A embaixadora norte-americana nas Nações Unidas advertiu os Estados africanos que se “envolvem com países sancionados” pelos EUA, lembrando que a invasão russa da Ucrânia está a prejudicar o continente. Angola e Moçambique foram dois dos principais avisados.
“As nossas sanções contra a Rússia têm a intenção de desencorajar os russos de continuar a sua agressão à Ucrânia […] Eu advertiria [os países africanos] para não se envolverem com países sancionados pelos Estados Unidos”, disse Linda Thomas-Greenfield, num discurso divulgado pela embaixada norte-americana em Maputo.
Linda Thomas-Greenfield falava durante as visitas de trabalho que realizou a três países africanos na última semana, nomeadamente Gana, Cabo Verde e Uganda.
Para a diplomata, embora os países africanos tenham a liberdade para tomar as suas próprias decisões sobre a política externa, o continente está também a sofrer com o impacto da guerra.
“Os africanos têm o direito de decidir as suas posições de política externa, livres de pressão e manipulação, livres de ameaças. Mas deixe-me ser clara […] Anteriormente, mais de 190 milhões de pessoas viviam em insegurança alimentar após a Covid-19. Bem, desde a invasão em larga escala na Ucrânia, estimamos que esse número pode subir para 230 milhões”, declarou Linda Thomas-Greenfield.
“O facto é que isto prejudica África”, frisou a diplomata, lembrando que a Rússia e a Ucrânia fornecem mais de 40% do suprimento de trigo ao continente.
“Independentemente do que sentem em relação à Rússia, todos nós temos um forte interesse comum em mitigar o impacto da guerra na Ucrânia na segurança alimentar”, acrescentou a diplomata, que esclarece ainda que as sanções que os EUA estão a adoptar contra a Rússia não se aplicam às exportações de alimentos e fertilizantes, mas sim para “commodities” (matérias-primas).
A posição da diplomata norte-americana ocorre num contexto em que Moçambique estuda a possibilidade de comprar petróleo russo, em rublos, caso essa opção seja viável, depois de Moscovo ter apresentado aos seus velhos e férreos amigos da Frelimo disponibilidade para esse mecanismo.
“Estou certo de que vamos estudar e verificar a viabilidade dessa oferta [da Rússia], se houver viabilidade, com certeza que [o petróleo russo] será adquirido” em rublos, afirmou Carlos Zacarias, ministro dos Recursos Minerais e Energia.
Moçambique (tal como Angola) esteve entre os países que se abstiveram em duas resoluções que foram a votos na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU): uma condenou a Rússia pela crise humanitária na Ucrânia devido à guerra e outra suspendeu Moscovo do Conselho de Direitos Humanos.
A Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, partido no poder desde a independência, tal como MPLA) foi um aliado de Moscovo durante o tempo da ex-URSS, tendo recebido apoio militar durante a luta contra o colonialismo português e ajuda económica depois da independência, em 1975.
Segundo dados oficiais, o volume anual das transacções económicas entre Moçambique e Rússia estavam estimadas em, pelo menos, 100 milhões de dólares (98,5 milhões de euros, ao câmbio actual).
A Rússia lançou em 24 de Fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que já matou mais de cinco mil civis, segundo a ONU, que alerta para a probabilidade de o número real ser muito maior.
A ofensiva militar russa causou a fuga de mais de 16 milhões de pessoas, das quais mais de 5,7 milhões para fora do país, de acordo com os mais recentes dados da ONU. Também segundo as Nações Unidas, 15,7 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária na Ucrânia.
A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas e políticas a Moscovo.
Angola é o MPLA, Moçambique é a Frelimo, Putin é o dono dos dois
Em Fevereiro de 2019, a consultora Eurasia considerou que a divulgação da existência de contratos entre Angola e as empresas envolvidas no escândalo da dívida oculta de Moçambique “podia beliscar ligeiramente” a imagem de João Lourenço.
“A agenda reformista de João Lourenço não vai, provavelmente, perder fôlego por causa deste desenvolvimento e apesar de a sua imagem de combate à corrupção possa ser ligeiramente beliscada, a campanha anti-corrupção focada na família de José Eduardo dos Santos e seus aliados vai provavelmente continuar”, escreveu o director para a África subsaariana desta consultora, Darias Jonker.
Num comentário à divulgação de contratos no valor de mais de 500 milhões de dólares entre o Ministério da Defesa de Angola e a Privinvest, a Eurasia disse que “o projecto da Privinvest em Angola é «notícias velhas», foi amplamente divulgado em 2016 e faz parte do projecto Pro-Naval decretado pelo antigo Presidente José Eduardo dos Santos para garantir um sistema de segurança marítimo para o país”.
Sobre o actual chefe de Estado angolano, que na altura era ministro da Defesa, Darias Jonker disse que “apesar de se ter distanciado da corrupção descarada da era de Eduardo dos Santos, era inevitável que os três anos passados no Governo do ex-Presidente da República como ministro da Defesa o ligassem a contratos militares questionáveis”.
A UNITA defendeu, na mesma altura, uma averiguação à denúncia sobre o alegado envolvimento do Ministério da Defesa, na tutela de João Lourenço, actual Presidente da República, Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, num negócio com empresas envolvidas nas “dívidas ocultas” moçambicanas.
A posição foi então manifestada pelo líder do grupo parlamentar da UNITA (hoje Presidente do partido), Adalberto da Costa Júnior, numa conferência que abordou questões ligadas à limitação (inexistência) da fiscalização dos deputados aos actos de governação.
Em causa estava, como o Folha 8 revelou, um relatório da consultora EXX Africa que alertou que Angola poderia enfrentar riscos reputacionais por o Ministério da Defesa angolano, na altura dirigido pelo actual chefe de Estado, João Lourenço, ter feito um negócio de 495 milhões de euros com as empresas envolvidas no caso das “dívidas ocultas” de Moçambique.
O “Relatório Especial” da EXX Africa sobre a ligação entre a empresa Privinvest e o Governo do MPLA (no Poder desde 1975), quando João Lourenço era ministro da Defesa, adiantava que “há indicações cada vez maiores de envolvimento de líderes políticos angolanos no escândalo moçambicano que ainda não foram totalmente divulgadas”.
O Ministério da Defesa de Angola, dizia esta consultora, “chegou a fazer um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest, num contrato com aparentemente notáveis semelhanças com a Prolndicus e MAM (em termos de palavreado e conteúdo), as empresas que estão no centro do escândalo da “dívida oculta” de Moçambique.
“Estas ligações e os negócios feitos arriscam-se a minar o ímpeto muito popular e mediático contra a corrupção, e podem também embaraçar os principais líderes políticos angolanos, e colocam riscos reputacionais para os investidores em Angola”, acrescentava o relatório.
Em causa estavam dois contratos que a EXX Africa diz terem sido assinados pelo Ministério da Defesa de Angola com as empresas Privinvest e Prolndicus, as duas empresas que negociaram empréstimos de mais de mil milhões de dólares à margem das contas públicas, em Moçambique.
“A conclusão mais significativa [da investigação levada a cabo pela consultora EXX Africa] é que a Simportex — uma empresa do Ministério da Defesa de Angola, e que entrou numa parceria com a Privinvest — assinou dois contratos significativos, no total de 122 milhões de euros, em 2015, com a Finmeccanica, depois chamada Leonardo S.p.A) para aquisições que a Privinvest poderia ter feito ela própria”, lê-se no documento.
Em Dezembro de 2015 a Simportex terá “assinado contratos para a compra e venda de equipamento, parte suplentes, e para dar instalação e treino para equipar um centro nacional e três centros de coordenação marítima regional, bem como para instalar várias estações de controlo, replicadores de sinal e meios de comunicação na costa angolana”.
O relatório explica que “o acordo foi feito entre o Ministério da Defesa e a Selex Company Ess num valor em kwanzas equivalente a 115 milhões de euros”, e incluía também “a compra e venda de dois veículos de patrulha ultra-rápidos, peças suplentes, ferramentas e serviços de treino, entre o Ministério da Defesa nacional e a companhia Whitehead Sistemi Subacquei SPA, num valor em kwanzas equivalente a 7,3 milhões de euros”.
Ainda em 2015, a consultora diz que Angola “entrou noutro acordo com a subsidiária francesa da Privinvest, a CMN (que construiu os barcos da EMATUM) para fornecer um projecto hidroeléctrico”, sobre o qual não são dados mais pormenores.
Citando uma fonte “próxima da ProIndicus”, a EXX Africa diz que João Lourenço, enquanto ministro da Defesa, visitou o projecto de Moçambique “enquanto parte de um esforço da Privinvest, liderada por Boustani, para lhe vender um pacote similar” ao que tinha apresentado a Moçambique.
O antigo vice-presidente Manuel Vicente, apresentado como alguém “que agora age como consultor financeiro e económico com extraordinários poderes e influência sobre as políticas públicas”, terá tido um “papel proeminente” nos acordos entre Angola e a Privinvest, já que terá apresentado o empresário Gabriele Volpi às autoridades moçambicanas, primeiro, e depois entre Jean Boustani e João Lourenço e a Privinvest.
O director da EXX Africa e autor do relatório diz que o mesmo “não acusa ninguém de qualquer acto ilícito nos negócios entre a Simportex e a Privinvest” e enfatiza que o objectivo é “alertar para o facto de que a Privinvest tem uma reputação controversa e que os negócios com esta firma devem ser sujeitos a um escrutínio mais próximo, preferencialmente pelo próprio Governo angolano”.
Questionado sobre os pormenores da investigação levada a cabo, Robert Besseling disse que “o objectivo era alertar os nossos clientes sobre a possibilidade de haver um risco reputacional que precisa de ser investigado mais em detalhe para eles limitarem a sua exposição” e conclui que “o precedente sobre o que aconteceu em Moçambique deve servir como um aviso para todas as partes envolvidas em grandes negócios de procuração em Angola”.
Entre os documentos apresentados pela Justiça norte-americana contra Jean Boustani e Manuel Chang, há uma apresentação de 27 páginas sobre o que é a Privinvest, na qual são apresentados exemplos de projectos em países como Alemanha, França e Angola, sendo que neste último mostra-se um desenho computorizado de uma fragata ligeira, de 90 metros, com o título Project Angolan Navy, mas sem mais pormenores além das especificações técnicas da fragata.
Folha 8 com Lusa