CACAU (EM CABINDA) EM ANO ELEITORAL

A Mota-Engil está a apostar na agricultura em Angola, desenvolvendo um projecto sustentável de produção de cacau em Cabinda, com o qual ambiciona levar aquela região aos lugares cimeiros da rota mundial do cacau.

João Magalhães, o responsável do projecto desenvolvido pela Mamaland, fala com entusiasmo desta “semente” que está a ser plantada em Cabinda, enquanto atravessa o que será o futuro campo clonal e as fazendas que irão receber o cacau num total de seis mil hectares.

E explica como a Mamaland, conceito que a Mota-Engil desenvolveu e que privilegia a sustentabilidade e as populações, pretende gerar rendimento a nível local, com um mínimo de impacto para o ambiente.

“Para a Mamaland, a prosperidade é fundamental e tem de ser partilhada por todos, por isso queremos envolver as populações locais neste projecto que liga planeta, pessoas e prosperidade”, disse à Lusa durante a visita.

O projecto, que está a ser desenvolvido na mesma região que viu nascer a então Mota e Companhia, em 1946, é também um regresso às origens agro-florestais da empresa que se tornou, entretanto, a maior construtora portuguesa em África.

Ainda em fase inicial, os primeiros pés de cacau serão plantados no Centro de Desenvolvimento Clonal do Cacau, em Chiela, usando o material genético local numa versão melhorada por Ricardo Souza, especialista em cacau e director técnico do projecto.

“Vamos usar plantas de cacau autóctones, já aclimatadas, nas quais vamos enxertar material genético melhorado. Estamos a tentar localizar o que será melhor para aperfeiçoar o já existente, permitindo obter melhor rendimento”, explica, adiantando que a busca pela variedade ideal vai passar, em breve, por São Tomé e Príncipe.

Como o cacau demora cerca de três anos até atingir a primeira produção e cerca de 20 a 30 anos para ser melhorado, a ciência ajudou a produção agrícola a evoluir para uma agricultura de alta precisão, permitindo aumentar a produtividade do cacau, minimizando o impacto sobre o ambiente.

“Poupamos dinheiro e recursos”, diz João Magalhães, adiantando que estão também a fechar contratos com ‘start ups’ que vão apoiar a previsão meteorológica e o uso eficiente da água no projecto, que conta com um investimento de 20 milhões de dólares (18,6 milhões de euros).

Ao todo, está prevista a plantação de quase sete milhões de pés de cacau, de forma faseada, distribuídos por 6.000 hectares de sistemas agro-florestais. O projecto está dividido em quatro fases e em cada ano deverão ser plantados 1500 hectares, com 1.160.000 pés de cacau divididos em três partes de 387.000 plantas cada, adianta Ricardo Souza.

Uma plantação que diz ser “pioneira no mundo”, já que, normalmente, as fazendas de cacau são de pequena dimensão. Prevê-se que o pico de produção seja atingido em cinco anos, com um incremento de 20% a cada colheita.

“O facto de se usar material melhorado permite que o cacau seja produzido durante todo o ano. De três em três semanas teremos colheita”, salienta o especialista.

Costa do Marfim e Gana são, por agora, os maiores produtores africanos de cacau, mas João Magalhães ambiciona ver Angola entrar na lista.

“Queremos pôr Cabinda no mapa do cacau e mostrar às populações que o petróleo não é a sua única riqueza. Queremos aprender com os mais velhos, mas também trazer-lhes ciência”, disse o responsável da Mamaland. Para já, o ‘core business’ será o cacau, mas o campo clonal irá receber mais experiências da Mamaland.

“Chiela terá um projecto piloto de tudo o que e se pretende fazer nas outras fazendas”, que somam um total de 16.000 hectares, adianta João Magalhães.

É aqui que serão ensaiadas as culturas a desenvolver no futuro e para as quais a empresa está também a recolher material genético nas aldeias.

“Queremos recolher material biológico e genético para perceber o aproveitamento que pode ter toda esta biodiversidade. Podemos ter plantas medicinais, quem sabe super-alimentos. O que não queremos, é actividades que entrem em conflito com o ambiente”, sublinha João Magalhães.

Os primeiros ensaios serão feitos com cacau, banana, coco e mogno, para fazer aproveitamento da área e gerar renda, mas poderão ser acolhidas quaisquer culturas da região.

As bananeiras servirão para fazer o sombreamento inicial das plantas de cacau, que será assegurado mais tarde, à medida que planta cresce, pelos coqueiros.

Os pés de cacau, já aperfeiçoados, serão depois replantados nas fazendas da Mota-Engil, quase todas situadas junto ao rio Chiluango, o principal rio de Cabinda.

João Magalhães insiste nos benefícios para as populações locais, a quem estão a ser ensinados métodos de cultivo mais produtivos e até novas técnicas de construção das tradicionais casas em adobe, e prevê que no pico de produção, daqui a cinco anos, tenham sido recrutados e formados até 1.200 trabalhadores.

“A ideia é contratar as pessoas localmente, e não impedi-las de fazer a sua lavra. As pessoas estão nas aldeias e vão continuar a estar e a circular”, garante.

Quanto ao destino das cerca de 15.000 toneladas que se espera produzir já em 2030, não está definido para já. “Vamos ver como vamos usar”, afirma, indicando que o cacau pode vir a ser comercializado em cápsulas, amêndoas ou sob a forma de pasta. Poderá até vir a ser produzido chocolate ou criados subprodutos.

Como João Magalhães realçou ao longo da visita, o projecto Mamaland é como uma semente num livro em branco.

A semente agrícola da pedra filosofal…

“A nossa prioridade continua a ser o alcance da auto-suficiência alimentar e procuramos com que consigamos a nível do país obter mais divisas, implantando culturas como o milho, cacau e café”, afirmou no dia 14 de Dezembro de 2018 (perante o espanto mundial em função da descoberta) o então ministro da Agricultura e Florestas de Angola, Marcos Alexandre Nhunga, hoje governador de Cabinda.

Que maravilha. Marcos Alexandre Nhunga é um dos melhores cérebros do MPLA, o que só por si diz tudo. Então não é que ele garantiu na altura que diminuindo as importações o país vai gastar menos divisas? Quem diria? De facto, ao longo dos 46 anos de independência, ninguém tinha descoberto tal coisa.

“E vamos lutar para que se possa consignar mais verbas para o sector da agricultura, para podermos trabalhar muito mais”, indicou Marcos Alexandre Nhunga. Provavelmente para ser uma luta que leve à vitória, o então ministro contava com o apoio das Forças Armadas. Isto porque não vão os agricultores dedicar-se antes à produção de marimbondos.

Mas, observou o então ministro, houve “recomendações muito concretas, em relação ao sector da agricultura, de forma a diversificarmos melhor a nossa economia”. Ou seja: “Queremos aumentar a produção e a produtividade a nível da agricultura, pecuária e florestas”.

O trabalho manual das terras agrícolas, com recurso a enxadas, ainda é utilizado em 98% dos terrenos em Angola, em contraponto com o reduzido recurso à mecanização nos cerca de cinco milhões de hectares de cultivo.

A informação foi avançada no dia 11 de Maio de 2017 pelo então ministro da Agricultura de Angola, por sinal o mesmo Marcos Alexandre Nhunga, durante uma reunião com agentes económicos ligados à banca comercial, empresas do sector do agrícola, seguradoras e outros, tendo afirmado que apenas 2% dos hectares de cultivo do país são preparados com “recurso a mecanização e tracção animal”.

“A actividade de produção agrícola no país debate-se com o problema do baixo uso de mecanização na preparação de terras”, admitiu.

Provavelmente esta realidade enquadra-se, como tanto gosta o regime que (des)comanda o país desde 1975, no facto de Angola viver desde finais de 2014 uma profunda crise económica, financeira e cambial devido à queda do preço do barril de petróleo no mercado internacional, com o ministro a admitir consequências negativas no sector, como a falta de meios de apoio à produção agrícola.

“Com a retracção da actividade económica, vários meios e equipamentos de trabalho detidos pelas empresas de construção civil, tais como tractores, camiões e outros, incluindo a mão-de-obra, ficaram praticamente inactivos. Estando muitos deles parqueados nos estaleiros”, observou.

Nesse encontro, que juntou empresários angolanos e estrangeiros do agronegócio para apresentação de oportunidades de investimentos no sector, o governante admitiu que os meios “ociosos” de mecanização agrícola “podem ser, facilmente, reconvertidos para a realização de actividades agrícolas”.

“Diante da realidade que algumas empresas atravessam, imposta pela conjuntura económica, uma alternativa segura para as vossas empresas hoje seria o aproveitamento das oportunidades existentes no sector agrário investindo no agronegócio”, alertou, dirigindo-se aos empresários.

Marcos Alexandre Nhunga referiu ainda que apesar de Angola dispor de “solos de elevada aptidão agrária, abundantes recursos hídricos e uma expressiva faixa da população dedicada às actividades do campo”, actualmente “a produção interna ainda, em muitas culturas, não satisfaz as necessidades de consumo”.

“A realização plena do potencial do sector agrário nacional, como motor da segurança alimentar e promotor do desenvolvimento socioeconómico do país, depende, em grande medida, da eficiência e eficácia com que decorrem as actividades produtivas dentro de cada um dos seus subsectores”, concluiu.

No tempo colonial (português)

Por mera curiosidade registe-se que, enquanto província ultramarina de Portugal, até 1973, Angola era auto-suficiente, face à diversificação da economia.

Era o segundo produtor mundial de café Arábico; primeiro produtor mundial de bananas, através da província de Benguela, nos municípios da Ganda, Cubal, Cavaco e Tchongoroy. Só nesta região produzia-se tanta banana que alimentou, designadamente a Bélgica, Espanha e a Metrópole (Portugal) para além das colónias da época Cabo-Verde, Moçambique, Guiné-Bissau e Sã Tomé e Príncipe.

Era igualmente o primeiro produtor africano de arroz através das regiões do (Luso) Moxico, Cacolo Manaquimbundo na Lunda Sul, Kanzar no Nordeste Lunda Norte e Bié.

Ainda no Leste, nas localidades de Luaco, Malude e Kossa, a “Diamang” (Companhia de Diamantes de Angola) tinha mais 80 mil cabeças de gado, desde bovino, suíno, lanígero e caprino, com uma abundante produção de ovos, leite, queijo e manteiga.

Na região da Baixa de Kassangue, havia a maior zona de produção de algodão, com a fábrica da Cotonang, que transformava o algodão, para além de produzir, óleo de soja, sabão e bagaço.

Na região de Moçâmedes, nas localidades do Tombwa, Lucira e Bentiaba, havia grandes extensões de salga de peixe onde se produzia, também enormes quantidades de “farinha de peixe”, exportada para a China e o Japão.

Recorde-se, entretanto, que em Dezembro de 2019 o presidente do núcleo de Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa na Confederação Empresarial da CPLP, anunciou que Angola ia contar com um fundo suíço de 300 milhões de dólares para a cultura do cacau.

Eliseu Gaspar fez o anúncio no Porto, à margem da 2ª Conferência Económica de Mercados da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que contou com a participação de uma delegação angolana chefiada pelo então ministro do Comércio, Joffre Van-Dúnem.

Segundo Eliseu Gaspar, negociações com o fundo suíço resultaram na disponibilização do financiamento para alavancar o projecto. “Esta delegação chega a Angola no próximo dia 15 de Janeiro e vamos lançar a cultura de cacau em Cabinda”, afirmou Eliseu Gaspar.

Em Fevereiro de 2021, empresários sul-africanos manifestaram interesse em investir na produção de cacau em Cabinda. A intenção foi manifestada, em Pretória (África do Sul), durante uma audiência que a embaixadora angolana, Filomena Delgado, concedeu a dois grupos empresariais daquele país que “estão fortemente interessados” em investir em Angola.

A manifestação de interesse foi apresentada pelo director de operações da empresa AGRI ALL AFRICA, André Botha, bem como pelo Presidente do Grupo TROOPER, John Kayira.

Os contactos com estes dois investidores iniciaram-se em 2020, com o objectivo de aumentar a produção para o consumo interno, exportar os excedentes, melhorar as infra-estruturas escolares, hospitalares, de energia solar e águas, a renda das famílias e a qualidade de vida das comunidades.

A AGRI ALL AFRICA é uma das maiores plataformas de negócios agrícolas da África, com uma vasta implantação em toda a região subsaariana do continente. Controla mais de 3.500 agricultores em mais de 45 países.

Já o Grupo Trooper estava a preparar caminho para investimentos massivos em Angola com objectivo de garantir a segurança alimentar e exportação de excedentes. O Grupo tem disponível um bilhão de dólares dos quais 525 milhões para investimentos imediatos. O Trooper, com ligações a vários Fundos de Investimentos da África do Sul, queria cultivar 60 mil hectares para produzir anualmente 300 mil toneladas de milho e 90 mil toneladas de soja e melhorar a qualidade de vida das comunidades dentro das suas políticas de responsabilidade social.

Folha 8 com Lusa

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