QUANTO VALE O SILÊNCIO DE “KOPELIPA” E “DINO”?

Os generais angolanos “Kopelipa” e “Dino”, ambos próximos (tal como general João Lourenço) de José Eduardo dos Santos e que se recusaram a “assassinar” pelas costas o anterior Presidente, estão acusados de vários crimes pela justiça do MPLA (facção João Lourenço), entre os quais os de peculato, associação criminosa e branqueamento de capitais.

De acordo com a Acusação, Manuel Hélder Vieira Dias, mais conhecido como General “Kopelipa”, antigo responsável pelos serviços secretos de Angola e da Casa Militar, no tempo em que o antigo Presidente José Eduardo dos Santos, que faleceu na sexta-feira em Barcelona, era Chefe de Estado, foi acusado pelo Ministério Público do MPLA dos crimes de peculato, burla por defraudação, falsificação documento, associação criminosa, tráfico de influências, abuso de poder e branqueamento de capitais, num processo que envolveu várias empresas, entre as quais a petrolífera do MPLA, a Sonangol.

Já Leopoldino Fragoso do Nascimento, conhecido como “Dino”, empresário e um dos homens de confiança do falecido Presidente Eduardo dos Santos, é acusado de burla por defraudação e falsificação de documentos, associação criminosa, tráfico de influência e branqueamento de capitais.

No mesmo processo são ainda arguidas as empresas CIF – China International Fund Angola, Plansmart International Limited e Utter Right Internacional Limited, acusadas de burla por defraudação, falsificação de documentos, tráfico de influência e branqueamento de capitais.

Três empresas, que, de acordo com a acusação, fizeram parte de um esquema montado pelos arguidos, que lesou o Estado angolano em vários milhões de dólares.

De acordo com o texto da acusação, tudo começou pelo acordo de financiamento celebrado em 2003 entre o Estado angolano e a República Popular da China, do qual surgiram, a partir de 2004, várias linhas crédito com o EximBank, CCBB-Banco de Desenvolvimento da China e com a Sinosure – Agência Seguradora de Crédito à Exportação.

O esquema que terá prejudicado o Estado angolano terá sido montado quando “Kopelipa” foi nomeado pelo então Presidente José Eduardo dos Santos para responsável do Gabinete de Reconstrução Nacional.

De acordo com a acusação, Manuel Hélder Vieira Dias Júnior e Leopoldino Fragoso do Nascimento, juntamente com outros dois arguidos no processo, “concertadamente engendraram um plano para enganar o Estado angolano e, a pretexto de uma reestruturação, apropriaram-se” de imóveis construídos com fundos públicos e “comercializaram-nos como se deles se tratasse”.

“O arguido Manuel Hélder Vieira Dias Júnior sabia que o Gabinete de Reconstrução Nacional, que dirigiu, enquanto director, era um organismo público, cujas receitas a si atribuídas também eram públicas e destinadas à reconstrução do país (…) Mais sabia que o referido Gabinete não estava vocacionado a conceder empréstimos, sobretudo, a empresas estrangeiras, com quem assinou acordo de investimento estrangeiro em nome do Estado angolano”, refere o documento.

Mas “ainda assim, não se coibiu de, no ano de 2008, conceder um empréstimo, no valor de USD150. 000.000,00 (cento e cinquenta milhões de dólares) à empresa China Sonangol International Limited”.

Além disso, “Kopelipa” “produziu um documento, cujo teor sempre soube não ser verdadeiro”, que “convenceu o Presidente da República” a permitir a entrada de mercadoria com pagamento dos impostos ‘a posteriori’ no país “o que só foi possível devido à posição que ocupava e da qual se fez valer”.

Em resumo, conclui o Ministério Público que os arguidos naquele processo utilizaram as “empresas Cif China International Fund Angola, Plansmart International Limited e Utter Right International Limited como veículos para o cometimento de crimes”.

Os “arguidos agiram sempre de modo voluntário” e “conscientemente sabiam que tais condutas eram proibidas e punidas por lei”, refere o texto da acusação, datado de 4 de Julho.

E “foi por meio de declarações, que os arguidos tinham conhecimento de serem falsas, que convenceram o antigo Presidente da República a autorizar o Director da Unidade Técnica para o Investimento Privado (…) a assinar e alargar o objecto de contrato de investimento”, acrescentam os procuradores.

Os generais “Dino” e “Kopelipa” foram colegas do então ministro da Defesa, general João Lourenço, não podem ser presos preventivamente antes do despacho de pronúncia, na fase de instrução contraditória, pois “gozam de imunidades”.

“Os oficiais generais das Forças Armadas Angolanas e comissários da Polícia Nacional não podem ser presos sem culpa formada, excepto se em flagrante delito, por crime doloso punível com pena de prisão superior a dois anos”.

Em Fevereiro de 2020, o Serviço Nacional de Recuperação de Activos, da PGR, apreendeu os edifícios CIF Luanda One e CIF Two, na posse da empresa de direito angolano China International Fund Angola, sem precisar os motivos.

Os edifícios em causa, os mais altos daquela zona, com 25 andares, estão localizados no distrito urbano da Ingombota, em Luanda, próximo da antiga Assembleia Nacional, e acolhem escritórios de várias empresas privadas.

A apreensão aconteceu na sequência de uma outra de mais de mil imóveis inacabados, edifícios, estaleiros e terrenos na urbanização Vida Pacífica e no Kilamba, arredores de Luanda, que se encontravam na posse das empresas chinesas China International Fund, Limited (CIF Hong Kong) e China International Fund, Limitada (CIF Angola).

Estes imóveis terão sido pagos com fundos públicos, mas não estavam na esfera patrimonial do Estado. Recorde-se que, segundo a declaração de bens e património de João Lourenço, o Presidente do MPLA nunca beneficiou de fundos públicos para constituir o seu humilde e pobre património.

Em Abril de 2019, a PGR (João Lourenço) já tinha anunciado a recuperação de 262 milhões de euros ao consórcio CIF Angola, na qualidade de entidade gestora do projecto de construção do novo Aeroporto Internacional de Luanda.

A CIF Limited é uma empresa privada chinesa com sede em Hong Kong e um escritório em Pequim, fundada em 2003 para financiar projectos de reconstrução nacional e desenvolvimento de infra-estruturas nos países em desenvolvimento, principalmente em África.

Em Angola, participou na construção de vários empreendimentos sociais e detém vários empreendimentos, incluindo uma fábrica de cimento, na localidade de Bom Jesus, em Luanda.

Segundo um relatório do centro de estudos britânico Chatham House, publicado em 2009, a CIF teria ligações à China Angola Oil Stock Holding Ltd, que negociaria com o petróleo angolano através da China Sonangol International Holding.

Entre os directores da China Sonangol International Holding estaria Manuel Vicente, ex-presidente da petrolífera estatal angolana e ex-vice-Presidente de Angola.

Recorde-se que o Presidente da República, também presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, desafiou, numa entrevista ao jornal português Expresso, o seu ex-patrono e mentor, José Eduardo dos Santos, a denunciar os corruptos. Para João Lourenço, são esses os traidores da pátria. E esses são apenas os que não estão ainda rendidos aos encantos do novo “querido líder”…

É claro que João Lourenço é, também no contexto angolano mas sobretudo do MPLA, uma figura impoluta, íntegra e honorável que nada tem a ver com traidores ou corruptos. Desde logo porque é um general e um político que chegou a Angola há meia dúzia de dias.

Daí para cá a história deste impoluto, íntegro e honorável general é bem mais conhecida. Importa, contudo, reter a comprovação factual de que João Lourenço nunca ouvira falar de corrupção, mesmo sendo ministro da Defesa de José Eduardo dos Santos desde 2014 e vice-presidente do MPLA.

Está, por isso, acima de qualquer suspeita. Na verdade, como é que alguém que aos 20 anos de idade (1974) entrou para o MPLA e fez toda a sua vida nas fileiras do partido poderia ter notado, constatado, verificado ou comprovado que existia corrupção no seio do MPLA e do Governo? Não podia…

João Lourenço diz esperar que a impunidade “tenha os dias contados” em Angola. Insiste na “moralização” da sociedade angolana. Estará a ser ingénuo, imprudente, suicida, estratega ou traidor? Se calhar, fazendo a simbiose de tudo isto, está apenas a gozar com a nossa chipala e fazer de todos nós… matumbos.

O Presidente diz ser necessária a “moralização” da sociedade, com um “combate sério” a práticas que “lesam o interesse público” para garantir que a impunidade “tenha os dias contados”.

É verdade. Mas é verdade há muitos anos e a responsabilidade é do MPLA, partido no qual João Lourenço “nasceu”, cresceu, foi e é dirigente. Então, durante todos esses anos (46), o que fez João Lourenço para combater as práticas que “lesam o interesse público”?

“No quadro da necessidade de moralização da nossa sociedade, importa que levemos a cabo um combate sério contra certas práticas, levadas a cabo quer por gestores quer por funcionários públicos. Práticas que, em princípio, lesam o interesse público, o interesse do Estado, o interesse dos cidadãos que recorrem aos serviços públicos”, disse João Lourenço.

Sendo uma verdade de La Palice, como tantas outras que constituem o ADN do partido do qual é presidente, é caso para perguntar se só agora é que João Lourenço descobriu a pólvora?

Ou será que só agora é que João Lourenço descobriu que Angola é um dos países mais corruptos do mundo? Que é um dos líderes mundiais da mortalidade infantil? Que tem 20 milhões de pobres?

“Esperamos que a tão falada impunidade nos serviços públicos tenha os dias contados. Não é num dia, naturalmente, que vamos pôr fim a essa mesma impunidade, mas contem com a ajuda de todos e acreditamos que, paulatinamente, vamos, passo a passo, caminhar para a redução e posteriormente a eliminação da chamada impunidade”, diz João Lourenço.

Desde que tomou posse, a 26 de Setembro de 2017, na sequência das “eleições” de 23 de Agosto, João Lourenço exonerou diversas administrações de empresas estatais, dos sectores de diamantes, minerais, petróleos, comunicação social, banca comercial pública e Banco Nacional de Angola, anteriormente nomeadas por José Eduardo dos Santos.

Quando João Lourenço garantiu em Luanda que o MPLA iria lutar contra a corrupção, má gestão do erário público e o tráfico de influências… poucos acreditaram. Hoje há mais gente a acreditar? Há, é verdade. Mas as dúvidas continuam a ser mais do que as certezas.

João Lourenço discursava – recorde-se – no acto de apresentação pública do Programa de Governo 2017-2022 do MPLA e do seu Manifesto Eleitoral, mostrando a convicção de que – mais uma vez – os angolanos iriam votar com a barriga (vazia) e que havendo 20 milhões de pobres… a vitória seria certa. E foi. E continuará a ser.

“Para a efectiva implementação deste programa temos de ter os homens certos nos lugares certos”, referiu João Lourenço, efusivamente aplaudido pelos militantes presentes formatados e pagos para aplaudir seja o que for que o soba João Lourenço diga, tal como acontecia com Eduardo dos Santos.

Ainda de acordo com João Lourenço o MPLA iria “promover e estimular a competência, a honestidade e entrega ao trabalho e desencorajar o ‘amiguismo’ e compadrio no trabalho”.

“Vamos contar com aqueles que estão verdadeiramente dispostos a melhorar o que está bem e a corrigir o que está mal”, disse João Lourenço.

João Lourenço admite que o “MPLA tem consciência de que muito ainda há a fazer e que nem tudo o que foi projectado foi realizado como previsto”. Por outras palavras, se ao fim de 46 anos de poder, 20 de paz total, o MPLA só conseguiu trabalhar para que os poucos que têm milhões passassem a ter mais milhões, esquecendo os muitos milhões que têm pouco… ou nada, talvez seja preciso manter o regime do MPLA mais 54 anos no poder.

“Contudo, o país tem rumo e estamos no caminho certo, no sentido da satisfação progressiva das aspirações e dos anseios mais profundos do povo angolano”, disse João Lourenço.

Segundo João Lourenço, para que todos os angolanos beneficiem cada vez mais das riquezas do país, o MPLA tem como foco no seu programa de governação para os próximos anos dar continuidade ao seu programa de combate à pobreza e à fome, bem como o aumento da qualidade de vida do povo.

Para a juventude, a franja da sociedade a quem o MPLA atribui “importância fundamental nos processos de transformação política e social de Angola”, João Lourenço disse que vai continuar “a contar cada vez mais com os jovens nas imensas tarefas do progresso e do desenvolvimento”.

Sobre a consolidação da democracia angolana, destacou a realização de eleições autárquicas (um dia), a permissão para posicionar o país “num movimento de verdadeira descentralização administrativa”.

“Com a instauração das autarquias, a administração estará mais próxima das populações, o que tornará mais fácil a percepção das suas necessidades e aspirações e também a sua satisfação”, realçou. Terá João Lourenço descoberto a pólvora?

Folha 8 com Lusa

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