Há vitórias que cheiram a derrotas, por muito grosso que os pretensos vencedores se manifestem no pós-escrutínio. As eleições angolanas do passado dia 24 de Agosto foram uma lição para muitos. Em primeiro lugar para o MPLA.
Por Carlos Pinho (*)
É por demais evidente que a constituição de uma Comissão Nacional Eleitoral (CNE) à maneira, deixa ficar todos com um pé atrás quanto à veracidade dos resultados eleitorais. Embora o líder da UNITA já tenha, em certa medida e fazendo fé no que li em alguns meios de comunicação, aceite que o MPLA tenha sido o partido mais votado e consequentemente com mais mandatos, manifesta as suas dúvidas quanto ao número desses mandatos ganhos pelo MPLA.
Mesmo que não se consigam provar as asserções do Adalberto da Costa Júnior (ACJ) em particular e da UNITA em geral (e que são bem mais abrangentes) a dúvida ficará sempre a latejar na mente dos mais cépticos. Digam o que a CNE e o seu patrão, o MPLA, disserem.
Como li na página do Correio Angolense (https://www.correioangolense.co.ao/2022/08/26/jl-o-der-ro-ta-do/) o MPLA teve uma vitória pírrica e estas a médio e longo prazo têm sempre preços elevados para os aparentes vencedores.
Diga-se em abono da verdade que a votação na UNITA aconteceu por demérito do MPLA e não por aquele partido ter apresentado um programa eleitoral motivador para a maioria dos angolanos. Por isso a UNITA deve ter uma postura humilde e trabalhar afincadamente nos próximos cinco anos, nesta legislatura que agora se inicia, de molde a que, nas próximas eleições, com mais sapiência e maturidade, coloque o MPLA no sítio que lhe é devido, lá num cantinho do parlamento angolano.
Estas quase cinco décadas de incompetência, compadrio e arrogância do MPLA tiveram o efeito perverso de colocar muitos mais velhos pensar que afinal o colonialismo não tinha sido assim tão mau. E isto, além de doentio é vergonhoso. Mas enfim, os ainda defensores do colonialismo agradecem. Também em Portugal, e num programa da RTP, o Salazar foi considerado o maior português de sempre.
Portanto a segunda lição é para a UNITA, saiu-lhes a lotaria, ainda não foi o primeiro prémio, mas já foi uma boa maquia. Agora é levar calmamente a água ao seu moinho. Isso está facilitado porque o discurso de vitória do actual Presidente João Lourenço (JL) foi de uma mediocridade, arrogância e ignorância confrangedoras e dá um sinal claro do que aí vem. Como o JL parece demonstrar claras limitações cognitivas basta ao ACJ actuar com subtileza e sabedoria. E ter atenção a alguns artistas e fundamentalistas dentro do seu próprio partido que irão tentar cavalgar algum descontentamento dentro do partido, pela não vitória do mesmo nestas eleições.
A derrota da UNITA, não foi o mais votado, fazendo fé nos resultados oficias, é, por oposição ao que se passou com o MPLA, de facto uma vitória. É agora fundamental geri-la com sabedoria. O MPLA, na sua arrogância tratará de, no resto, facilitar a vida à UNITA. Basta, além de se escutar o JL, ouvir alguns falcões que andam para aí a palrar à moda dos periquitos. Ou seja, há muita gente no MPLA que não entendeu nada daquilo que se passou, mormente em Luanda.
Há uma terceira lição para aqueles que olham para Angola com a pressuposta superioridade cultural e social dos países do primeiro mundo, pois assumem-se portadores de uma civilização mais avançada. Há nesta vida coincidências muito interessantes. Ando a ler o terceiro livro do Yuval Noah Harari, “21 lições para o século 21”. Na sua sexta lição, no capítulo 6, Civilização, ele começa logo por escrever, à laia de subtítulo, “Só há uma civilização no mundo”. Não, a humanidade não está dividida entre várias civilizações, a norte americana, a europeia, a africana, etc., etc.. Há apenas a civilização humana.
Os cidadãos angolanos mostraram “urbi et orbi” o seu grau de civismo, tanto durante a votação, como nos dias que se seguiram. Há logicamente excepções de alguns trogloditas, por exemplo, o já referido discurso de vitória do JL. Aliás antes das eleições houve quem tenha mostrado a sua veia para o disparate. Apenas um exemplo, não indo sequer até aos insultos do JLO e outros mimos de alguns outros seus parceiros de partido, basta reler a entrevista patética dada pelo deputado João Pinto ao jornal português, Público. Este cavalheiro justifica as peculiaridades da democracia angolana, para justificar usos e abusos do MPLA. Mais um a acreditar ou a escudar-se nas ditas várias civilizações humanas.
Estas tais múltiplas civilizações dariam para tudo, para um europeu ou norte americano afirmar a sua superioridade relativamente aos atrasados de África, coitadinhos dos semi-selvagens, ou para um africano chico-esperto justificar os usos e abusos do seu partido no processo opressivo do seu próprio povo, por este se de gente imatura e pouco esclarecida.
Resta agora continuar a acreditar que o bom senso e a razão perdurem em Angola e que se consiga por um lado levar a bom caminho as consequências deste recém processo eleitoral, apesar da arrogância e das tolices em que o MPLA não é nada parco, nomeadamente da parte daqueles que têm maior responsabilidade na condução do seu destino. Que a calma e bom senso também imperem no seio da UNITA, seguindo esta as tramitações que entender em termos legais para questionar eventuais malandrices da CNE e finalmente, que a ainda jovem sociedade civil angolana continue a demonstrar a maturidade que apresentou neste processo eleitoral, dando assim uma bela lição a muito dos fracos políticos que pululam no país.
Sá assim se conseguirá levar Angola, que está feita num oito graças ao MPLA, ao bom caminho. De facto, verdade seja dita, o oito é o algarismo que melhor representa este partido.
(*) Docente da FEUP – Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
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