Seca não pode acabar (os ladrões precisam dela)

Em Angola, cerca de 3,5 milhões de pessoas, tal como os mais de 20 milhões de pobres, estão a ser afectadas pela crónica e ancestral (quase 46 anos de governação) incompetência do MPLA. Agora, segundo em representante do Programa Alimentar Mundial (PAM) no país, a seca, a pior dos últimos 40 anos, que já forçou a deslocação de quase mil pessoas, abalroa a sobrevivência das tais 3,5 milhões de autóctones.

Michele Mussoni, que dirige o escritório daquela agência das Nações Unidas, adiantou que a seca atingiu não só as províncias do Sul, como o Namibe, Huila e Cunene, mas também o Huambo, Benguela e Cuanza Sul e afecta, segundo os dados de satélite recolhidos, relativos à precipitação e cobertura vegetal, cerca de 3,5 milhões de pessoas, ou seja, aproximadamente 10% da população angolana.

O dirigente não revelou números sobre as pessoas que morreram devido à fome causada pela seca e as crianças que sofrem de desnutrição, pois está ainda a ser feita uma avaliação para recolher dados mais fidedignos sobre a insegurança alimentar.

Esta avaliação servirá também de base ao processo de mobilização de recursos para atender às necessidades do PAM que actualmente está concentrado em programas de assistência técnica ao governo de Angola. Ou seja, a ONU continua a branquear a incompetência do MPLA pois não consegue dizer que o MPLA não é solução para o problema mas, antes, o problema para a solução.

Michele Mussoni explicou à Lusa que o PAM não está envolvido directamente na distribuição de alimentos, pois não foi declarado o estado de emergência. E tem razão. Quanto mais tarde o Governo declarar o estado de emergência, menos angolanos haverá necessidade de alimentar porque, ao que consta, os mortos não precisam de… comida.

“O governo está a considerar a declaração do estado de emergência, está a consultar internamente e a conversar connosco neste sentido”, indicou. E, é claro, antes de analisar a fome João Lourenço e a sua equipa tem de comer qualquer coisa, talvez uma frugal refeição tipo trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas e umas garrafas de Château-Grillet 2005…

Michele Mussoni considerou a situação “muito preocupante” e salientou que o PAM em Angola precisa de mais recursos para expandir os seus projectos nas províncias afectadas pela seca, estando a trabalhar com outras organizações na tarefa de mobilização desses recursos e, juntamente com o governo, a identificar medidas estruturantes que possam minimizar ou mitigar os efeitos destas secas crónicas no futuro.

O responsável do PAM destacou que a seca está a afectar a produção agrícola, que caiu consideravelmente por que depende quase exclusivamente das chuvas e repercutiu-se também na produção pecuária: “ficaram sem pasto e sem água para o gado em algumas regiões, sendo estas as principais fontes de sustento das famílias rurais em Angola”, disse.

“Infelizmente, muitas famílias enfrentam uma situação de insegurança alimentar aguda pela redução da quantidade e qualidade do seu consumo alimentar”, complementou

Para sobreviver à crise e salvar os seus animais muitas famílias migraram para países vizinhos como a Namíbia, estando pelo menos cerca de 800 pessoas nestas circunstâncias, estimou Michele Missoni.

Com o prolongar da seca, o representante do PAM alerta para o surgimento de outros problemas na comunidade, em particular o aumento da desnutrição aguda, com consequências particularmente preocupantes para as crianças com idade inferior a cinco anos “que ficam mais susceptíveis a doenças”.

Michele Missoni notou que esta é uma emergência cíclica, mas que ocorre com cada vez mais frequência devido às alterações climáticas que afectam várias regiões de África e dos restantes continentes e considerou importante implementar algumas medidas estruturantes como a construção de infra-estruturas para garantir a disponibilidade de água para abastecimento e para a produção agrícola e pecuária.

O especialista do PAM abordou também a importância de promover a diversificação de fontes de rendimentos e dos meios de sustento para reduzir a dependência da agricultura e da pecuária para que as famílias “possam resistir melhor” em anos de fraca produção.

No entanto, além destas medidas de médio e longo prazo, urge implementar intervenções mais imediatas, de emergência, para reduzir os efeitos da seca.

“Onde os níveis de desnutrição aguda já são bastante elevados, há necessidade de intervenção imediata. Outra medida imediata é proteger os meios de sustento, já que quando há uma crise alimentar as famílias vendem os seus bens para comprar alimentos e, dessa maneira, perdem todos os animais que tinham e esse processo não favorece o combate à pobreza”, sublinhou.

Seca não pode acabar (os ladrões precisam dela)

Tal como pretende o governo do MPLA, não interessa ensinar a pescar nem mandar peixe. Interessa é mandar dinheiro para, supostamente, ensinar a pescar e comprar peixe. Assim, por exemplo, a União Europeia vai lançando mais umas tranches de um fundo de subvenções para financiar projectos de organizações da sociedade civil nas províncias da Huíla, Cunene e Namibe, afectadas pela seca.

Em Setembro de 2019 a verba aprovada foi de 12.337.500 euros, uma parte de um total de 65 milhões de euros, financiados pela UE no âmbito do pomposo projecto de Fortalecimento da Resiliência e da Segurança Alimentar e Nutricional em Angola (FRESAN). Do valor total, 48 milhões de dólares foram geridos pelo instituto Camões de Portugal, nos quatro anos de validade do projecto.

Segundo a gestora de subvenções do projecto de segurança alimentar, Ana Teresa Forjaz, foi lançado um desafio às organizações da sociedade civil a apresentarem, até 14 de Outubro de 2019, projectos na área com enfoque na água, por ser uma prioridade e necessidade garantir-se às comunidades o acesso a esse bem.

“O segundo convite destina-se a projectos que possam trabalhar na área da segurança alimentar e nutricional e poderão ter diferentes actividades consoante o foco e a experiência das organizações da sociedade civil, por um lado, mas, obviamente, adequando ao diagnóstico e às necessidades das comunidades rurais que são o público-alvo do projecto”, referiu a responsável em declarações à rádio pública angolana.

De acordo com a gestora, um terceiro convite foi lançado às organizações da sociedade civil para um maior apoio às cooperativas, associações de produtores, nas áreas de comercialização, transformação e processamento dos produtos agrícolas.

É claro que o Titular do Poder Executivo está atento. Prova disso foi, na altura, o contrato rubricado com o Japão e destinado ao sector dos transportes, avaliado em 600 milhões de dólares e que, ao que tudo indica, visava transportar… água para as regiões carenciadas.

Seca é uma galinha de ovos de ouro para o MPLA

Em Maio de 2019, as Nações Unidas disponibilizaram a Angola 6,4 milhões de dólares (5,7 milhões de euros) para ajudar o Governo a fazer face à crise de seca no sul do país. E o que fez o Governo? A fazer fé no seu crasso historial de incompetência gastou-o, é claro, mantendo mais esta galinha dos ovos de ouro, de modo a que a seca continue e as doações também.

Em comunicado, as Nações Unidas anunciaram na altura que a referida ajuda se enquadrava no Fundo Central de Resposta a Situações de Emergência (CERF, na sigla em inglês) e deveria ser aplicada em projectos nas províncias do Cunene, Huíla, Bié e Namibe, para beneficiar as pessoas afectadas pela seca.

“O Fundo de Emergência (o CERF) será dirigido às populações mais vulneráveis e com maiores carências que residem nos municípios das quatro províncias mais afectadas (Cunene, Huíla, Bié e Namibe)”, referia o documento.

As áreas de nutrição, água e saneamento, agricultura e segurança alimentar, saúde e protecção são as que devem merecer (em tese) a atenção do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), do Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP) e da Organização das Nações Unidas para a Saúde (OMS), as agências encarregues de implementar as ajudas.

O documento sublinhava que 44% do total do fundo seria direccionado para a nutrição, 27,8% para a água e saneamento e o restante será dividido entre os projectos de saúde, segurança alimentar e agricultura e protecção.

“O severo impacto da seca no sul tem levado à deterioração rápida dos meios de subsistência da população. Segundo dados do Governo provincial do Cunene, o número de pessoas que precisam de ajuda humanitária nessa província aumentou de cerca de 250 mil, em Janeiro de 2019, para 860 mil em Março desse ano, o que representa já 80% do total da população da província”, realçava a nota.

A ONU estimava que 2,3 milhões de pessoas não estão em condições de satisfazer as suas necessidades nutricionais nas quatro províncias mais afectadas, sendo que cerca de 490 mil são crianças com menos de cinco anos. O apoio inclui igualmente a saúde e protecção de cerca de 37 mil mulheres grávidas.

Em 2019, as Nações Unidas consideravam que para fazer face à crise e situação de emergência que o país vive seriam necessários 92 milhões de dólares (82,4 milhões de euros), pelo que os 6,4 milhões de dólares disponibilizados correspondiam a 6,9% do total das necessidades estimadas.

O que diziam as notícias em… 2017

Angola calculou (2017) em 464,5 milhões de dólares (407,8 milhões de euros) as suas necessidades de recuperação sobre os efeitos e impactos causados pela prolongada seca, que afectou, nos últimos cinco anos, mais de um milhão de pessoas.

Os dados constam de um relatório sobre a Seca em Angola entre 2012-2016 e de Avaliação das Necessidades Pós Desastre (PDNA, sigla em inglês), elaborado pela Comissão Nacional de Protecção Civil, com apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), União Europeia e Banco Mundial.

O relatório dividia em quatro categorias as necessidades: reconstrução de activos físicos; retoma da produção, funcionamento dos serviços e acesso a bens e serviços; restabelecimento da governação e dos processos de tomada de decisão e resolução das vulnerabilidades e riscos.

O orçamento proposto de 464,5 milhões de dólares elegia os sectores agrícola e hídrico como os mais necessitados, com 189 milhões de dólares (165,9 milhões de euros) e 97 milhões de dólares (85,1 milhões de euros), respectivamente.

“As necessidades de recuperação incluem medidas a curto prazo (seis meses a um ano), médio prazo (1 a 2 anos) e longo prazo (2 a 4 anos)”, refere o documento.

A curto e médio prazo, o Governo apontava medidas como a reabilitação da produção agrícola e pecuária, das fontes de água para aumentar a sua disponibilidade de consumo humano e animal, apoio aos centros de nutrição para o tratamento da subnutrição, o fomento dos programas de alimentação escolar e a promoção de actividades alternativas de geração de receitas.

Já as necessidades de recuperação a longo prazo incluíam medidas para a redução do risco e impacto da seca no sul de Angola, através de uma melhor gestão dos recursos naturais, como a reflorestação, introdução de técnicas de recolha de água, sistema de irrigação comunitária, entre outras.

O Governo estimou na altura em perdas e danos para as três províncias mais afectadas pela seca em Angola um total de 749 milhões de dólares (657,6 milhões de euros).

Os sectores da agricultura, pecuária e pesca eram “os de longe os mais afectados”, como descrevia o relatório, salientando que as perdas nas três províncias foram calculadas com base na quebra da produção de cereais e outras culturas, de leite e de carne, enquanto os danos foram calculados baseados nas mortes reportadas de animais no Namibe (110.000), na Huíla (150.000) e Cunene (240.000), num total de 500.000 animais mortos.

Para o sector da água, saneamento básico e higiene calculava-se que o total de danos se situasse nos 52,5 milhões de dólares (46 milhões de euros), que tem em consideração os 80 por cento de poços actualmente inoperantes, a necessitar de parcial ou total reparação.

A nível do sector da agricultura, pecuária e pesca, as maiores perdas registaram-se na área da segurança alimentar, estimada em 82 milhões de dólares (71,9 milhões de euros), representando 18 por cento do total das perdas.

“O sector da nutrição também registou perdas significativas avaliadas em 32,8 milhões de dólares (28,7 milhões de euros)”, refere o relatório, esclarecendo que estas perdas reflectem os custos adicionais nos quais o Governo angolano e a comunidade internacional incorreram para reduzirem a insegurança alimentar e a subnutrição nas populações atingidas pela seca nas três províncias.

Apoios europeus? Quantos mais… melhor!

A União Europeia disponibilizou, em 2017, 65 milhões de euros para desenvolver em três províncias do sul de Angola, afectadas pela seca, um projecto para o reforço da segurança alimentar e nutricional, que deveria arrancar em 2018.

No país real, o tal dos 20 milhões de pobres, as províncias beneficiárias da ajuda europeia eram, foram, seriam o Cunene, Huíla e Namibe, regiões que nos últimos anos registaram períodos de seca severa, que afectou mais de um milhão de pessoas com prejuízos económicos na ordem dos 656,8 milhões de euros, segundo dados do Governo angolano.

Segundo a então gestora do projecto junto da União Europeia em Angola, Susana Martins, o principal objectivo era contribuir para a redução da fome e da pobreza nas camadas mais vulneráveis dessas três regiões, garantir a segurança alimentar e nutricional, com o reforço da agricultura familiar e sustentável.

Susana Martins, citada pela Angop, referiu que o projecto estava dividido em várias componentes, nomeadamente a introdução de metodologias de formação nas diversas comunidades abrangidas, nas escolas de campos agrícolas e agro-pastoris, bem como de equipamentos e práticas de agricultura que iriam facilitar o trabalho e aumentar a produção.

Com este projecto pretendia-se ainda dinamizar o sistema de reservas alimentar, sensibilizar para a melhoria nutricional através da educação alimentar, reabilitar infra-estruturas para captação e conservação de água para irrigação, consumo humano e animal.

As acções iriam estar igualmente viradas para apoiar a resiliência dos agricultores e produtores familiares, com a divulgação de técnicas de multiplicação e promoção de bancos de sementes, conservação e uso sustentável dos solos e pastos.

Em Fevereiro de 2016 as Nações Unidas doaram a Angola 8,2 milhões de dólares para executar um projecto de combate às alterações climáticas na província do… Cunene, que enfrentava há vários anos uma seca severa.

A então ministra do Ambiente, Fátima Jardim, e o Coordenador residente das Nações Unidas em Angola, Pier Paolo Balladelli, assinaram no dia 11 de Fevereiro de 2016 o Memorando de execução do Projecto de Resiliência às Alterações Climáticas na Bacia Hidrográfica do Rio Cuvelai.

O projecto, a ser – dizia-se – desenvolvido até 2019, visava ajudar – se as verbas não se perdessem pelo caminho – a reduzir as vulnerabilidades decorrentes de alterações climáticas, que afectam os habitantes naquela zona, através de investimentos direccionados e o desenvolvimento das suas capacidades.

Concretamente, o projecto vai (ou iria) promover a instalação de um sistema de alerta rápido, o reforço da capacidade do serviço de hidro-meteorologia local, que vão (ou iam) monitorizar as condições metrológicas extremas e as alterações climáticas na Bacia do Rio Cuvelai.

Em declarações à imprensa no final da cerimónia, Fátima Jardim disse que o projecto estava (ou está) inserido no Plano de Adaptação de Angola, uma obrigação da Convenção-quadro da ONU para as alterações climáticas.

Fátima Jardim agradeceu às Nações Unidas a rápida resposta ao apelo de Angola, esperando a continuidade de ajudas, sobretudo dos países desenvolvidos, para “contribuições importantes” como esta feita pela ONU para a província do Cunene e o sul de Angola, há vários anos assolados por uma seca severa.

“Apresentamos esse projecto às Nações Unidas, que é um projecto que se enfoca hoje para a província do Cunene, mas que temos a intenção de abrir à parte sul do país, porque é a parte que de uma forma mais adversa e notória sofre riscos climáticos”, referiu a ministra.

A titular da pasta do Ambiente sublinhou a importância de se educar as comunidades no Cunene, onde a desflorestação é “muito agressiva”, para serem corrigidas “algumas práticas incorrectas cometidas até agora”.

Segundo Fátima Jardim, o Plano de Adaptação de Angola estava orçado em mais de 10 mil milhões de dólares, e tem inúmeros projectos nas áreas da agricultura, da educação das comunidades, entre outras, que continuarão a ser apresentados à comunidade internacional.

Por sua vez, Pier Paolo Balladelli salientou que o projecto além de trabalhar na mitigação climática vai igualmente diminuir a pobreza.

“Os camponeses que vão ser parte alvo deste projecto sobre a Bacia do Rio Cuvelai vão ter muito mais capacidade de resiliência, porque vão ter mais informações sobre como ele tem que se adequar para ter cultivações mais rentáveis nesse tipo de problemas que temos pela mudança climática”, adiantou.

Pier Paolo Balladelli, na altura igualmente representante em Angola do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), elogiou (não é mentira, elogiou mesmo) a vontade e capacidade de o Governo angolano “trabalhar conjuntamente com os outros países a nível mundial para se adaptar à mudança climática através de projectos-pilotos como este”.

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