O primeiro-ministro cabo-verdiano, Ulisses Correia e Silva, anunciou hoje, no parlamento, que o Fundo Monetário Internacional (FMI) vai apoiar Cabo Verde com um programa de reformas, no contexto da crise económica, prevendo “condições muito favoráveis de financiamento”. Ou seja, vão escolher a raposa para guardar o galinheiro.
“Vamos fechar um bom programa, que vai permitir, em condições muito favoráveis de financiamento, assegurar e garantir as condições para fazermos face a este embate, a crises acumuladas e ao mesmo tempo proporcionar reformas que são necessárias para aumentar a resiliência do país”, afirmou Ulisses Correia e Silva.
O primeiro-ministro está no Parlamento para o habitual debate mensal com os deputados, no início de três dias de sessão parlamentar ordinária, que coincide com a presença em Cabo Verde de uma missão do FMI, para consultas regulares com o Governo cabo-verdiano, até quinta-feira.
“O FMI vai apoiar o programa de reformas e medidas nos domínios da estabilidade macroeconómica, estabilidade cambial, estabilidade dos preços e erradicação da pobreza extrema e redução da pobreza absoluta”, acrescentou Ulisses Correia e Silva.
Proposto pelo grupo parlamentar do Movimento para a Democracia (MpD, maioria), o tema do debate com o chefe do executivo é “Governar em tempos de crise”, e surge numa altura de crise económica e social no arquipélago, face à pandemia de Covid-19 e à escalada dos preços dos alimentos e da energia, mas também os mais de três anos de seca.
“Como temos feito, gerimos as crises, as contingências, mitigamos, protegemos, mas ao mesmo tempo investimos na recuperação e relançamento da economia, na resiliência e na sustentabilidade para reduzir as vulnerabilidades do país face a choques externos. Os cabo-verdianos têm uma consciência muito clara da gravidade da situação, do momento em que o mundo vive e o país vive”, disse Ulisses Correia e Silva.
“Tudo fizemos durante os períodos mais difíceis da seca e durante a pandemia para amortecer os efeitos sobre as pessoas. Tudo vamos fazer para amortecer os impactos da crise energética e de produtos alimentares provocados pela guerra na Ucrânia”, prosseguiu o chefe do Governo.
Cabo Verde enfrenta uma profunda crise económica e financeira, decorrente da forte quebra na procura turística – sector que garante 25% do Produto Interno Bruto (PIB) do arquipélago – desde Março de 2020, devido à pandemia de Covid-19.
O país registou em 2020 uma recessão económica histórica, equivalente a 14,8% do PIB. O Governo cabo-verdiano admite que a economia possa ter crescido 7,2% em 2021, impulsionada pela retoma da procura turística, e prevê 6% de crescimento em 2022.
O Governo cabo-verdiano anunciou anteriormente que pretende discutir com o FMI um novo programa de “reformas económicas estruturais” no arquipélago.
O FMI concluiu em Janeiro de 2021 o apoio técnico a Cabo Verde através do Instrumento de Coordenação de Políticas (PCI, na sigla em inglês), iniciado em 15 de Julho de 2019 e que visou apoiar as reformas em curso no Estado, nomeadamente ao nível do sistema fiscal e privatizações, execução condicionada pela pandemia de Covid-19.
De acordo com fonte do Governo, uma missão do FMI iniciou em 16 de Março o acompanhamento da economia cabo-verdiana, a qual vai decorrer até 24 de Março, para, também, “traçar as principais linhas do novo programa”.
“Esta missão tem por objectivo discutir sobre um novo programa de reformas económicas que o Governo de Cabo Verde quer negociar com o FMI”, referiu a mesma fonte governamental.
Acrescentou que “à semelhança do programa assinado em 2019” com o FMI – de apoio técnico, sem envelope financeiro -, “o Governo de Cabo Verde quer continuar a implementar importantes reformas estruturais, possibilitando um ambiente macroeconómico estável e favorável ao investimento, crescimento e sustentabilidade das finanças públicas”.
“Além dos desafios já existentes, no momento, é necessário fazer uma avaliação do impacto da pandemia de Covid-19 e da guerra na Ucrânia, na economia cabo-verdiana”, sustentou igualmente, referindo que ao longo dos próximos dias serão apresentadas as discussões sobre as políticas monetária e orçamental, em relação aos resultados de 2021 e implicações para 2022.
O objectivo, refere o Governo, é a “preparação do país para a retoma, assente num crescimento sustentável”: “Pelo que o suporte dos nossos parceiros de desenvolvimento tem sido importante, e é hoje ainda mais crucial para a implementação da agenda deste Governo”.
O exemplo de Portugal
Em termos lusófonos, a história repete-se. Ulisses Correia e Silva prepara-se para ser o José Sócrates de Angola. E os cabo-verdianos que se preparem para o teste final – mostrar que sabem sobreviver sem comer. Os portugueses mostraram que é possível.
No dia 11 de Janeiro de 2011 estava excluída a entrada do Fundo Monetário Internacional em Portugal. O primeiro-ministro, José Sócrates, garantia que Portugal não precisava de ajuda financeira e que continuava a ter todas as condições para se financiar no mercado internacional. No dia seguinte o FMI entrou, de armas e bagagens, em Lisboa e tomou conta do país.
Em Dezembro de 2009, o então director-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, fazia um aviso à navegação: “Os problemas acontecem quando os governos dizem à opinião pública que as coisas estão a melhorar enquanto as pessoas perdem os seus empregos”.
“Para alguém que vai perder o seu emprego, a crise não acabou. E isso constitui um alto risco”, afirmou o então director-geral do FMI, acrescentando que “isso também pode, em alguns países, tornar-se um risco para a democracia. Não é fácil administrar esta transição, e ela não será simples para os milhões de pessoas que ainda estarão desempregadas no próximo ano”.
Em Portugal, na altura, admitia-se como provável que em vez de um novo desempregado a cada quatro minutos se conseguiria, com ou o acordo de resgate e fazendo fé nas promessas do governo de então, um desempregado a cada… três minutos.
“A economia mundial somente se restabelecerá quando o desemprego cair”, disse o responsável do FMI. E se assim é (em Portugal foi mesmo assim) os cabo-verdianos agora, como os angolanos ontem, estão ainda mais lixados.
“A minha principal preocupação será com a Economia e com o superarmos esta situação de crise que nos tem vindo a afectar. Vamos continuar a apoiar as empresas, tendo em vista a superação das dificuldades em tempo de crise”, dirá o Ulisses Correia e Silva, (provavelmente na qualidade de adjunto de alguém do FMI).
O primeiro- ministro defenderá que Cabo Verde está numa situação “mais vantajosa” para reduzir o endividamento depois da crise, considerando que falta apenas melhorar a diversificação e a competitividade da economia.
“O aumento do endividamento é um problema que todos os países vão ter de enfrentar”, dirá Ulisses Correia e Silva, defendendo que “acabando a crise torna-se muito claro a necessidade de os países retomarem o mais rapidamente possível a estratégia de consolidação orçamental”.
Ou seja, afinal os cabo-verdianos não têm nada a temer. Se, por um lado, há muita gente que vive pior (o que parece, segundo o Governo, uma boa consolação), por outro, quando a crise passar, uma só refeição já será uma dádiva divina para os que não tinham nenhuma.
Porém, “uma coisa é certa: o facto de termos estes níveis de dívida vai exigir uma política que reforce o potencial de crescimento da economia”. Isso implicará, como sabiamente vai explicar Ulisses Correia e Silva, uma política económica “que aumente a competitividade e reforce o sector exportador”.
Antecipando, como lhe compete, os cenários, o Governo deCabo Verde dirá que a reacção no pós-crise “coloca na agenda um conjunto de políticas de valorização dos recursos humanos, melhoria de infra-estruturas e mais ciência”.
O que o FMI disse ao Zimbabué
Ao anunciar no dia 25 de Março de 2009 que a ajuda técnica e financeira ao governo do Zimbabué dependia da adopção de boas políticas económicas e do saldo da dívida externa, o Fundo Monetário Internacional veio apenas dizer que o povo ia continuar a morrer à fome.
“A ajuda técnica e financeira do FMI depende da adopção de um mecanismo de acompanhamento das políticas económicas, do apoio dos doadores e do saldo das dívidas aos credores oficiais, dos quais faz parte o FMI”, indicou a instituição internacional num comunicado depois de ter enviado uma missão ao Zimbabué.
No início dessa missão de duas semanas, o ministro da Economia zimbabueano, Elton Mangona, tinha anunciado que o FMI se tinha prontificado a ajudar “imediatamente” o novo governo de união.
Os países vizinhos do Zimbabué apelaram também ao FMI para apoiar Harare, antes da cimeira da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) para examinar os meios para ajudar financeiramente este país membro.
No comunicado, o FMI saudou as primeiras medidas tomadas pelo então novo governo. A decisão de autorizar as transacções comerciais em divisas estrangeiras permitiu, segundo o FMI, travar a inflação e reforçar o plano de relançamento apresentado pelo governo.
No entanto, o FMI sublinhou que “um forte declínio das actividades económicas e dos serviços públicos contribuiu fortemente para a deterioração da situação humanitária”.
A grande maioria do povo zimbabueano lutava por sobreviver num país com a economia em ruínas, confrontado com a escassez de alimentos e uma taxa de inflação de 231 milhões por cento. Mais de 80 por cento da sua população estava desempregada.
Recorde-se que, como medida macroeconómica de vastíssimo alcance e que deveria constituir um exemplo para o Mundo que se dizia estar a atravessar uma grave crise financeira, o então governo de Robert Mugabe lançou na época a nota de 100 mil milhões de dólares… zimbabueanos.
Assim, mesmo que tivesse uma das novas notas no bolso, qualquer cidadão do povo (sim do povo, que os da gamela usam, apesar da crise mundial, dólares norte-americanos) não conseguiria comprar três ovos. É que cada ovo custava, 35 mil milhões.
Os banqueiros portugueses e o FMI
Fernando Ulrich (BPI):
29 Outubro de Outubro de 2010 – “Entrada do FMI em Portugal representa perda de credibilidade”.
26 Janeiro de 2011 – “Portugal não precisa do FMI”.
31 Março – “Por que é que Portugal não recorreu há mais tempo ao FMI?”
Santos Ferreira (MBCP):
12 Janeiro de 2011 – “Portugal deve evitar o FMI”.
2 Fevereiro – “Portugal deve fazer tudo para evitar recorrer ao FMI”.
4 Abril – “Ajuda externa é urgente e deve pedir-se já”.
Ricardo Salgado (BES):
25 Janeiro – “Não recomendo o FMI para Portugal”.
29 Março – “Portugal pode evitar o FMI”.
5 Abril – “É urgente pedir apoio… já”.
José Sócrates e Passos Coelho
No meio da crise, do resgate e da suposta salvação do FMI, Passos Coelho, então líder do PSD e depois primeiro-ministro, perguntou aos portugueses sobre José Sócrates: “Como é possível manter um governo em que um primeiro-ministro mente?”
Mentir foi, no caso de Passos Coelho uma forma de vida. Em tempos ele afirmara: “Estas medidas põem o país a pão e água. Não se põe um país a pão e água por precaução”. Resultado? Pôs os portugueses a água mas cada vez mais sem pão.
Foi ele quem disse: “Estamos disponíveis para soluções positivas, não para penhorar futuro tapando com impostos o que não se corta na despesa”. Resultado? Pôs os portugueses a pagar mais impostos, penhorando até o futuro dos filhos e netos.
Foi Passos Coelho quem disse: “Aceitarei reduções nas deduções no dia em que o Governo anunciar que vai reduzir a carga fiscal às famílias”. Resultado? Acabou com as deduções e aumentou a carga fiscal das famílias.
Foi ele quem disse: “Aqueles que são responsáveis pelo resvalar da despesa têm de ser civil e criminalmente responsáveis pelos seus actos”. Resultado? As despesas resvalaram e de que maneira mas, como dono do país, mandou às malvas essa ideia de os autores serem civil e criminalmente responsabilizados.
Foi Passos Coelho quem disse: “Ninguém nos verá impor sacrifícios aos que mais precisam. Os que têm mais terão que ajudar os que têm menos”. Resultado? Trabalhou em prol dos poucos que têm milhões, esquecendo totalmente os milhões que, por sua culpa, tinham pouco ou nada.
Também foi ele quem disse: “Queremos transferir parte dos sacrifícios que se exigem às famílias e às empresas para o Estado. Já estamos fartos de um Governo que nunca sabe o que diz e nunca sabe o que assina em nome de Portugal”. Resultado? O Estado transferiu os sacrifícios que lhe deviam caber para as famílias e para as empresas.
Foi Passos Coelho quem disse: “Para salvaguardar a coesão social prefiro onerar escalões mais elevados de IRS de modo a desonerar a classe média e baixa”. Resultado? Pura e simplesmente acabou com a classe média, atirando-a para o nível de lixo.
Foi igualmente Passos Coelho quem disse: “Se formos Governo, posso garantir que não será necessário despedir pessoas nem cortar mais salários para sanear o sistema português”. Resultado? Despedimentos nunca vistos, desemprego em níveis históricos, cortes nos salários e nos subsídios.
Foi a mesma criatura quem disse: “A ideia que se foi gerando de que o PSD vai aumentar o IVA não tem fundamento. A pior coisa é ter um Governo fraco. Um Governo mais forte imporá menos sacrifícios aos contribuintes e aos cidadãos”. Resultado? Aumentos brutais do IVA, imposição de terríveis sacrifícios aos cidadãos.
O mesmo Passos Coelho também disse: “Não aceitaremos chantagens de estabilidade, não aceitamos o clima emocional de que quem não está caladinho não é patriota”. Resultado? Chantagens e mais chantagens. Pressões e mais pressões. Institucionalização do princípio de que até prova em contrário todos são culpados.
Folha 8 com Lusa