MARCELO VAI BRANQUEAR A FRELIMO

O Presidente da República de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, vai iniciar na quinta-feira uma visita oficial de quatro dias a Moçambique, durante a qual irá a duas unidades da missão de formação militar da União Europeia (UETM). Diz-se que também vai dar uns bitaites sobre a posição de Moçambique, e também de Angola, sobre a guerra da Rússia contra a Ucrânia.

Numa nota publicada no sítio oficial da Presidência da República na Internet, é realçada a “forte componente militar” desta visita oficial – inicialmente prevista para Janeiro e adiada devido à pandemia de Covid-19 – que acontece “a convite do seu homólogo moçambicano, Filipe Nyusi”.

Esta será a terceira deslocação de Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto chefe de Estado, a Moçambique, onde fez a sua primeira visita de Estado, em Maio de 2016, circunscrita à capital e arredores, e regressou em Janeiro de 2020, para a posse de Filipe Nyusi após a sua reeleição como Presidente, ocasião em que, além de Maputo, foi à Beira.

Marcelo Rebelo de Sousa chegará a Maputo na quinta-feira de manhã, dia em que será recebido por Filipe Nyusi no Palácio da Presidência, com honras militares. O programa desta visita inclui um outro encontro institucional, na Assembleia da República.

No quadro da cooperação militar bilateral, “o Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas irá visitar a Escola de Fuzileiros Navais moçambicanos” e, no quadro da cooperação militar europeia, “o contingente nacional, nomeadamente dois centros de treino” da EUTM, no distrito da Katembe, na parte sul da baía de Maputo, e no Chimoio, na província de Manica.

A Presidência da República salienta, por outro lado, a “dimensão empresarial” desta visita, durante a qual Marcelo Rebelo de Sousa, juntamente com o Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, irá inaugurar um empreendimento turístico do Grupo Visabeira, junto ao Índico, na Reserva Especial de Maputo.

Segundo o programa, os dois chefes de Estado vão também inaugurar a Academia Aga Khan em Moçambique, na presença do príncipe Rahim Aga Khan, filho do líder espiritual dos ismaelitas.

Na capital de Moçambique, “está igualmente previsto o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa visitar a Escola Portuguesa de Moçambique, bem como a Universidade Eduardo Mondlane para assinalar os 30 anos da cooperação entre a Faculdade de Direito desta instituição e a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e encontrar-se com a comunidade portuguesa”.

“A visita constitui também uma oportunidade para abordar um conjunto de temas relevantes nos planos bilateral e multilateral”, lê-se no texto.

Hoje, em declarações aos jornalistas no Palácio de Belém, em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa apontou como “justificação adicional” para esta visita o papel de Moçambique como “peça fundamental da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)”.

Em seguida, assinalou que, “perante a situação vivida agora na Ucrânia, Moçambique e Angola tiveram posições de voto que não foram exactamente as mesmas da maioria dos países da CPLP, mas foram sensíveis à ideia de não se oporem à condenação” – referindo-se às abstenções destes dois países (ambos governados, desde a independência, pelos mesmos partidos, FRELIMO e MPLA, respectivamente) em relação à resolução de condenação à agressão russa contra a Ucrânia aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

Marcelo Rebelo de Sousa considerou que a sua visita a Moçambique será uma oportunidade para se falar do “enriquecimento da CPLP” e para uma “troca de pontos de vista” sobre a conjuntura global actual. Ou seja, mais do mesmo na esperança de substituir seis por… meia dúzia.

O programa da sua visita termina no domingo e o chefe de Estado português viaja para Portugal na segunda-feira de manhã.

Marcelo Rebelo de Sousa está pessoalmente ligado a Moçambique, que conheceu entre os 19 e os 20 anos, em temporadas de férias dos estudos na Faculdade de Direito de Lisboa, durante o mandato do seu pai, Baltazar Rebelo de Sousa, como governador-geral (1968-1970) da então província ultramarina, em plena guerra colonial.

Duas décadas depois do 25 de Abril de 1974 e da independência de Moçambique em 1975, visitou o país em funções políticas, como presidente do PSD, activo na defesa de uma política externa que desse primazia à relação com os países de língua portuguesa, em detrimento da Europa.

Na qualidade de professor universitário de Direito, deslocou-se frequentemente a Moçambique, para conferências e acções de intercâmbio académico, e chegou a fazer emissões dos seus programas de comentário televisivo a partir de Maputo.

Recorde-se que, no dia 2 de Março, a Assembleia-Geral da ONU aprovou uma resolução que condena a invasão russa da Ucrânia, com o apoio de 141 dos 193 Estados-membros das Nações Unidas. Angola e Moçambique, não vale a pena tentar tapar o sol com uma peneira, estiveram ao lado de Vladimir Putin, embora escondendo-se cobardemente atrás da abstenção.

O texto “deplora” a agressão russa contra a Ucrânia e “exige” a Moscovo que ponha fim a esta intervenção militar e retire imediatamente e incondicionalmente as suas tropas do país vizinho.

A resolução teve apenas cinco votos contra (Rússia, Bielorrússia, Síria, Coreia do Norte e Eritreia) e 35 abstenções, entre as quais Angola e Moçambique. Cabo Verde (país que João Lourenço acaba de visitar), São Tomé e Príncipe e Timor-Leste votaram a favor, como Portugal e Brasil, e o voto da Guiné-Bissau não ficou registado.

Precedida por mais de dois dias de intervenções na ONU, a resolução também “condena a decisão da Rússia de aumentar o alerta das suas forças nucleares”.

O texto, apresentado pela União Europeia em coordenação com a Ucrânia e subscrito por mais de uma centena de países, lamenta “nos mais veementes termos a agressão da Rússia à Ucrânia” e afirma “o seu apoio à soberania, independência, unidade e integridade territorial” deste país, incluindo “as suas águas territoriais”.

Intitulada “Agressão contra a Ucrânia”, a resolução apela ainda ao acesso sem entraves à ajuda humanitária e “lamenta o envolvimento da Bielorrússia” no ataque à Ucrânia.

A Assembleia Geral da ONU foi convocada para esta sessão de emergência, a primeira desde 1997, depois de não ter sido possível fazer passar uma resolução condenando a invasão russa da Ucrânia no Conselho de Segurança, onde a Rússia, como membro permanente, tem poder de veto.

Na Assembleia Geral não há poder de veto e, de acordo com as regras especiais da sessão de emergência, uma resolução precisa da aprovação de dois terços dos países que votam, e as abstenções não contam.

As resoluções deste órgão plenário não são juridicamente vinculativas, mas têm influência e reflexo na actuação e opinião internacional.

Antes, 50 países, incluindo Portugal, subscreveram nas Nações Unidas uma declaração sublinhando que “Putin é o agressor” da Ucrânia, e prometendo levar a condenação da Rússia à Assembleia Geral da ONU, na sequência do veto russo no Conselho de Segurança.

“O presidente Putin escolheu violar a soberania da Ucrânia. O presidente Putin escolheu violar a lei internacional. O presidente Putin escolheu violar a Carta da ONU. O presidente Putin optou por lançar bombas em Kiev, para forçar as famílias a fazer as malas e abrigarem-se em estações de metropolitano. O presidente Putin é o agressor aqui. Não há meio-termo”, refere a declaração conjunta, divulgada.

A Rússia vetou a resolução do Conselho de Segurança isolada numa votação que alcançou 11 votos a favor e três abstenções, incluindo da China.

Sob o regime autoritário (democrático, na definição do MPLA) de Vladimir Putin, grupos democráticos e de direitos humanos são sistematicamente visados. Milhares de manifestantes foram presos no início de 2021 por participarem de várias manifestações em apoio a Alexey Navalny, a oposição mais conhecida do país a Putin.

Na sua habitual conferência de imprensa anual, o Presidente russo justificou o aumento de opositores presos com a necessidade de conter a influência estrangeira e “desnazificar” o país e arredores.

O Presidente russo negou (tal como faz o MPLA em Angola) a existência de repressão na Rússia, defendendo que as prisões de opositores, que aumentaram significativamente em 2021, não se destinam a amordaçar os detractores, mas sim a conter a influência estrangeira.

“Lembro o que os nossos adversários dizem há séculos: ‘A Rússia não pode ser derrotada, só pode ser destruída por dentro’”, afirmou Vladimir Putin, sublinhando que foi esse raciocínio que provocou a queda da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), há 30 anos.

Folha 8 com Lusa

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