O candidato eleito pela força e vontade dos eleitores, passou de vencedor a derrotado e, este, com a força das armas e a domesticação canina das instituições do Estado (do partido), converteu-se, solenemente, em vencedor. Esta é a realidade de Angola: 24 de Agosto 2022!
Por William Tonet
O sonho de alternância para uma maioria, foi assassinado. A esperança de mudança, aprisionada, ainda visualizou as ruas para se libertar das grilhetas monocráticas, exigir justiça republicana e impedir a manutenção no poder de quem não tem higiene intelectual para confrontar as actas síntese, provas materiais de ter ganho, sem batota, o pleito eleitoral.
O controlo geral da máquina repressiva e económica do Estado, transforma o derrotado, em senhor imperial, capaz de impor o medo e espalhar, em todas as circunscrições territoriais, a lei do terror. Diante deste cenário dantesco, duas opções restavam ao eleito, pela força do voto: aderir à lógica da força ou reorganizar a estratégia, negando-se em abraçar o maquiavelismo sub-reptício de o levar a embrenhar-se, mais uma vez, nas matas e savanas, recriando epicamente a sua guerrilha. Esta opção consolidaria, no imediato, um consulado avesso à democracia, porque caboucado na visão monolítica de país, que pretende perpetuar-se “ad eternum” no poder.
Confrontado com este cenário, aliada a pressão dos clamores populares de não abdicar de uma confrontação, corpo a corpo, rua a rua, para obrigar o regime a respeitar a expressão popular, vertida nas urnas, o eleito: UNITA/FPU/Adalberto da Costa Júnior, decidiu olhar intramuros para analisar a capacidade logística, o contexto interno e externo.
A avaliação e análise foi drástica: inexiste Estado republicano? Instituições capazes de respeitar a reivindicação cidadã? Inexperiência de resiliência da sociedade civil, na manutenção de manifestações de rua, nem quando existem assassinatos em manifestações: Inocêncio da Mata, por exemplo, Sílvio Dala, Joana Cafrique, Cassule, Kamulingue, insuficientes, para conferir a experiência de outras latitudes.
Mais grave ainda é a incapacidade logística (de manutenção de uma moldura humana imprevisível), que a qualquer acontecimento estenderia o dedo à UNITA/FPU/Adalberto da Costa Júnior responsabilizando-a. Ausência de força empresarial capaz de apoiar manifestantes. Monopólio de todos órgãos do Estado, por quem se demite de escrutinar as provas de uma derrota anunciada.
Diante deste burilado tabuleiro, o vencedor feito derrotado, optou por quadricular a estratégia, demitindo-se das armas de guerra, optando pela guerrilha no interior das instituições públicas, na lógica de David contra Golias e daqui partir para o controlo das avenidas e carreiros, sinónimo de rejeição ao crónico engolir de sapos, denunciando a fraude eleitoral e a capacidade da ditadura premir o gatilho, abrir valas de sangue, ilegalizar, extinguir, prender ou assassinar dirigentes, sobreviventes de 1992…
E, num toque de mágica, sem unanimismo e reduzidos consensos, no 16 de Setembro de 2022, os vencedores eleitorais, quantificados em 90, tomaram posse, no legislativo. Porém, antes do final da fanfarra partidocrata, causaram um verdadeiro ruído… Retiraram-se da sala, em bloco: 90 deputados eleitos e com posse.
Denunciaram a batota de um “quantum” anormal do MPLA, na composição da mesa da Assembleia (presidência, 1.ª e 2.ª vice-presidência), ao arrepio do regimento interno, relegando a UNITA/FPU, para mais uma humilhante discriminação partidocrata, contrariando o n.1 do art.º 50 do regimento, quanto à maioria absoluta, que indica: presidência e 1.ª vice-presidência para o vencedor e a 2.ª vice-presidência, para o segundo partido.
Na rejeição, baseada na lei da força bélica, anunciaram impugnação não já da 2.ª vice-presidência, mas contra a presidente da Assembleia Nacional, Carolina Cerqueira. Suporta o processo a “jurisprudência política” criada por João Lourenço ao defender, durante a campanha eleitoral, a nacionalidade de origem, para os cargos de Presidente e Vice Presidente da República, postulada no n.º 1 do art.º 110.º CRA (Constituição da República de Angola), afastando na alínea a) do n.º 2, do mesmo artigo, os titulares de nacionalidade adquirida, conjugado com o n.º 3 do art.º 132.º (Substituição do Presidente da República): “Em caso de impedimento definitivo simultâneo do Presidente da República e do Vice-Presidente, o Presidente da Assembleia nacional assume as funções de Presidente da República até a realização de novas eleições gerais, que devem ter lugar no prazo de cento e vinte dias contados a partir da verificação do impedimento”.
Mais, Carolina Cerqueira ao abdicar, por inerência de funções, não está no patamar de Adalberto da Costa Júnior, que também havia renunciado para poder ser cabeça de lista. Este (ACJ) tem DUPLA NACIONALIDADE, adquirida por razões de natureza política, mas é filho de pai angolano, com cobertura “ab initio” do n.º 1 do art.º 110.º CRA, “angolano de origem” (ele e os progenitores são naturais de Angola). A actual presidente da Assembleia tem NACIONALIDADE DUPLA, no seu caso, não é renunciada, mas suspensa temporariamente, por poder adquiri-la, a todo tempo, como filha de progenitor, nascido em Portugal (ela angolana, pai de naturalidade portuguesa e mãe angolana), enquadrada na alínea a) do n.º 2 do art.º 110.º: “2 – São inelegíveis ao cargo de Presidente da República: a) Os cidadãos que sejam titulares de alguma nacionalidade adquirida”.
Sendo as leis elaboradas para o futuro, manda a prudência republicana acautelar agora esta melindrosa situação, sob pena de se criar um vazio difícil de contornar, amanhã. Qualquer que seja a decisão do Tribunal Constitucional, ficará marcada mais uma truculência míope do MPLA, expondo-o ao ridículo. Com esta tirada, sem a composição das comissões de trabalho, a conclusão da mesa fica inviabilizada… A guerrilha institucional, conquista, sem disparar uma bala, sem assistir à prisão, tortura ou assassinato de um manifestante desarmado, a segunda vitória…
MAIS UMA VIOLAÇÃO FLAGRANTE DA CONSTITUIÇÃO
No 20.09.22, franqueando as portas da Cidade Alta, não como anfitrião, mas convidado, para tomar posse como membro do Conselho da República, Adalberto da Costa Júnior, vê, de camarote, João Lourenço, cometer mais uma inconstitucionalidade, ao violar o art.º 135.º (Conselho da República) da CRA: “1. O Conselho da República é o órgão colegial de natureza consultiva do Chefe do Estado.
2- O Conselho da República é presidido pelo Presidente da República e composto pelos seguintes membros:
a) O Vice-Presidente da República;
b) O Presidente da Assembleia Nacional;
c) Presidente do Tribunal Constitucional;
d) O Procurador-Geral da República;
e) Os antigos Presidentes da República que não tenham sido destituídos do cargo;
f) Os Presidentes dos partidos políticos e das coligações e partidos políticos representados na Assembleia Nacional;
g) Dez cidadãos designados pelo Presidente da República período correspondente à duração do seu mandato.
3 – Os membros do Conselho da República gozam das imunidades conferidas aos deputados à Assembleia Nacional, nos termos da presente Constituição.
4. O Regimento do Conselho da República é aprovado por decreto presidencial”.
Como se pode aferir, a extensão discricionária dos membros do Conselho da República de 19, para 23 é inconstitucional. A excepção é somente conferida, havendo um ex-Presidente da República vivo.
A indicação da vice-presidente do MPLA, Luiza Damião, na linha destinada aos presidentes de partidos com assento parlamentar está ferida de ilegalidade, porquanto, o MPLA estar representado, no órgão, pelo seu presidente, João Lourenço, que cumulativamente, exerce as funções de Presidente da República. Isto por ela ser a 20.ª membro, logo extravasar, a alínea g), art.º 135.º: “Dez cidadãos designados pelo Presidente da República.”
À luz do Direito, algumas pertinências jurídicas devem ser tidas em linha de conta, neste artigo, elaborado mais para satisfazer interesses difusos de grupos, do que jurídico-republicanos, porquanto a al.ª c) do n.º 2 do art.º 135.º não deveria alojar o Tribunal Constitucional, mas o Tribunal Supremo, atendendo à solenidade do art.º 181.º CRA: “(…) O Tribunal Supremo é a instância judicial superior da jurisdição comum”, logo o guardião, que administra a justiça em nome do povo.
Tanto assim é que, a maioria dos seus juízes, presidente e vice, têm de ser, obrigatoriamente, magistrados judiciais, sendo o Conselho Superior da Magistratura Judicial (n.º 1, art.º 184.º): “o órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial; (…) competindo-lhe, b) Designar os juízes do Tribunal Constitucional, nos termos da Constituição e da lei”; sendo ainda, exclusivamente, (…) n.º 2: “O Conselho Superior da magistratura Judicial é presidido pelo Presidente do Tribunal Supremo”. Significa não ser possível, o presidente do Tribunal Constitucional, órgão de especialidade, segundo o n.º 1, art.º 180.º CRA: “(…) compete, em geral, administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional (…)”.
Ademais, os magistrados do Constitucional, num país sério, com as características do angolano, não deveriam jubilar, por terem, não só, mandato inamovível de sete anos, mas não trilharem os corredores da jurisdição comum, cujo exercício transcende o mandato inamovível.
As constantes violações, má-interpretação da Constituição e das leis, descredibilizam a noção republicana do MPLA, cujos pergaminhos de ditadura, se incompatibilizam dos ditames da democracia. É no quadro desta anormalidade que o vencedor, nas urnas, derrotado, na secretaria pela Comissão Nacional Eleitoral e Tribunal Constitucional, se propunha apadrinhar verdadeiras e urgentes reformas constitucionais, para devolver o carácter de verdadeira República ao país.
O país está carente, desde 1975, de um “Projecto-País”; da institucionalização de um poder Constituinte, visando a eleição de uma verdadeira, imparcial e cidadã Assembleia Constituinte, integrada por todas as sensibilidades do mosaico, multiétnico, multicultural, multilinguístico, do país.
A missão primeira desta Assembleia será a elaboração de uma nova e real Constituição, onde a prevalência dos costumes, seja capaz de incorporar o direito costumeiro (matriz gestora dos ilícitos e conflitualidade nas polis – territórios – habitados por 75% dos autóctones), com igual prevalência do direito positivo (lei); as línguas angolanas representativas do nosso diversificado mosaico identitário, tenham alojamento, tal como o português; o usucapião seja abrangente, a terra propriedade do povo; a definição da raça, a soberania das riquezas nacionais, a não privatização ao capital estrangeiro de terras aráveis; minas, poços petrolíferos, portos, aeroportos, etc..
A nova Constituição definirá e clarificará o sistema político, a eleição directa do Presidente da República; Eleições autárquicas; despartidarização da CNE; Tribunal Constitucional; Tribunal Supremo; Polícia Nacional; Órgãos de Segurança; Forças Armadas; Criação de Tribunal Eleitoral.
É preciso vaporizar a sociedade com um aroma republicano, capaz de afastar a malícia, batota, fraude, ilegalidade e ilegitimidade da solenidade que deve nortear a tomada de posse do mais alto magistrado do país.
A missão, visando a proclamação da independência imaterial, é tarefa hercúlea, mas não impossível. O 24 de Agosto de 2022, marcou a diferença na geografia mental de cada cidadão eleitor. Jamais as forças do mal terão descanso, por mais que limpem as armas e afinem a batota.
Alternância entre os dois partidos da guerra civil é como escolher entre feijão preto e feijão vermelho. A base do governo sera a mesma, porque nenhum desses dois partidos almeja ser outra coisa que não for um partido hegemônico.
O senhor Tonet tem boas idéias para uma nova constituição. Porém, não adianta se a população não estiver disposta a defendê-la.