O acto eleitoral do passado dia 24 de Agosto, mostrou 3 factos importantes: 1 – uma eleição calma, descontraída, soberana e sem makas; 2 – uma elevada abstenção; e 3 – um forte indício de mudança.
Por Eugénio Costa Almeida (*)
No primeiro caso, a forma cívica como os eleitores se apresentaram ao acto eleitoral mostrou que os Angolanos já não recebem lições de terceiros como devem votar, como se comportar durante e após o acto de colocação do voto nas urnas. Só um facto, uma organização continua anómala: os principais membros das mesas eleitorais, nomeados pela CNE (Comissão Nacional Eleitoral), são todos de um único partido político, também ele concorrente ao escrutínio final.
Uns dirão que é uma mera coincidência, até porque por quando do escrutínio os delegados dos outros partidos estão presentes na contagem de votos; outros que é uma forma de controlar o escrutínio final e poderem manipular as Actas finais.
Certamente que ambos poderão ter razão; os actos seguintes poderão (?) dizer quem, de facto, terá razão ou não. Só que há coincidências que ultrapassam a razoabilidade humana e, por isso, que, na maioria dos casos e, talvez, por deformação académica e social eu acredito pouco em certas coincidências. Deve ser por ser, com a idade, certamente, pouco crédulo…
Em qualquer dos casos, e isto é o que sobrepõe no acto eleitoral, todos saudamos a forma cívica, ordeira e, pode-se dizer, livre como todos, os que foram depositar o seu voto na urna, se comportaram.
No segundo caso, sobre a elevada abstenção, certamente haverá razões que, conforme o seu “interesse” e cor política, serão apresentadas como justificativo.
O MPLA, o principal – e tem de assumi-lo e independentemente dos votos finais, efectivo, – derrotado deste pleito eleitoral, dirá que a abstenção prejudicou os resultados do partido e que foi uma forma de o avisar e alertar – leia-se, “cascar” e “punir” – que precisa de ter novas ideias, novas abordagens para chegar ao seu eleitorado – reforço e sublinho, ao seu específico eleitorado (que não terá querido dar o voto a terceiros, sob pena de, nas próximas eleições, poder voltar a fazer o mesmo ou transferir o seu voto a outras forças políticas) – e que isso terá de ser ouvido e trabalhado.
Outros dirão outras razões, como penalizar o Governo e o seu partido, o MPLA, por continuar a persistir no adimento, pouco aceitável e sem justificação técnica objectivamente razoável, das eleições autárquicas e regionais.
Qualquer das razões são válidas. Mas há uma outra, e forte, ou três, como adiante explicarei, que o Governo, os partidos e a CNE têm de acolher e ponderar:
a) um acto eleitoral em dia de semana, mesmo com tolerância de ponto, afasta as pessoas – principalmente na diáspora onde o período de voto quase coincide com o período de trabalho dos potenciais eleitores – pelo que deveria ser transferido para um fim-de-semana (sábado ou domingo) que, seguramente, não evitará a abstenção, mas pode, e de facto, ser suficiente para reduzir esta amplitude – cerca de 55% de abstencionismo – que ocorreu neste acto eleitoral;
b) segundo alguns órgãos de informação e denúncias em páginas sociais, havia quem desconhecesse que no dia decorria o acto eleitoral, em especial em zonas de Angola mais profunda, tendo, por exemplo, a províncias do Cunene sido apresentada como uma das províncias onde isso terá ocorrido;
c) um eventual castigo ao Governo e aos deputados – no caso da então maioria qualificada – por continuarem a protelar as eleições regionais e poderem ter deixado um aviso de que querem ser eles a eleger todos os que governam nas suas províncias e municípios o que significa que a CRA terá de, forçosamente ser alterada para que a designação de governadores provinciais continue a ser de nomeação central, ou seja, da confiança exclusiva o Presidente e do partido que sustém o seu Governo (esta meditação é tanto mais oportuna porque há províncias onde o MPLA perdeu e com alguma distancia).
Em terceiro, o acto eleitoral demonstrou que os Angolanos exigiram, ainda que a força política mais votada continue a ser o MPLA e com maioria absoluta, segundo os dados provisórios mais recentes da CNE, que haja uma clara mudança nas políticas internas do País.
Estas terão de passar por vários factores como:
a) políticas económicas e financeira novas – não se pode continuar a desculpar, por vezes, certos atrasos com os fundos ilícitos que saíram do País e ainda não terão regressado – com uma descentralização, distribuição e partilha efectiva pelas províncias – em particular, aquelas de onde certos matérias-primas importantes para as finanças públicas nacionais –e diminuir de facto a nossa “proloquial” monodependência do petróleo e, um pouco menos, dos diamantes, descentrando e desenvolvendo todos os nossos meios de produção económicos. Por exemplo, as nossas terras são ricas demais para serem aproveitadas só para monoculturas e exploradas, na maior parte dos casos, por pessoas e entidades estrangeiras cujos lucros acabam por sair do país. E muitas destas monoculturas acabam por no prejudicar na produção de outros produtos agrícolas ou, também, de pescado que, não só permitiriam diminuir – até porque os custos económicos e financeiros nacionais são menores – muita da sua importação e subsequente dependência externa, como permitiria obter divisas com a exportação dos mesmos, o que possibilitaria diminuir a nossa elevada dívida externa e, ulteriormente, ter mais capacidade para escolher os “melhores e mais importantes parceiros”;
b) podendo melhorar as nossas capacidades financeiras – bater palmas por estar a entrar mais dinheiro pelo facto do petróleo estar a aumentar de preço, é uma utopia que tem de ser revista e esbatida porque este tem sido um produto cuja volatilidade dos preços têm sido uma constante e, por isso, pouco fiável quanto à sua ajuda ao fim real da recessão que o País atravessou – podemos melhorar a maioria de todos os problemas sociais (empregabilidade, educação, segurança, salubridade, saúde, subnutrição, fome) que persistem há muitos anos em muitos sectores do País;
c) alteração constitucional, como ainda recentemente voltei a referir no meu mais recente artigo publicado no Novo Jornal, nomeadamente, eleição directa do Presidente, eleição e não nomeação de Governadores provinciais – muitas vezes, ou quase sempre, são militantes do partido que sustenta o Governo presidencial e servem o partido em detrimento dos reais interesses das populações das províncias –, controlo das actividades governativas por parte dos deputados, nomeação dos titulares e dos membros de principais órgãos nacionais (como Tribunal Constitucional, CNE, e similares) serem tanto pelos deputados – a maioria – e pelos organismos afins (Colégios de Juízes, Magistrados e Advogados), bom como pelo Presidente, que no caso dos titulares destes órgãos, nomeará após – e sempre – proposta destes últimos (para não haver eventual dependência partidária, ainda que isto, por vezes, seja difícil, mas não impossível) e, onde for caso disso, da sociedade civil. Além de outros sectores onde a partidarização não se deveria sentir…
Não sei se o MPLA, se realmente e após a proclamação definitiva e aceite dos resultados, for o vencedor – tal como todos os partidos que vão fazer parte da nova Assembleia Nacional, bem como o poder governativo subsequente, terão percebido estes pequenos alertas, e segundo a minha percepção, que as eleições no ofereceram.
Seria bom que ponderassem, com calma e frieza tudo o que aconteceu no durante e no que irá acontecer, como, natural e certamente acontece, em todas as eleições, quaisquer que sejam as latitudes. Porque se acabou o período eleitoral, não acabou o que se deve estudar no pós-eleições…
(*) Angolano, Investigador-Integrado do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL (CEI-IUL) e Investigador-Associado do CINAMIL
Nota. Este texto pode igualmente ser lido em: https://pululu.blogspot.com/2022/08/angola-e-o-pos-voto-mas-nao-o-pos.html