O Ministério Público (MP) angolano pediu esta terça-feira a manutenção das acusações e “condenação máxima” para o major Pedro Lussati e para os restantes 48 co-arguidos por agirem de “má-fé”, de “forma dolosa” e defraudarem o Estado angolano em milhões de dólares.
O julgamento do mediático caso Lussati prosseguiu na 3.ª secção do Tribunal da Comarca de Luanda com a apresentação das alegações orais do MP e da defesa, ocasião em que a acusação reafirmou que os arguidos estavam envolvidos num esquema fraudulento na Casa Militar do Presidente da República de Angola, general João Lourenço.
Segundo o MP, nas suas alegações, o major Lussati, tido como cabecilha do grupo, e os restantes co-arguidos agiram “dolosa e conscientemente” à data dos factos, entre 2008 e 2018, e “cada um trabalhou a seu nível” para defraudar o Estado angolano.
“Por tudo quando foi dito, o MP mantém firme a sua douta acusação e, em consequência, requer que sejam todos os arguidos condenados na aplicação de uma pena dentro do limite máximo da moldura penal abstracta em atenção à intensidade do dolo”, disse a magistrada do MP.
A aplicação da pena máxima, prosseguiu, deve ter em conta também o grau de culpabilidade de cada um no cometimento do crime, que se considera “elevadíssimo, ao seu comportamento moral e as circunstâncias em que os factos ocorreram”.
O número de crimes “e, em concurso, a gravidade dos mesmos, o facto de os arguidos estarem orgulhosos da prática dos crimes que cometeram, a apetência pela acumulação primitiva de capitais em prejuízo da maioria dos angolanos privados de emprego, ocupados por fantasmas, quando as vagas deveriam ser preenchidas por devidas almas”, são factores que, no entender do MP, devem concorrer para a elaboração da moldura penal.
Uma atenuação especial da pena do co-arguido Manuel Correia, coronel e ex-comandante do Batalhão de Transportes Rodoviários e de Desminagem do Cuando-Cubango, afecta à Casa Militar do Presidente angolano foi também requerida pelo MP.
“Pois foi com a sua intervenção que o MP esclareceu a proveniência ilícita de parte do dinheiro apreendido ao arguido Pedro Lussati e parte do património apreendido ao prófugo, mas alertamos que a atenuação especial não abrange a responsabilidade civil patrimonial do arguido”, observou a magistrada.
Os arguidos, entre os quais oficiais das Forças Armadas Angolanas (FAA) e civis, são indiciados dos crimes de peculato, associação criminosa, recebimento indevido de vantagem, participação económica em negócio, abuso de poder, fraude no transporte ou transferência de moeda para o exterior, introdução ilícita de moeda estrangeira no país, comércio ilegal de moeda, proibição de pagamentos em numerário, retenção de moeda, falsificação de documentos, branqueamento de capitais e assunção de falsa identidade.
Em sede das alegações, o Ministério Público angolano reafirmou a acusação por estes crimes.
O caso Lussati, onde estão arrolados 49 arguidos, tem como rosto visível o major Pedro Lussati, afecto à Casa Militar da Presidência da República, tido como cabecilha do grupo, detido na posse de milhões de dólares, euros e kwanzas guardados em malas, caixotes e em várias viaturas.
Segundo o MP, “não é verdade” que Pedro Lussati não elaborava as folhas de salário da banda de música da Casa de Segurança do Presidente da República e do Batalhão de Transportes Rodoviários e de Desminagem da província do Cuando-Cubango.
O co-arguido Pedro Lussati e o prófugo Edmundo Tchitangofina inflacionavam as folhas de salário “como ficou provado”, apontou a magistrada.
O co-arguido Manuel Correia, salientou o MP, “declarou neste tribunal que Pedro Lussati recebia sempre malas de dinheiro com cerca de 24 milhões de kwanzas (54,7 mil euros).
A “fortuna” que Pedro Lussati ostenta, prosseguiu a magistrada do MP, é fruto do “esquema fraudulento” montado nas unidades afectas à Casa de Segurança e com uma “engenharia ilícita e maldosa” ostentavam o excedente salarial das unidades.
“As provas mostram que os negócios de Pedro Lussati foram “alavancados com fundos da Casa Militar”, à data dos factos denominada Casa de Segurança do Presidente da República de Angola.
A nível da Unidade de Protecção de Objectivos Estratégicos (UPOE), da Base Central de Abastecimento (BCA), da Unidade Chacal, da Brigada Especial de Limpeza (BEL) e da Brigada de Construção Militar (BCOM), unidade que, segundo o MP, foi transformada em clã familiar, também decorriam “acções fraudulentas”.
Os implicados, refere o MP, criaram igualmente dois “batalhões fantasmas”, nomeadamente o 6.º e o 8.º batalhão, porque estes “nunca existiram fisicamente, mas os seus salários eram sempre processados e levantados em milhões na tesouraria da BCA”.
Sobre o grupo de co-arguidos funcionários do Banco de Poupança e Crédito (BPC) do Cuando-Cubango, a acusação realçou, nas suas alegações, que estes foram inseridos e também inseriam familiares na Brigada de Transportes Rodoviários e de Desminagem para preencherem os lugares dos “efectivos fantasmas”, quando os salários da unidade começaram a ser bancarizados.
“E também ficou provado que estes funcionários do BPC também inseriam nas folhas de salário da brigada seus parentes e amigos próximos”, notou a magistrada do MP.
O advogado Francisco Muteka, mandatário do major Pedro Lussati, negou as alegações do MP considerando-as “falsas, ambíguas e sem o mínimo de verdade” e classificou a acusação como uma “peça vergonhosa”.
O causídico pediu igualmente absolvição do oficial das FAA porque o MP “não conseguiu provar as acusações” em sede das audiências do julgamento, que dura há três meses.
Neste processo, o general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior ‘Kopelipa’, antigo chefe da Casa de Segurança de José Eduardo dos Santos, negou actos ilícitos praticados através daquele órgão, instando a justiça a investigar “de onde saiu o dinheiro de Lussati”.
‘Kopelipa’, que liderou a Casa de Segurança do Presidente da Republica (à época, José Eduardo dos Santos) durante 22 anos, negou ter conhecimento de actos ilícitos e assegurou que todas as actividades eram legais e supervisionadas.
“Nunca tomei conhecimento, enquanto exerci as minhas funções, que na Casa de Segurança do Presidente da República haviam desaparecido verbas. Até onde sei, nunca houve desaparecimento de dinheiros”, disse o general.
‘Kopelipa’ negou ainda ter conhecimento da existência de trabalhadores “fantasmas” e pagamento de salários a activistas ou financiamento de partidos políticos (nomeadamente – é claro – o seu partido, MPLA, no poder há 47 anos), como disseram outras testemunhas.
O general afirmou também que a Casa de Segurança pagava aos seus funcionários apenas em kwanzas, e não usava euros nem dólares.
Sobre os milhões encontrados na posse de Pedro Lussati, ‘Kopelipa’ garantiu que o dinheiro não saiu da Casa de Segurança e desafiou a Justiça a “investigar de onde saiu o dinheiro”.
PORTUGAL “ENTROU” NO COFRE DE LUSSATI!
O major Pedro Lussati transferia alegadamente dinheiro para Portugal através de empresas do grupo Irmãos Chaves, segundo a acusação do Ministério Público.
O grupo empresarial da Madeira, que opera em Portugal e em Angola em áreas como construção, imobiliário, saúde, agricultura e ‘rent-a-car’, aparece referenciado no processo através da empresa Prime Talatona, em que Pedro Lussati é sócio, juntamente com José António Figueira Chaves, um dos quatro irmãos Chaves.
Segundo o despacho de acusação, o dinheiro do major Pedro Lussati circulava através de várias empresas entre as quais a Insulcar e outras ligadas ao grupo Irmãos Chaves e terá sido através destas que, alegadamente, terá transferido somas para Portugal.
O documento refere vários depósitos bancários em contas da empresa Prime Talatona, e diz que o esquema de transferência de dinheiro para o estrangeiro contava com a participação de José António Figueira Chaves.
Segundo a acusação, foram feitos vários depósitos em numerário na sua conta bancária, no banco Caixa Angola, de 22 de Maio de 2018 a 1 de Maio de 2021, através da Prime Talatona, em Angola, e Insulcar-Rent-a-Car e Irmãos Chaves em Portugal.
Edson Rosário, Denise Santos, Dorivaldo Santiago e Ketzia Lima tratariam de tirar o dinheiro de Angola e, em Portugal, transferiam-no para contas bancárias tituladas por Pedro Lussati e a sua mulher, Marisa Manuel António.
Em declarações à Lusa Fernando Chaves, irmão do empresário José António Figueira Chaves, confirmou que Pedro Lussati é sócio da Prime Talatona, mas rejeita ter sido cometida qualquer ilegalidade.
“Fomos arrastados para uma situação que data de 2013 porque o meu irmão é sócio do Lussati”, disse Fernando Chaves, explicando que a Prime Talatona foi criada nessa altura com o objectivo de construir edifícios de habitação e que os movimentos de dinheiro são relativos a vendas de apartamentos.
A relação com Pedro Lussati começou quando o major comprou um apartamento num condomínio e, mais tarde, tornou-se sócio, numa altura em que a lei angolana impunha esta obrigatoriedade para quem queria investir no país.
Sublinhando que os Irmãos Chaves não são arguidos no processo e não estão sequer arrolados como testemunha, garantiu que toda a documentação foi colocada à disposição da Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana, incluindo extractos de contas bancárias e contratos de compra e venda, e lamentou que o grupo madeirense esteja a ser envolvido numa “novela mexicana” que “mancha a imagem” dos empresários madeirenses.
“Na altura, as coisas faziam-se assim, era banal. Nos negócios, quem estavam envolvidos eram os militares, os generais. Em 2013, o Lussati não tinha processo nenhum. Se eu sabia que ele andava em negócios menos claros? Não, nem tinha forma de o saber, não fazíamos interrogatório para saber onde tinha ido buscar o dinheiro”, declarou Fernando Chaves.
O mesmo responsável confirmou que foram feitas duas transferências – que “não tinham nada a ver com a Prime” – através de empresas do grupo para contas de Pedro Lussati, em Portugal, explicando que o major angolano tinha identificado uma oportunidade de negócio para adquirir uma casa e foram feitas “para facilitar” acesso do sócio Pedro Lussati aos fundos em Portugal, porque “ele não tinha hipótese de fazer essas transferências”.
Sobre estas transferências, de valores aproximados de 8.000 e 600 mil euros, adiantou que já foram dados esclarecimentos à PGR portuguesa, que quis saber a origem do dinheiro.
Fernando Chaves admitiu que o caso estava a afectar a empresa em termos reputacionais, mas rejeitou o envolvimento em “qualquer esquema de lavagem de dinheiro”.
Questionado sobre a sociedade com o major Pedro Lussati, afirmou que se mantém enquanto o processo decorrer em tribunal e lamentou a escolha do “sócio errado”, que se vê agora a braços com a justiça angolana e que está a viver “um período dramático”.
“Pedro Lussati foi uma má opção, hoje pode-se dizer isto, mas na altura não era. Estamos de consciência completamente limpa, estamos tranquilos, vamos aguardar. Isto é um problema deles, arrastaram-nos para o meio disto e vamos tentar sair sem ferimentos, não precisamos destas trapalhadas”, reforçou Fernando Chaves.
O cidadão Pedro Lussati foi exposto, na comunicação social pública, como tendo engendrado de “motu proprio” um desvio monstruoso e bilionário.
Seria isso possível? A cadeia de comando militar é rigorosa e vertical no mando e, tratando-se da Casa Militar (ex-Casa de Segurança do Presidência da República), onde existe a dualidade funcional: Presidente da República e Comandante-em-Chefe das FAA, nada pode passar despercebido, durante tanto tempo, sem que as assinaturas decisórias tenham sido apostas nas devidas e competentes autorizações de levantamento dos montantes no Banco Nacional de Angola, visando alimentar a selectiva e corrupta distribuição, entre as estrelas bélicas.
A não ser que estejamos diante de uma completa baderna institucional na “manu militar” da Presidência da República, só comparada a um covil de larápios onde imperava a lei da ladroagem.
Acreditar que o major Pedro Lussati chegasse, por engenharia mental própria, a ludibriar mais de 10 generais, incluindo o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas (João Lourenço), só pode ser uma das mais inverosímeis mentiras e ofensa à maioria dos angolanos de bem.
Pedro Lussati é “testa-de-ferro” de alguns generais que se fartaram de comer e, como era demais a exposição ao facilitismo, foram completamente incompetentes, porquanto algumas trincheiras indignaram-se e denunciaram o feito, sendo descobertos “infantilmente”, ao ponto de irritarem tanto o chefe máximo, que não teve outra alternativa senão exonerar toda a corte, incluindo o chefe da Casa de Segurança, general Pedro Sebastião, excluindo o seu adjunto, o “general-irmão” do Presidente da República que, alegadamente, “assistiu aos roubos, beneficiou com os roubos, mas não é ladrão”, como os demais que foram copiosamente “enxotados” e tratados como tal em hasta pública.
Acreditar ser este acto uma demonstração da eficácia de João Lourenço no combate aos crimes de corrupção sai da linha do razoável e torna o ridículo uma pérola propulsora da máquina mental dos membros do Bureau Político do MPLA, que ante o óbvio – ADN da ladroagem do regime -, preferem considerar não que João Lourenço pode ser “Deus”, mas que é o próprio “Deus”, pois é isento de errar e tem uma inocência e bondade transcendental.
Folha 8 com Lusa