O analista angolano Eugénio Costa Almeida considerou hoje, em declarações à Lusa, que a divulgação das contas enquadráveis no que se convencionou chamar ‘Luanda Leaks’ provocou pouco mais do que o fim de uma certa nomenclatura económica e a saída de Isabel dos Santos do país.
“Tirando o facto de ter acabado com uma certa nomenclatura económica, não me parece que tenha havido grande desenvolvimento, particularmente em termos de melhorar a classe económica, que permitisse uma substituição daqueles que foram projectados para fora do tecido económico angolano”, disse o investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE.
A propósito do segundo aniversário dos ‘Luanda Leaks’, divulgados pela primeira vez a 19 de Janeiro de 2020, Eugénio Costa Almeida diz que “na prática o ‘Luanda Leaks’ só criou a saída de Isabel dos Santos e de algumas pessoas que estava na área da tutela”.
Um consórcio de jornalistas (supostamente de investigação) revelou a 19 de Janeiro de 2020 mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de ‘Luanda Leaks’, que detalham esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo (entretanto já falecido), que estarão na origem da fortuna da família.
Questionado sobre a razão de o espaço deixado vago com a saída de Isabel dos Santos não ter sido preenchido, o académico respondeu: “Nós nunca tivemos em Angola uma classe dirigente e económica forte, assente em empresários, todos aqueles que existiram estava ligados ao poder e todo o dinheiro que conseguiram gerar e obter, segundo se tem vindo a verificar, pelas chamadas nacionalizações ou retorno de capitais, foi de forma ilícita ou irregular, portanto não se criou e não tivemos até agora uma classe empresarial bem sustentada e as novas empresas e empresários que se estão a criar são e continuam a ser sustentados com o apoio do Estado”.
Eugénio Costa Almeida deixa ainda um alerta, quando perguntado sobre se esta falta de novos empresários distantes do poder político pode perpetuar a situação identificada nos documentos divulgados pelo ‘Luanda Leaks’: “Se nada for feito, poderá acontecer uma vez mais, mas sejamos honestos, o Luanda Leaks nunca foi bem esclarecido nos devidos contornos, tudo o que foi divulgado foi um pouco pela rama, passaram dois anos e ainda hoje se está a nacionalizar capitais de forma irregular e tendo sido tomados irregularmente, compreende-se que tenham de ser devolvidos ao erário público”.
O país vive hoje um contexto pré-eleitoral e a oposição uniu-se para derrubar o actual partido no poder há 46 anos, o MPLA. “Este não vai ser o tema principal da campanha, o tema principal será a corrupção e o desemprego, a inflação elevada e o facto de o poder estar num partido desde a independência”, considera Eugénio Costa Almeida, concluindo: “O ‘Luanda Leaks’ já passou de moda”.
O Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ), que integra vários órgãos de comunicação social, entre os quais o Expresso e a SIC, leu ao longo de vários meses, 356 gigabytes de dados relativos aos negócios de Isabel dos Santos entre 1980 e 2018, que ajudam a reconstruir o caminho que levou a filha do ex-presidente angolano, José Eduardo dos Santos, a tornar-se a mulher mais rica de África, divulgando as principais conclusões no princípio de 2020.
Durante a leitura dos documentos, os jornalistas ditos de investigação identificaram mais de 400 empresas (e respectivas subsidiárias) a que Isabel dos Santos esteve ligada nas últimas três décadas, incluindo 155 sociedades portuguesas e 99 angolanas.
A empresária angolana reagiu à divulgação considerando que a investigação é baseada em “documentos e informações falsas”, num “ataque político” coordenado com o Governo angolano.
“As notícias do ICIJ [Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação] baseiam-se em muitos documentos falsos e falsa informação, é um ataque político coordenado em coordenação com o ‘Governo Angolano’ (sic). 715 mil documentos lidos? Quem acredita nisso?”, reagiu a empresária, em inglês, através da sua conta do Twitter, no próprio dia da divulgação das notícias.
“MPLA Leaks”? Só noutra era…
Apesar das revelações do ‘Luanda Leaks’, os problemas em Angola continuam por resolver. Quando todos pensavam que, por milagre, os jacarés passariam a ser vegetarianos…
“Raramente um bilionário caiu tanto e tão depressa; mas em Angola e noutras partes do mundo, os males sistémicos que a investigação ‘Luanda Leaks’ trouxe para a ribalta – corrupção, a saída de riqueza para centros ‘offshore’ e uma indústria de dinheiro sujo que cria e acelera o roubo de nações inteiras – continua largamente por resolver”, lê-se num texto de Will Fitzgibbon, coordenador das parcerias em África e no Médio Oriente do Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ) e publicado em Dezembro de 2020.
Dois anos depois da revelação de documentos que lhes caíram no colo, a “investigação” (no caso sinónimo de divulgação) jornalística conhecida por ‘Luanda Leaks’, e que incidiu principalmente (sem que quase ninguém tivesse estranhado) sobre os negócios da empresária Isabel dos Santos em Angola, o ICIJ usa as palavras da activista Laura Macedo para concluir que “os ‘Luanda Leaks’ foram uma lufada de ar fresco que entraram pela janela”. É pena que se esqueçam que Angola é uma casa sem janelas, em muitos casos até mesmo sem… paredes.
Apesar disso, o coordenador do ICIJ para África elogiou João Lourenço (pudera!) por ter agido rapidamente do ponto de vista judicial contra antigos responsáveis do Governo anterior, mas lamentou que seja “menos receptivo ao auto-exame”. E que tal alguém perguntar ao ICIJ se nos documento que recebeu não constam sobejas informações e provas relativas a João Lourenço, então vice-presidente do MPLA e ministro da Defesa do pai de Isabel dos Santos, José Eduardo dos Santos?
A queda da filha do antigo Presidente José Eduardo dos Santos, afirma-se, foi “cataclísmica”, tendo em conta que Isabel dos Santos “chegou a jantar com presidentes de empresas globais e posou em carpetes vermelhas com presidentes, príncipes e com a elite de Hollywood”, deu entrevistas (algumas por encomenda) a impolutos “jornalistas” (de “investigação”?) estrangeiros, “mas depois o seu círculo privado e as empresas relacionadas estão sob investigação criminal em três países, estando impedida de aceder a activos avaliados em centenas de milhões de dólares e entre os seus principais investimentos, foi forçada a ceder o controlo em três companhias, pelo menos sete foram bloqueadas no âmbito dos processos judiciais e outra está em falência”.
Os advogados, conselheiros e contabilistas “afastaram-se depois de assinarem as auditorias e gizado estratégias de contorno de pagamento de impostos”, e as “reportagens” do ICIJ mostraram como os conselheiros profissionais nas nações ocidentais tornaram possível que dos Santos desviasse a riqueza do seu país para contas pessoais.
O jornalista Will Fitzgibbon citou, na altura, a directora da Transparência Internacional em Portugal para sustentar que ainda há muito por resolver, e não só em Angola. Isto, é claro se alguém tiver coragem de, como fez o Folha 8, dizer que quem viu (como João Lourenço) roubar, ajudou a roubar e beneficiou do roubo é… ladrão.
“Os ‘Luanda Leaks’ foram a chave para o aumento do activismo anticorrupção em Angola e trouxeram nova atenção para os contabilistas e outros que foram cúmplices no desvio sistemático de fundos públicos para ganho privado”, considerou Karina Carvalho, acrescentando: “Mas também vejo a continuidade das estruturas de poder que impedem a devolução dos activos roubados ao povo angolano e protegem os lucros da lavagem da dinheiro e da evasão fiscal; estes facilitadores têm uma parte da responsabilidade pelas pobres condições de vida, incluindo fome e morte que afectam milhões de pessoas em todo o mundo”. Vinte milhões são angolanos.
Para levar a bom termo o seu desiderato de poder unipessoal, João Lourenço, justa ou injustamente, está a ser acusado de ter comprado, subornado, corrompido, a nata que se julgava a “inteligentsia” do MPLA, nomeadamente os seus deputados, através de mordomias e avenças por baixo da mesa. Desta forma, a corrupção passou de endémica a sistémica (faz parte do sistema), alojando-se no centro da maioria do poder legislativo.
Enquanto uma sociedade sã faz aumentar a riqueza e dessa forma diminuir a exclusão, uma que se sustenta na corrupção em geral e na sistémica e particular, não cria riqueza mas apenas ricos. É exactamente o que se passa no nosso país. Quando agentes públicos e privados, todos gravitando na esfera do MPLA/Estado, desviam milhões e milhões de dólares destinados à saúde, educação, saneamento, habitação e infra-estrutura, estão a trabalhar para os poucos que têm milhões e não para os milhões que têm pouco… ou nada. A corrupção está incrustada em nossa sociedade há 46 anos.
A perseguição cega de castigar, prender e discriminar os ricos que estavam do lado de José Eduardo dos Santos esquecendo os demais, atenta contra a estabilidade de emprego de milhões e afasta investimentos externos, avessos à instabilidade interna e à balbúrdia bancária. Mais grave em tudo isso é querer-se enveredar para uma reforma, tendo a corrupção no epicentro, amedrontando-se o dinheiro.
Quando um regime amedronta o dinheiro a corrupção passa a actuar, com mais intensidade no submundo, atentando contra todos os direitos da maioria. Por outro lado, reconheça-se ser a actual estratégia (considerando ser estratégia) do presidente João Lourenço, a melhor forma de, honestamente, se dar razão ao músico e activista irlandês, Bob Geldof, quando, no dia 06.05.2008, em Lisboa disse: “Angola é um país gerido por criminosos. As casas mais ricas do mundo estão na baía de Luanda, são mais caras do que em Chelsea e Park Lane. Angola tem potencial para ser um dos países mais ricos do mundo, com potencial para influenciar as decisões da China. Estamos (os cidadãos europeus) a poucos quilómetros de África, como podemos não nos questionar?”
Hoje quando a indignação aponta que os corruptos e demais ladroagem está concentrada num partido, apresentado como o que têm mais ladrões por metro quadrado no mundo, isso significa, ser exímio o projecto de João Lourenço, para num futuro próximo, talvez, nas próximas eleições gerais, os povos, não continuem a votar, num bando de criminosos ou numa quadrilha, que diante da imparcialidade, não haverá lugar, nas fedorentas masmorras do próprio regime.
É preciso ponderação de todas as partes, para que o país não resvale, para uma nova confrontação, onde os ricos com necessidade férrea de defender o património, sejam compelidos a despedir massivamente e encerrar empresas, causando um caos social de repercussões incalculáveis, o que aliás já está a acontecer.
Folha 8 com Lusa