Estávamos em 2011. A Comissão Parlamentar do Inquérito (CPI) sobre a intolerância política na Província do Huambo não tinha dúvidas e, é claro, nunca se enganava. Assim sendo, ficou “provado” que “não foi provada a acusação da UNITA segundo a qual teria havido alguma orientação por parte do governador, dos administradores Municipais e Comunais e das autoridades tradicionais, com o fim de promover a intolerância política”. Não. Não é engano. Foi em 2011. Hoje estamos em 2022.
Por Orlando Castro
A democracia é isso mesmo. A referida CPI, presidida pelo deputado Higino Carneiro, membro do Comité Central do MPLA, era composta de 15 deputados, dos quais 12 do MPLA e os restantes três divididos “democraticamente” pela UNITA, PRS e FNLA.
Como seria de calcular, a CPI apurou que “os assassinatos invocados pela UNITA como tendo ocorrido nos municípios do Bailundo, Katchiungo, Tchikala Tcholohanga, Ukuma, Ecunha, Londuimbali e Caála não resultaram de intolerância política, mas, de crimes do foro comum, relacionados, com práticas ligadas à feitiçaria”.
E apurou muito bem. Aliás, sendo o MPLA dono absoluto da verdade, estava fácil de ver que a teoria da UNITA era uma manifesta mentira. E a CPI foi, mesmo assim, muito condescendente com a malta do Galo Negro porque, num acto de assinalável magnanimidade, não acusou a UNITA de ter sido ela própria a provocar as mortes só para acusar, denegrir e enxovalhar a impoluta imagem do MPLA.
Como todo o mundo sabe, tudo o que de mal se passou, passa ou passará em Angola foi, é e será sempre culpa da UNITA. Desde logo porque, e não foi preciso nenhuma CPI para o provar, as balas das FALA (Galo Negro) matavam apenas civis e as das FAPLA/FAA (MPLA) só acertavam nos militares inimigos. Além disso, como também é sabido, as bombas lançadas pela Força Aérea do MPLA só atingiam alvos inimigos e nunca estruturas civis. Provavelmente por usar a mais evoluída tecnologia russa.
Aliás, qualquer CPI poderá um dia destes provar que a UNITA é que é responsável pelos mais de 60.000 angolanos torturados e assassinados em todo o país depois dos acontecimentos de 27 de Maio de 1977, acusados de serem apoiantes de Nito Alves ou opositores ao regime.
Como poderá provar e comprovar que a UNITA é também responsável pelo massacre de Luanda que visou o seu próprio aniquilamento e de cidadãos Ovimbundus e Bakongos, onde morreram 50 mil angolanos, entre os quais o vice-presidente da UNITA, Jeremias Kalandula Chitunda, o secretário-geral, Adolosi Paulo Mango Alicerces, o representante na CCPM, Elias Salupeto Pena, e o chefe dos Serviços Administrativos em Luanda, Eliseu Sapitango Chimbili.
Qualquer CPI não terá igualmente dificuldade em mostrar ao mundo que angolanos são pessoas como Lúcio Lara, Iko Carreira, Costa Andrade (Ndunduma), Henriques Santos (Onanbwe), Luís dos Passos da Silva Cardoso, Ludy Kissassunda, Luís Neto (Xietu), Manuel Pacavira, Beto Van-Dunem, Beto Caputo, Carlos Jorge, Tito Peliganga, Eduardo Veloso, Tony Marta, José Eduardo dos Santos.
Provará também que não angolanos são aquela subespécie como Alda Sachiango, Isaías Samakuva, Alcides Sakala, Jeremias Chitunda, Adolosi Paulo Mango Alicerces, Elias Salupeto Pena, Jonas Savimbi, António Dembo, Paulo Lukamba Gato, Adalberto da Costa Júnior ou Arlindo Pena “Ben Ben”.
Qualquer CPI não terá igualmente dificuldade em mostrar que o massacre do Pica-Pau em que, no dia 4 de Junho de 1975, perto de 300 crianças e jovens, na maioria órfãos, foram assassinados e os seus corpos mutilados no Comité de Paz da UNITA em Luanda… foram obra da UNITA.
Qualquer CPI não terá igualmente dificuldade em mostrar que o massacre da Ponte do rio Kwanza, em que no dia 12 de Julho de 1975, 700 militantes da UNITA foram barbaramente assassinados, perto do Dondo (Província do Kwanza Norte), perante a passividade das forças militares portuguesas que garantiam a sua protecção, foi obra da UNITA.
Qualquer CPI não terá igualmente dificuldade em mostrar que, entre 1978 e 1986, centenas de angolanos foram fuzilados publicamente, nas praças e estádios das cidades de Angola, uma prática iniciada no dia 3 de Dezembro de 1978 na Praça da Revolução no Lobito, com o fuzilamento de 5 patriotas e que teve o seu auge a 25 de Agosto de 1980, com o fuzilamento de 15 angolanos no Campo da Revolução em Luanda… foi tudo obra da UNITA.
Qualquer CPI não terá igualmente dificuldade em mostrar que foi a aviação da UNITA que, em Junho de 1994, bombardeou e destruiu Escola de Waku Kungo (Província do Kwanza Sul), tendo morto mais de 150 crianças e professores.
Qualquer CPI não terá igualmente dificuldade em mostrar que foi a aviação da UNITA que, entre Janeiro de 1993 e Novembro de 1994, bombardeou indiscriminadamente a cidade do Huambo, a Missão Evangélica do Kaluquembe e a Missão Católica do Kuvango, tendo morto mais de 3.000 civis.
Qualquer CPI não terá igualmente dificuldade em mostrar que, entre Abril de 1997 e Outubro de 1998, na extensão da Administração ao abrigo do protocolo de Lusaka, foi a UNITA quem assassinou mais de 1.200 responsáveis e dirigentes dos órgãos de Base da… UNITA em todo o país.
Para mim existem dois princípios que continuam a ser basilares e que também o eram (será que ainda o são?) para a UNITA: é a ética que deve dirigir a política, e as batalhas ganham-se ou perdem-se por causa dos generais, nunca por causa dos soldados.
Embora seja ponto assente que houve fraude nas eleições de Agosto, manipulação e outros estratagemas por parte do MPLA, desde 1992 que se sabia que isso voltaria a acontecer sempre que houvesse eleições. E se durante a guerra não foi possível pensar nisso, os últimos 20 anos de paz deram, deveriam ter dado, tempo para que a UNITA se preparasse para o que já sabia e sabe que vai acontecer sempre enquanto o MPLA estiver no Poder.
E, mais uma vez, o exemplo devia partir de cima. Não basta que o líder assuma a responsabilidade política pelas derrotas… mesmo quando se ganha.
Aliás, se a UNITA não aceitasse comportar-se como se tivesse sido derrotada, embora tendo ganho, estaria a dar um bom exemplo aos angolanos para que estes percebam que, afinal, existia uma substancial diferença entre a democracia que a UNITA defende e a que o MPLA finge praticar.
E se a UNITA queria ser diferente (para muito melhor, entenda-se) do MPLA, não pode dizer que ganhou e comportar-se como perdedor, não pode ter pelo menos três (boas) refeições por dia enquanto o Povo procura nos caixotes do lixo peixe podre ou fuba podre.
Na verdade, sem deixar de servir lagosta aos dirigentes da UNITA, o MPLA continua a comer a UNITA de cebolada ou – como disse João Lourenço – de cabidela.
Em vez de comerem trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba, queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, e teram à disposição vinhos do tipo Château-Grillet 2005, experimentem os deputados da UNITA fazer, um só dia que seja, a vida de um comum cidadão.
Não. Nos caixotes do lixo não existe caviar, champanhe, salmão fumado, bifes de vaca ou espargos brancos…