É uma grande honra apresentar […] a obra de Sedrick de Carvalho, “Prisão Política”, que sem dúvida é um clássico de literatura de prisão Africana e posso seguramente afirmar do mundo.
Por Sousa Jamba
Jornalista e Escritor
No dia 23 de Agosto de 2015, eu estava nos Estados Unidos. Nasci em Angola, mas tinha vivido quase toda a minha vida fora do país: na Zâmbia, de onde estou a falar; no Reino Unido; e depois nos Estados Unidos.
Sou um Angolano típico da Diáspora. De fora, seguimos de perto o caso dos 15+2 porque nos dava a entender que havia duas Angolas — aquela dos vídeos promocionais do governo que davam a entender que o país era democrático, tinha instituição sólidas e sérias e a outra que, infelizmente, era a real, de uma ditadura típica Africana.
Neste dia, 23 de Agosto 2015, eu escrevi ao Sedrick que iria orar para ele e os seus colegas que estavam detidos injustamente. Não tinha a certeza de que ele iria ler a mensagem.
A obra que temos aqui prova que sim. Os nossos jovens passaram meses nas cadeias porque alguém tinha a necessidade de provar que o aparato repressivo do estado Angolano funcionava.
O que me tocou bastante neste relato do aprisionamento dos 15+2 acusados de tentar derrubar o estado em 2016 é a honestidade e a fragilidade do seu autor.
Sedrick de Carvalho não começa como um grande herói; ele não é um activista político da laia de Nelson Mandela e seus colegas prontos a darem as suas vidas para a causa da nação.
O Sedrick, com os seus 27 anos, era um graphic designer e jornalista com paixão pelo desporto e Direito que estava a estudar com muito sacrifício. Em casa ele era casado com uma filha de um ano.
O Sedrick pertencia a um grupo de jovens que tentava explorar formas de transformar a sociedade pacificamente. Do nada ele tem que que ter a resistência mental para sobreviver as humilhações e tortura psicológicas da prisão.
Depois de ser detido, ele pede para lhe tirarem as algemas para que a sua filha não lhe veja naquele estado; a resposta dos agentes é que ela só tinha um ano e nunca iria lembrar. Esta obra está cheia de pequenos incidentes deste género.
O Sedrick lê muitos livros, incluindo ficção. Algo que ele aprendeu dos grandes escritores é mostrar — e não dizer. O jornalista Sedrick de Carvalho é mestre na sua narrativa; o artista Sedrick de Carvalho observa atentamente, o resultado é uma obra de arte que chama a nossa atenção ao que está acontecendo no nosso país.
“Prisão Política” é um relato cheio de humilhações que visavam destruir psicologicamente o Sedrick e os seus colegas. Como disse, o Sedrick nunca foi preparado para sobreviver às humilhações e torturas. Ele cai em lágrimas por várias vezes; mas ao longo da narrativa passamos, também, a ver o surgimento de alguém que não pode com a discrepância entre o que a lei diz e a realidade do terreno.
Sedrick de Carvalho na altura estava a estudar Direito; ele sabia exactamente como a lei estava a ser violada. A um certo nível, “Prisioneiro Político” é uma reflexão sobre a grande diferença entre as aspirações e a realidade. Ao lermos esta grande obra, realizamos a necessidade de alinharmos o que a nossa constituição diz e a realidade no terreno.
Sedrick de Carvalho é metido numa cela completamente escura onde ele pensa da sua esposa Neusa, do seu pai que mandou-lhe uma Bíblia, dos colegas, de Angola e chora. A água que lhe dão é suja; a comida é péssima.
Nesta narrativa o Sedrick chora muito; o leitor atento também vai chorando — para nós que que vimos o 11 de Novembro de 1975, que ouvimos declarações sobre o futuro do nosso país, dói profundamente ver que quatro décadas depois haveria jovens em cárceres com condições que fazem lembrar os negreiros.
O primogénito da nossa família, Augusto “Baba” Jamba, foi preso político no tempo colonial (tentou organizar um grupo de amigos para irem ingressar nas fileiras da UNITA no leste de Angola durante a guerra colonial). Só conheci bem o Mano quando ele saiu da prisão em 1974. As condições em que o meu Mano Baba esteve na cadeia colonial seriam um grande luxo comparado com o inferno de que o Sedrick de Carvalho fala na sua obra.
As cadeias em que o Sedrick e os seus companheiros são horríveis. Quando aparece uma entidade de peso para inspeccionar, as celas são limpas, os colchões e mosquiteiros aparecem do nada! Muitas autoridades temem que Sedrick poderá dizer a verdade; ele é revistado, as suas notas são confiscadas. Mas o Sedrick de Carvalho é muito justo; nas cadeias ele encontra médicos e psicólogos dedicados a darem o melhor de si.
Dos Estados Unidos, segui o julgamento dos 15+2 que parecem ser episódios de uma peça teatral absurda. Lembro-me da procuradora que representava o ministério público com uma peruca que tapava os seus olhos. Ela sabia que no futuro tudo aquilo iria ser visto como uma grande travestia. Depois havia o Juiz que em resposta ao Sedrick de Carvalho diz que ele deveria dar aulas de Direito aos outros reclusos. “Prisão Política” mostra o que acontece quando o judiciário é completamente controlado pela política.
Eu leio muitas obras sobre jornalistas e escritores que são encarcerados. De 1966 á 1969 o grande escritor Nigeriano Wole Soyinka foi preso por razões políticas. Os políticos de então já foram esquecidos, mas as suas memórias da prisão são lidas até hoje. Um filme está a ser feito com uma trilha sonora que vai incluir música de Alberto Teta Landu. Em 1977 o escritor Queniano Ngugi was Thiogo foi preso por razões políticas; como o nosso Sedrick, ele passou meses numa cela solitária. Os políticos que dominavam a sociedade Queniana em 1977 já foram esquecidos; o livro de Ngugi continua a ser lido avidamente.
Sedrick de Carvalho nasceu em 1989; gerações de Angolanos, Africanos e cidadãos do mundo no futuro irão ler a sua obra como um grande exemplo do que acontece quando as instituições são desvirtuadas para o sustento de uma ditadura. José Eduardo dos Santos, Juiz Januário e outras personagens vão ser nada mais do que rodapés nas futuras edições desta grande obra.
Nota: Comunicação apresentada no dia 13 de Abril na sessão de lançamento do livro “Prisão Política”, da autoria de Sedrick de Carvalho, em Luanda.