes, passamos para a segunda fase, que é o processo-crime”, explicou o procurador.
“Nesta fase processual os visados nem sequer são interrogados, há inquéritos que são instaurados e depois acabam por ser arquivados por não encontrarmos indícios de crimes, temos de esperar que o inquérito seja concluído para vermos se vamos passar à segunda fase de instauração de processo-crime e aí as pessoas são notificadas da sua condição como arguidos”, acrescentou, com o brilhantismo que se lhe reconhece, concluindo: “Todos os dias instauramos processos de inquérito, mas nem todos chegam a processo crime”.
Em 11 de Janeiro de 2020, no artigo «“Fuga” em mala diplomática», o Folha 8 escreveu:
“Um consórcio de jornalismo de investigação revelou este domingo mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de “Luanda Leaks”, que detalham alegados esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, e que estarão na origem da fortuna da família.
Foi, dizem, a partir de uma fuga de informação. “Fuga de informação” é uma forma simplista de falar de um vasto dossier que, segundo revelou ao Folha 8 uma fonte que trabalhou para os dois poderes em Angola (Eduardo dos Santos e João Lourenço), “há cerca de um ano seguiu de Luanda para Lisboa na mala diplomática de um ministro português com a recomendação de que fosse entregue ao Expresso/SIC”.
Dossier elaborado, segundo outras fontes, por especialistas do núcleo duro do MPLA/João Lourenço, “tendo o general Hélder Fernando Pitta Groz, Procurador-Geral da República, desempenhado apenas um papel de figurante, de vendedor da cobertura jurídica em muitos documentos – muitos empolados, outros verdadeiros e outros forjados – que esse núcleo lhe diz para assinar, rubricar, dar cobertura”.
O Consórcio Internacional de Jornalismo de “Investigação” (ICIJ), que integra vários órgãos de comunicação social, entre os quais os portugueses Expresso e a SIC, analisou, ao longo de vários meses, 356 gigabytes de dados relativos aos negócios de Isabel dos Santos, que ajudam a reconstruir (de acordo com o que os documentos aconselham) o caminho que levou a filha do ex-presidente angolano a tornar-se a mulher mais rica de África.
Durante a investigação foram identificadas mais de 400 empresas (e respectivas subsidiárias) a que Isabel dos Santos esteve ligada – segundo os documentos convenientemente divulgados por essa oportuna “fuga” – nas últimas três décadas, incluindo 155 sociedades portuguesas e 99 angolanas.
As informações reveladas pela “fuga” (muitas carecendo de contraditório) detalham, por exemplo, um alegado esquema de ocultação supostamente montado por Isabel dos Santos na petrolífera estatal do MPLA Sonangol, que terá permitido desviar mais de 100 milhões de dólares (90 milhões de euros) para o Dubai.
Revelam ainda que, em menos de 24 horas, aproveitando o facto de as autoridades portuguesas estarem num merecido e prolongado sono, a conta da Sonangol no Eurobic Lisboa, banco de que Isabel dos Santos é a principal accionista, terá sido esvaziada e ficado com saldo negativo no dia seguinte à demissão da empresária.
Os dados divulgados indicam quatro portugueses alegadamente envolvidos directamente nos esquemas financeiros: Paula Oliveira (administradora não-executiva da Nos e directora de uma empresa offshore no Dubai), Mário Leite da Silva (CEO da Fidequity, empresa com sede em Lisboa detida por Isabel dos Santos e o seu marido), o advogado Jorge Brito Pereira e Sarju Raikundalia (administrador financeiro da Sonangol).
A empresária Isabel dos Santos, a principal visada nos esquemas financeiros revelados no “Luanda Leaks”, afirmou que a investigação é baseada em “documentos e informações falsas”, num “ataque político” coordenado com o Governo angolano.
“As notícias do ICIJ baseiam-se em muitos documentos falsos e falsa informação, é um ataque político coordenado em coordenação com o `Governo Angolano` (sic). 715 mil documentos lidos? Quem acredita nisso?”, reagiu a empresária, em inglês, através da sua conta do Twitter.
Na verdade, tanto quanto o Folha 8 conseguiu apurar na altura, os jornalistas e auxiliares não tiveram necessidade de ler esses milhares de documentos. No caso do Expresso/SIC, o dossier (o tal que terá “viajado” em mala diplomática) “traria já uma síntese, comentada e anotada, com o que a Portugal mais interessaria divulgar”.
A filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos ataca também os media portugueses SIC e Expresso, que integram o consórcio de jornalistas que revelou mais de 715 mil ficheiros que detalham esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, entretanto já falecido.
Na conta do Twitter, onde escreveu vários “tweets”, afirma que a sua “fortuna” nasceu com o seu “carácter, inteligência, educação, capacidade de trabalho e perseverança” e acusa a SIC e o Expresso de “racismo” e “preconceito”, “fazendo recordar a era das “colónias” em que nenhum africano pode valer o mesmo que um “europeu”.
«Os `leaks` são autênticos? Quem sabe? Ninguém… estranho mesmo é ver a PGR [Procuradoria-Geral da República] de Angola a dar entrevistas à SIC-Expresso. Procurador-Geral de Angola a dar entrevistas… a canais portugueses!”, escreveu a empresária, numa dessas mensagens.
O Consórcio ICIJ recebeu fuga de informação das “autoridades angolanas“??!! Interessante ver o estado angolano a fazer leaks jornalistas e para SIC-Expresso e depois vir dizer que isto não é um ataque político?»
Num outro “tweet”, escreveu que “o povo de Portugal é amigo do povo de Angola e não podemos deixar que `alguns` interesses isolados `agitem` a amizade e respeito que conseguimos conquistar e construir juntos”.
Folha 8 com Lusa