O médico angolano Jeremias Agostinho considerou hoje que o sector da saúde continua a ser um desafio e necessita de maior investimento no sistema primário, para evitar mortes, ainda lideradas pela malária, cujos números dispararam nos últimos dois anos.
O especialista de saúde pública falava hoje na II Conferência Nacional “Pensar Angola” sobre “Desafios e Oportunidades para o Sistema de Saúde Angolano”.
Segundo Jeremias Agostinho, o primeiro desafio a ser ultrapassado é a inversão da dotação orçamental para o sector da saúde, apesar de, nos últimos quatro anos, a tendência estar a mudar.
“Desde 2017 até 2022, o orçamento que é disponibilizado para o sector da saúde vai crescendo a cada ano. Infelizmente, e este é um desafio e o primeiro que tem de se combater, tem a ver com a execução do orçamento que é disponibilizado para o sector da saúde”, disse o médico.
O profissional da saúde acrescentou que quase nunca se atinge a execução de 100% do planificado para o sector, variando entre 60% e 70%.
“É preciso mudar isso, porque o nosso país assinou compromissos muito importantes, como a meta de Dakar, de Abuja, em como iria disponibilizar cerca de 15% do Orçamento Geral do Estado (OGE) para o sector da saúde. Já atingimos um máximo de 6,1%, ou seja, falta-nos ainda 8,5% para atingirmos essa meta”, salientou.
Jeremias Agostinho considerou importante que a situação mude, tendo em conta as altas taxas de mortalidade que o país ainda regista, cuja principal causa é a malária.
“Em 2013, o nosso país diagnosticou mais de três milhões de casos de malária e esse número subiu, em 2019, para cerca de sete milhões de casos. Nos anos 2020 e 2021, esse número voltou a aumentar em torno de 50%, ou seja, nunca se identificaram tantos casos de malária como nesses anos”, avançou.
No que se refere às principais causas de mortalidade, Jeremias Agostinho apontou a malária, seguida da tuberculose e os acidentes de viação.
“Só em 2013, foram, no que concerne à malária, 7.300 pessoas que perderam a vida, em 2019 este número baixa de forma significativa, fomos obtendo bons resultados em relação à malária desde a crise que tivemos em 2016. Em 2016, foram, num único ano, mais de 16 mil pessoas que perderam a vida por malária e em 2019 este número baixou para cerca de oito mil”, frisou.
O médico lamentou que com a pandemia da Covid-19 a maior parte do apoio tenha sido direccionado para esta doença, tendo as principais doenças “passado para um segundo plano”, provocando que, em 2020, fossem registadas 11 mil mortes por malária, subindo em 2021 para cerca de 13 mil.
“São números claramente preocupantes e todo o trabalho deve ser feito no sentido de reduzir esse número”, disse.
Entre 2018 e 2019, cerca de 25 milhões de cidadãos procuraram os serviços de saúde, referiu Jeremias Agostinho, expressando que “infelizmente ainda se adoece muito” em Angola.
Dos cerca de 25 milhões de cidadãos que procuraram os serviços de saúde, 15 milhões procuraram os hospitais “porque tinham uma doença ligada ao saneamento básico”.
“Ou seja, o acumular de lixo que temos em muitas províncias e a falta de acesso à água potável, o défice no sistema de drenagem, quer seja das águas resultantes das chuvas como domésticas foram o motivo que fizeram com que 80% das pessoas tivessem doenças e acorressem a uma unidade de saúde”, disse.
“Infelizmente, destes 15 milhões de doentes, cerca de 25 mil faleceram (…), dos quais 19.737 indivíduos perderam a vida em dois anos por causa da malária, ou seja, a malária é um fardo enorme para o nosso sistema de saúde”, referiu.
Relativamente aos recursos humanos, Jeremias Agostinho disse que ainda é reduzido o número de profissionais – cerca de dois médicos por cada 10 mil habitantes.
“Estes profissionais, infelizmente, não têm a valorização e o apoio que necessitam, e é este aspecto que tem contribuído para a fuga de muitos quadros para o exterior”, adiantou o profissional de saúde.
O médico criticou também a política de priorização de investimentos para o sistema terciário em vez do primário, com 70% e 30% do orçamento para o sector da saúde, respectivamente.
Em Abril de 2012, o Jornal de Angola (esse órgão de referência mundial) escrevia que as autoridades sanitárias angolanas previam iniciar, a partir de 2015, o processo de pré-eliminação da malária, a doença tropical que mais óbitos provoca no país. Em manchete escrevia: “Malária em Angola em vias de extinção”.
O coordenador do Programa de Luta contra a Malária (Filomeno Fortes) explicou então que a probabilidade de Angola iniciar o processo de pré-eliminação da doença reside na contínua redução de casos da doença. Notável.
Filomeno Fortes, que falava à margem da reunião extraordinária da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) sobre saúde, frisou que as autoridades angolanas e os seus parceiros estavam empenhados em baixar, cada vez mais, o índice de mortalidade por malária no país.
“A manter-se este nível de redução, a partir de 2015 podemos pensar na possibilidade da pré-eliminação da doença no país”, sublinhou (com os resultados que se conhecem) Filomeno Fortes.
O médico disse então que, há dez anos, o país registava 20 mil óbitos por ano, mas actualmente (2012) o número baixou para uma média de seis mil, devido ao esforço desenvolvido pelo Executivo (como acontece desde 1975) no sector da saúde, que estabelece a redução de casos de paludismo entre as populações.
Filomeno Fortes disse acreditar que, em 2013, iria haver uma diminuição da mortalidade por malária, cuja cifra deve fixar-se em cerca de quatro mil óbitos por ano.
O médico revelou haver falsos diagnósticos de malária devido à existência de certos vírus que provocam sintomas semelhantes aos causados pelo paludismo.
“Realizámos estudos que comprovam a existência de alguns vírus que provocam quadros clínicos parecidos com os da malária, como febres, dores de cabeça e articulares”, acentuou Filomeno Fortes. Sobre este assunto, salientou que, por não haver capacidade para a realização de um diagnóstico diferencial, certos técnicos de saúde continuam a diagnosticar falsamente esses casos como malária.
O presidente da reunião de peritos da SADC, Augusto Rosa Neto, disse que foi aprovada a assinatura de um memorando de entendimento para a criação de laboratórios supranacionais de referência, em centros regionais de excelência.
“Neste momento, existem laboratórios na África do Sul, Zimbabwe e Botswana, que vão atender os casos de malária, tuberculose e VIH/Sida dos países membros da SADC”, informou.
Os laboratórios nacionais vão continuar a funcionar normalmente, mas os que não têm condições para realizar exames podem enviar para os países membros que dispõem de capacidade.
O Lesoto, as Ilhas Maurícias e as Seychelles são os três países da SADC que já não registam casos de malária, enquanto Moçambique é aquele que regista o maior índice de casos. Na altura, a directora nacional adjunta de Saúde Pública de Moçambique, Rosa Marlene, apontou como causas principais a situação epidemiológica e as questões ecológicas resultantes do clima.
“Moçambique é uma região que tem grandes rios e muita água na costa. Por essa razão, já tivemos dez milhões de pessoas infectadas com malária. Neste momento, estamos com três milhões de casos”, sublinhou a responsável moçambicana.
A doença é uma das principais causas de morte em Moçambique, razão pela qual tem sido prioridade do governo coordenar os métodos de prevenção e de cura.
“Este encontro tem vantagens porque, para conseguirmos eliminar a malária, as acções têm de ser concertadas e, com a troca de experiências e informação, podemos chegar a melhores soluções”, acrescentou Rosa Marlene.
Folha 8 com Lusa