O Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, bajulador-mor do MPLA, disse hoje, em Luanda, que o funcionamento das instituições não se esgota no voto e que os povos “querem ter as suas opiniões expressas no parlamento”.
Por Orlando Castro (*)
Marcelo Rebelo de Sousa chegou hoje a Luanda para assistir à investidura do Presidente (supostamente) eleito, o seu amigalhaço João Lourenço, cerca de duas semanas depois de ter estado na capital angolana para as cerimónias fúnebres do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, outro dos seus amigalhaços. Aliás, basta ser do MPLA (e estar, é claro, no Poder) para ganhar o estatuto de amigalhaço atribuído por Marcelo.
“Em sistemas políticos abertos há fenómenos naturais. Um é que nos parlamentos haja várias vozes, de pesos diversos, e aproveitem os seus lugares para exprimir as suas posições. Isso dá uma força muito grande à vivência cívica e política”, salientou o chefe de Estado português, numa forma sub-repetícia de branquear e legitimar a “vitória” fraudulenta do MPLA.
O MPLA, partido que governa Angola desde a independência em 1975, e que apesar desse tempo de governo conseguiu fazer que Angola tenha 20 milhões de pobres, “venceu” as eleições de 24 de Agosto, segundo os dados da sucursal eleitoral do MPLA (CNE) e confirmados por outra das suas sucursais, o Tribunal Constitucional (como Marcelo Rebelo de Sousa bem sabe), com o pior resultado de sempre, conquistando 124 mandatos, enquanto a rival UNITA obteve o maior número de deputados da sua história, ganhando 90 assentos, mas contesta os resultados eleitorais oficiais.
Questionado sobre a possibilidade de os deputados da oposição angolana não tomarem posse, Marcelo Rebelo de Sousa considerou que “os povos querem ter as suas várias opiniões expressas no parlamento”, tal como “no dia-a-dia os cidadãos vão também exprimindo as suas opiniões”.
“Isso faz parte da riqueza da vivência política, em paz, que é uma realidade que todos nós prezamos muito”, sublinhou Marcelo Rebelo de Sousa que, certamente, lamenta que este ano não tenha sido o primeiro a dar os parabéns a João Lourenço, já que em 2017 foi o primeiro que o felicitou… mesmo antes de os resultados oficiais terem sido divulgados. Poderia tê-lo feito. Aliás, mesmo antes de os angolanos votaram já se sabia quem iria vencer. Já este ano, segundo o próprio João Lourenço, Marcelo disse-lhe que não era preciso muito esforço porque… o “MPLA já ganhou”.
No entender de Marcelo Rebelo de Sousa, “é bom que haja pontos de vista diversos e que se vão manifestando, uns maioritários, outros minoritários”, em função da evolução dos acontecimentos, que determina também aquilo que vai sendo a vontade do povo. Claro. Claro. Excelente pedagogia. Todos se podem manifestar e dizer o que pensam, desde que o MPLA continue no poder. Já lá está, com a relevante e inesquecível ajuda de Marcelo, há 47 anos.
“O povo vota, mas o funcionamento das instituições não se esgota no voto, depois há o trabalho do dia-a-dia, as leis que se fazem, os deputados políticos, a evolução das circunstâncias”, notou o Presidente da República. Muito bem. E que tal Portugal adoptar a prática do MPLA, fazendo com que – por exemplo – o líder do PS seja também Titular do Poder Executivo (primeiro-ministro), Presidente da República, Comandante-em-Chefe das Forças Armadas?
Marcelo Rebelo de Sousa destacou também que “a história não pára nunca num momento determinado”. “Não há um fim da história, há sempre mais história para lá do fim da história. Até a mim já me aconteceu isso tantas vezes, parecia o fim da história, na minha vida e nos sectores políticos onde estava, e depois afinal havia mais história. Essa realidade é muito viva”, comentou. Tem razão. A história só acaba para os milhões (milhões, senhor Presidente da República de Portugal) de angolanos que todos os dias não conseguem pôr em prática as ordens do MPLA para aprenderem a viver sem… comer.
João Lourenço toma posse na quinta-feira, após umas eleições em que os partidos da oposição, a sociedade civil não reconheceram os resultados oficiais anunciados pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE/MPLA) e se mostram divididos quanto à tomada de posse.
Quanto a João Lourenço, terá certamente de se recriar neste novo mandato, comentou Marcelo Rebelo de Sousa: “O Presidente foi reeleito em circunstâncias diferentes, apontando para um contexto internacional que se deseja diferente, e em função disso as mesmas pessoas nunca são iguais, acabam por ter de se recriar porque as circunstâncias não são iguais. Todos nos recriamos um pouco, todos os dias, em política”, destacou.
Se o MPLA dizia (antes de o passar de bestial a besta) que José Eduardo dos Santos era o “escolhido de Deus”, Marcelo Rebelo de Sousa diz que João Lourenço é o próprio “Deus”. Portanto…
Marcelo Rebelo de Sousa, ao elogiar o “projecto de paz, de democracia, de regeneração financeira, de desenvolvimento económico, de combate à corrupção” protagonizado pelo Presidente do MPLA, João Lourenço, mostra que não sabe o que diz nem diz o que sabe. Mas não está só. Em Portugal, António Costa (sem esquecer a segunda figura do Estado, Augusto Santos Silva) todos dizem o mesmo. É normal. Quando se está no Poder todos são bestiais. Quando deixam de estar são, regra geral, bestas.
Todos nos recordamos de, numa intervenção durante um jantar oficial oferecido por João Lourenço, no Palácio Presidencial, em Luanda, Marcelo Rebelo de Sousa o saudar como “o vulto cimeiro de um novo tempo angolano”. Não se terá lembrado de o propor para um Prémio Nobel, mas quando “descobrir” que existem 20 milhões de angolanos pobres… vai propor. Justamente, acrescente-se.
“Vossa excelência protagoniza-o com um projecto de paz, de democracia, de regeneração financeira, de desenvolvimento económico, de combate à corrupção, de afirmação regional e mundial. Nós, portugueses, seguimos com empenho essa aposta de modernização, de transparência, de abertura, de inovação, de acrescida ambição”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, bem ao estilo dos sipaios coloniais, mas com uma substancial diferença. Estes eram obrigados a bajular, o presidente português não é obrigado a isso. Ou será que é?
Segundo o Presidente português, João Lourenço protagoniza “um novo tempo angolano, na lúcida, consistente e corajosa determinação de aproveitar do passado o que se mantém vivo, mas, sobretudo, entender o que importa renovar para tornar o futuro mais possível, mais ambicioso e mais feliz para todos os angolanos”.
Bem dizia Eça de Queiroz, provavelmente antecipando a pequenez intelectual de um tal Marcelo que haveria de ser presidente de Portugal, que “os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão”.
Vejamos, por exemplo, o que disse Guerra Junqueiro, num retrato preciso e assertivo de Marcelo Rebelo de Sousa e de grande parte dos seus cidadãos: “Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não discriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro.
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.
Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar”.
Continuemos, para memória futura, com o brilhantismo bacoco de Marcelo. Diz ele que, da parte de Portugal, Angola conta com “o empenho de centenas de milhares que querem contribuir para a riqueza e a justiça social” com o seu trabalho, bem como “das empresas, a começar nas mais modestas, no investimento e no reforço do tecido socioeconómico angolano” e também com “o empenho das instituições públicas portuguesas, do Estado às autarquias locais”.
“Podem contar connosco na vossa missão renovadora e recriadora. Portugal estará sempre e cada vez mais ao lado de Angola”, acrescentou Marcelo Rebelo de Sousa, fazendo aqui e mais uma vez o exercício de passar aos angolanos um atestado de menoridade e matumbez.
Portugal, por sua vez, conta com a “incansável solidariedade” de Angola. “Contamos com os vossos trabalhadores, as vossas empresas, as vossas instituições públicas, a vossa convergência nos domínios bilateral e multilateral. Temos a certeza de que Angola estará sempre e cada vez mais ao lado de Portugal”, prosseguiu Marcelo no seu laudatório e hipócrita exercício de servilismo.
De acordo com o Presidente português, este “novo momento na vida de Angola” coincide com “um novo ciclo” nas relações bilaterais. “E nada nem ninguém nos separará, porque os nossos povos já estabeleceram o seu e o nosso caminho”, considerou Marcelo, sentindo o umbigo aos saltos, alimentado pela esperança de que os portugueses não acordem e os angolanos nunca lhe cobrem a cobardia. Mas vão cobrar.
“Porque estamos mesmo juntos, na parceria estratégica, na cooperação económica, financeira, educativa, científica, cultural, social e política. Porque no essencial vemos o mundo e a nossa pertença global e regional do mesmo modo, a pensar na paz, nos direitos humanos, na democracia, no direito internacional, no desenvolvimento sustentável, na correcção das desigualdades”, argumentou aquele que, em matéria de bajulação, bateu todos os recordes anteriores, desde Álvaro Cunhal a Rosa Coutinho, passando por Vasco Gonçalves, José Sócrates, António Costa, Cavaco Silva, Passos Coelho e tantos outros.
No final da sua intervenção, de cerca de sete minutos (que entrará para o “Guinness World Records” por ser o que mais bajulação fez em tão curto espaço de tempo), Marcelo Rebelo de Sousa disse que “a história faz-se e refaz-se todos os dias e nuns dias mais do que noutros”, acrescentando: “Estes que vivemos são desses dias”.
(*) Com Lusa