O Presidente angolano, João Lourenço, igualmente presidente do MPLA e recandidato deste partido às eleições de 24 de Agosto, e Titular do Poder Executivo, disse terça-feira em entrevista à RTP que na conversa que teve com Marcelo Rebelo de Sousa, em Lisboa, o seu homólogo português o aconselhou a ter calma porque já tinha ganho as eleições…
Sobre a relação com o seu antecessor, mentor e “pai” político, João Lourenço disse que é “boa” e que a justiça angolana não está a actuar contra a família de José Eduardo dos Santos, mas sim contra a corrupção.
“É boa, durante este tempo tivemos vários encontros e quase sempre, quem se deslocou ao encontro com José Eduardo dos Santos fui eu. Eu é que sou o chefe de Estado e fui eu que me desloquei, isso é um sinal mais do que evidente de que as relações são boas”, afirmou João Lourenço, questionado sobre as relações com a família do seu antecessor, patrono (antes de João Lourenço o ter passado de bestial a besta) e mentor.
“(Mas) uma coisa são as minhas relações entre ele e eu, outra coisa é a luta contra a corrupção, que não é contra pessoas, não é contra famílias, é contra quem estiver envolvido nesses casos, aí a justiça angolana andará atras dessas pessoas ou famílias”, complementou.
Desde que subiu ao poder, em 2017, substituindo no cargo José Eduardo dos Santos que, durante 38 anos governou os destinos de Angola, João Lourenço supostamente elegeu a luta contra a principal bandeira, tendo surgido desde essa altura diversos processos judiciais contra familiares do ex-presidente ou seus antigos colaboradores, que alguns dizem tratar-se de uma justiça selectiva.
João Lourenço garantiu, na entrevista, que a justiça angolana está a agir a todos os níveis: “Não esta só à caça de ministros e ex-ministros, directores e ex-directores, a luta contra a corrupção está a cobrir todos os níveis da base até ao topo e quem está a fazer isso são os tribunais”.
Sobre o processo de recuperação de activos e repatriamento de capitais a partir do exterior, admitiu que os números estão ainda longe do que seria ideal e que “é quase impossível recuperar a 100%” o que foi desviado do erário público, mas, sublinhou, vai “continuar a trabalhar nesses sentido”.
João Lourenço negou que o sistema judiciário esteja em falência, salientando que fez, em quatro ou cinco anos, o que o país não fez em mais de quarenta anos de independência, parte dos quais foi ministro e dirigente do MPLA, partido no Poder há 46 anos: “Nunca houve tanta liberdade dada ao sistema judicial para fazer justiça”.
Sobre a utilização de meios postos à disposição da presidência da Republica para fazer campanha enquanto presidente do MPLA, que se candidata a um segundo mandato nas eleições gerais de 24 de Agosto, rebateu as críticas, invocando exemplos de outras democracias, como os Estados Unidos, onde esta prática é habitual.
“Eu sou Presidente da República, utilizo viaturas, utilizo um avião que me leva a todo o sítio, acha que quando saio em actividade partidária devia deixar de usar esses carros, esses jipes, o avião? Eu acho que não, e não tenho de esconder essa forma de pensar”, respondeu João Lourenço à jornalista da RTP que questionou o chefe de Estado sobre a utilização de meios na sua tripla qualidade de líder do governo, líder partidário e presidente da República.
João Lourenço apontou ainda o exemplo dos Estados Unidos, país onde o Presidente usa o Air Force One (avião presidencial) durante a campanha eleitoral.
Rejeitou também que não sejam dadas oportunidades e visibilidade nos meios de comunicação públicos ao líder do principal partido da oposição, a UNITA (cujo nome não referiu), afirmando que “o líder não fala por que não quer” e dizendo que se a televisão não tem a iniciativa de o convidar, deve ser ele a fazer esse contacto.
DO APÓSTOLO MARCELO AO DEUS JOÃO
Se o MPLA dizia que José Eduardo dos Santos era o “escolhido de Deus”, Marcelo Rebelo de Sousa diz que João Lourenço é o próprio “Deus”. Portanto…
Marcelo Rebelo de Sousa, ao elogiar o “projecto de paz, de democracia, de regeneração financeira, de desenvolvimento económico, de combate à corrupção” protagonizado pelo Presidente do MPLA, João Lourenço, mostra que não sabe o que diz nem diz o que sabe. É normal. Quando se está no Poder todos são bestiais. Quando deixam de estar são, regra geral, bestas.
Todos nos recordamos de, numa intervenção durante um jantar oficial oferecido por João Lourenço, no Palácio Presidencial, em Luanda, Marcelo Rebelo de Sousa saudar como “o vulto cimeiro de um novo tempo angolano”. Não se terá lembrado de o propor para um Prémio Nobel, mas quando “descobrir” que existem 20 milhões de angolanos pobres… vai propor. Justamente, acrescente-se.
“Vossa excelência protagoniza-o com um projecto de paz, de democracia, de regeneração financeira, de desenvolvimento económico, de combate à corrupção, de afirmação regional e mundial. Nós, portugueses, seguimos com empenho essa aposta de modernização, de transparência, de abertura, de inovação, de acrescida ambição”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, bem ao estilo dos sipaios coloniais, mas com uma substancial diferença. Estes eram obrigados a bajular, o presidente português não é obrigado a isso. Ou será que é?
Segundo o Presidente português, João Lourenço protagoniza “um novo tempo angolano, na lúcida, consistente e corajosa determinação de aproveitar do passado o que se mantém vivo, mas, sobretudo, entender o que importa renovar para tornar o futuro mais possível, mais ambicioso e mais feliz para todos os angolanos”.
Bem dizia Eça de Queiroz, provavelmente antecipando a pequenez intelectual de um tal Marcelo que haveria de ser presidente de Portugal, que “os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão”.
Continuemos, para memória futura, com o brilhantismo bacoco de Marcelo. Diz ele que, da parte de Portugal, Angola conta com “o empenho de centenas de milhares que querem contribuir para a riqueza e a justiça social” com o seu trabalho, bem como “das empresas, a começar nas mais modestas, no investimento e no reforço do tecido socioeconómico angolano” e também com “o empenho das instituições públicas portuguesas, do Estado às autarquias locais”.
“Podem contar connosco na vossa missão renovadora e recriadora. Portugal estará sempre e cada vez mais ao lado de Angola”, acrescentou Marcelo Rebelo de Sousa, fazendo aqui e mais uma vez o exercício de passar aos angolanos um atestado de menoridade e matumbez.
Portugal, por sua vez, conta com a “incansável solidariedade” de Angola. “Contamos com os vossos trabalhadores, as vossas empresas, as vossas instituições públicas, a vossa convergência nos domínios bilateral e multilateral. Temos a certeza de que Angola estará sempre e cada vez mais ao lado de Portugal”, prosseguiu Marcelo no seu laudatório e hipócrita exercício de servilismo.
De acordo com o Presidente português, este “novo momento na vida de Angola” coincide com “um novo ciclo” nas relações bilaterais. “E nada nem ninguém nos separará, porque os nossos povos já estabeleceram o seu e o nosso caminho”, considerou Marcelo, sentindo o umbigo aos saltos, alimentado pela esperança de que os portugueses não acordem e os angolanos nunca lhe cobrem a cobardia.
“Porque estamos mesmo juntos, na parceria estratégica, na cooperação económica, financeira, educativa, científica, cultural, social e política. Porque no essencial vemos o mundo e a nossa pertença global e regional do mesmo modo, a pensar na paz, nos direitos humanos, na democracia, no direito internacional, no desenvolvimento sustentável, na correcção das desigualdades”, argumentou aquele que, em matéria de bajulação, bateu todos os recordes anteriores, desde Álvaro Cunhal a Rosa Coutinho, passando por Vasco Gonçalves, José Sócrates, António Costa, Cavaco Silva, Passos Coelho e tantos outros.
No final da sua intervenção, de cerca de sete minutos (que entrará para o “Guinness World Records” por ser o que mais bajulação fez em tão curto espaço de tempo), Marcelo Rebelo de Sousa disse que “a história faz-se e refaz-se todos os dias e nuns dias mais do que noutros”, acrescentando: “Estes que vivemos são desses dias”.
Folha 8 com Lusa