QUANDO OS JOVENS DERROTAM O MEDO…

O bispo católico da “província” angolana de Cabinda, Belmiro Chissengueti, considerou hoje que os actos de vandalismo registados na segunda-feira em Luanda, na sequência da paralisação dos taxistas, “manifestam a necessidade imperiosa de um diálogo social intenso”. E talvez (dizemos nós), a urgência de o Presidente da República e do MPLA não deitar gasolina para a fogueira, incendiando (como recentemente disse João Lourenço) o “teatro de operações”.

“E é esta necessidade de coração misericordioso, dialogante e compassivo que o país precisa no momento presente da sua história. Os acontecimentos de ontem [segunda-feira] manifestam que há necessidade imperiosa de um diálogo social intenso”, afirmou o bispo católico durante uma homilia.

Para Belmiro Chissengueti, que falava na missa transmitida pela Rádio Ecclesia – Emissora Católica de Angola, “os que têm a responsabilidade na condução do Estado não se devem exilar das suas responsabilidades”. Não devem mas não só se exiliam como, nos bastidores, estimulam a explosão do barril de pólvora que eles próprios criaram aumentando assustadoramente a iniquidade social.

“Estão lá para criarem pontes de comunhão, para ajudarem a conservar o bem maior alcançado há 20 anos, o bem da paz, então nós, os mais velhos que conhecemos a história desse país e a vivemos na carne estamos apreensivos com sinais que não são nada positivos e a nossa apreensão é legítima”, notou.

O primeiro dia da paralisação dos taxistas em Luanda, na segunda-feira, foi marcado por actos de vandalismo num autocarro do Ministério da Saúde, que ficou completamente carbonizado, e na sede do comité distrital do MPLA (no poder há 46 anos), em Benfica (arredores de Luanda), acto atribuído a um grupo de cidadãos detidos pela polícia para julgamento sumário, mas que o secretário provincial do MPLA em Luanda, Bento Bento, disse serem elementos da UNITA.

Segundo o bispo católico, “as dificuldades sociais do país são muitas, não podem ser escondidas, e devem ser satisfeitas”. “Temos de ter sabedoria, paciência e coragem de dar resposta à situação actual que vivemos de crise”, acrescentou.

Para o religioso, “não encontrar culpados e levar o país à pancadaria, ninguém ganha com isso”, pedindo aos jovens “paciência e sentido de história”.

“Paciência, não para silenciar suas reivindicações, que devem ser ouvidas em diálogo permanente e inclusivo, mas também não estragar os bens públicos, porque cada autocarro que se estraga é mais um dano, cada viatura que se estraga é menos um bem, cada bem público que é danificado somos nós mesmos os mais prejudicados”, exortou.

O também porta-voz da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) defendeu também que “os que têm autoridade devem ir ao encontro dos jovens de forma a se encontrar políticas de trabalho visando empregar a juventude”.

“Assim, olhando o país com olhos de ver, aquilo que é prioritário neste momento é que as lideranças dos principais partidos deste país em nome deste povo que se encontrem, não radicalizem as suas posições porque ninguém ganha com isto”, frisou.

Belmiro Chissengueti considerou ainda ser necessário que as lideranças se “possam dar as mãos, dando sinais positivos aos respectivos seguidores e retirando da cabeça dos fanáticos, aqueles que há muito perderam a racionalidade, a perspectiva de que a violência não é caminho a seguir”. “Ninguém ganha nada, só perdemos”, frisou.

João Lourenço e o MPLA querem guerra

No recente simulacro de conferência de imprensa dada órgãos seleccionados e com o envio antecipado das perguntas, João Lourenço afirmou que a UNITA, maior partido da oposição que o MPLA ainda permite, pretendia concorrer em coligação com outras forças políticas, nas eleições gerais deste ano, porque não está preparada para vencer sozinha o MPLA.

João Lourenço tem razão. E isso não é uma necessidade para o partido de João Lourenço já que, reconheça-se, para o MPLA basta ser dono de toda a máquina eleitoral, comandada pela sua sucursal, Comissão Nacional Eleitoral.

O chefe de Estado disse aos “jornalistas” que a oposição, desde as primeiras eleições gerais realizadas em Angola, em 1992, tem feito uma má leitura do “teatro das operações” político do país.

“Teatro das operações” foi, de facto, uma excelente alegoria, ou não fosse João Lourenço um general. Aliás, nada melhor do que uma linguagem belicista para lembrar que – como dizia o inimigo “número um” do MPLA, Jonas Savimbi – só faz a paz quem estiver preparado para fazer a guerra. Semeia ventos e quer colher bonança.

“Desde as primeiras eleições de 1992, que a oposição de forma errada” tem feito uma “má avaliação do teatro das operações”: Já “nas eleições de 92 diziam que o MPLA não tinha hipótese, pelo simples facto de, até àquela altura, ter sido partido único. Com a abertura para o multipartidarismo, antes das eleições acontecerem, já diziam ‘calças novas em Setembro’”, mas isso “não aconteceu, nem nas eleições seguintes”, disse João Lourenço.

Para João Lourenço, “mais uma vez também para estas eleições continua a haver essa má avaliação do teatro das operações”. É verdade. Graças aos seus generais, o MPLA avisa que ou ganha… ou ganha.

“No fundo, no fundo, o simples facto de o nosso principal adversário recorrer a uma espécie de coligação” a que “estão a chamar Frente Patriótica Unida, para enfrentar o MPLA, isso só significa dizer que, se calhar, estão pior do que estavam há uns anos atrás, nas eleições anteriores”, frisou o Presidente do MPLA, já que enquanto Presidente da República “manteve” uma equidistância institucional…

Jovens angolanos são do MPLA. Fora disso são arruaceiros ou terroristas

Noutra frente do ”teatro de operações”, registe-se que em Angola existem dois tipos de juventude. Uma boa – a do MPLA, e a outra. A JMPLA enquanto mero instrumento do partido está, e tem razões para isso, preocupada com o comportamento que os jovens angolanos apresentam nos últimos tempos. Isto porque, ao contrário do que era habitual, a juventude começa a pensar pela própria cabeça, recusando a regra de ouro do regime que sempre visou formatá-la e domesticá-la.

Há uns anos, Tomás Bica, primeiro secretário da JMPLA na capital, disse que a organização juvenil do MPLA, partido que só está no poder desde 1975, pretendia levar a cabo uma série de debates, presume-se que – como é hábito – enquadrados na necessidade ancestral e atávica de reeducar a população.

“A estabilidade familiar é a estabilidade que se pretende, porque as famílias constituem a primeira e a mais antiga instituição de toda sociedade, razão pela qual famílias estáveis significam Estados estáveis, de tal ordem que pedimos à sociedade que o país seja estável, mas é preciso que, primeiramente, as famílias estejam estáveis”, disse Tomás Bica numa tirada filosófica que, só por si, é paradigma do estado actual de alguns dos jovens… do MPLA.

Por sua vez a directora do Gabinete de Cidadania e Sociedade Civil do MPLA, Fátima Viegas, entendia que “um dos remédios está na educação e outro está no papel que a família, enquanto esfera socializadora, deve fazer, porque estes jovens saíram de uma família. Se desta família eles não receberem, eles também não podem dar”.

Certo é que, reiteradamente, a JMPLA necessita de mostrar serviço no âmbito da formação político-patriótica, de modo a inculcar na sociedade que sem o MPLA será o desastre total.

Os meninos do regime ainda não atingiram a fase de pensarem livremente. Quando lá chegarem, se chegarem, só não vão zarpar da JMPLA porque ainda não se sabe se, como no passado recente, as balas e os jacarés estão prontos para satisfazer os ávidos apetites sanguinários dos que matam primeiro e perguntam depois. Quer os jovens autómatos do regime queiram ou não, nem todos os jovens concordam que – por exemplo -o dia 14 de Abril, que consagra o dia da juventude do MPLA, em memória de Hoji Ya Henda, o patrono da JMPLA, seja igualmente considerado o Dia da Juventude angolana.

Será, com certeza, difícil ou até mesmo inexequível encontrar uma data que gere unanimidade. Em democracia o melhor que se consegue, quando se consegue, é um consenso. Encontrar, ou até mesmo criar de raiz, um dia que esteja equidistante das datas assinaladas pelos diferentes partidos seria, cremos, a melhor solução para homenagear todos os jovens angolanos que, de facto, merecem ter um dia que assinale o seu contributo em prol do país.

Desde a independência que Angola tem comemorado – com um enorme abuso de poder e unicidade só aceitável nos países de partido único – o 14 de Abril como o Dia da Juventude Angolana. Com a morta à nascença abertura protagonizada por João Lourenço, chegou a pensar-se como exequível implantar um sistema político que albergue a diversidade de opiniões como uma mais-valia de incalculável valor patriótico.

Não é sério, muito menos legítimo e democrático, que se continue a subjugar toda a juventude, bem como todo o resto da população, às teses do partido reinante. De facto, a comemoração com toda a pompa e mordomias inerentes do 14 de Abril era (e poderá continuar a ser) aceitável como marco interno do MPLA e não como algo que possa representar toda a juventude de um país que, também nesta matéria, pretende respeitar e enquadrar-se nas regras de um Estado de Direito, isto se um dia deixar de ter força de lei (e das armas) a tese de que Angola é do MPLA e o MPLA é Angola.

Embora nem todos tenham consciência disso, o país é hoje outro, amanhã será ainda um outro, pelo que não pode haver receitas unilaterais feitas à medida, e por medida, de um regime que só conhece a razão da força.

Importa que o regime compreenda, embora a isso seja alérgico, que em democracia quem mais ordena é o Povo. E esse Povo não pode estar sujeito a regras que mais não são do que perpetuar o culto sabujo e bajulador a valores e pessoas que em vez de o servirem se servem dele.

De facto, o governo não tem tido vontade, embora tenha os meios, para resolver os problemas do Povo, sejam eles da fome, da miséria, da água, da luz, do lixo, da saúde, de emprego ou da educação da população em geral. No que tange à juventude, esta não tem casa, não tem educação (embora seja educada), não tem emprego e não tem futuro.

Por tudo isto, e não só, a juventude quer mais do que nunca ser ouvida e ter, para além de uma voz gritante e activa, possibilidade de dizer de sua justiça, de participar na vida do seu país. O regime ao obrigar os jovens a aceitar como única a lei do mais forte está a atirar a juventude para as margens da sociedade. E, muitas vezes, demasiadas vezes, quando se está na margem escorrega-se para a marginalidade como antecâmara da violência, da criminalidade ou até da guerra.

Ao contrário do que eventualmente podem pensar os dirigentes do regime, a juventude está atenta a tudo isto e é sobretudo isto que a preocupa. Nós temos jovens que, como nos ensinou Nelson Mandela, são heróis não porque não sintam medo, mas porque o vencem.

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