Depois de um mês de silêncio sepulcral da parte do Senhor Presidente da República João Lourenço, eis que Sua Excelência tira uma carta da manga na abertura da segunda sessão ordinária do Conselho de Ministros, uma proposta de revisão pontual da Constituição.
Por Carlos Pinho (*)
Eu de facto vi-o numa reportagem do passado dia 2 de Março na TPA, a apresentar o seu discurso. Só que a minha esposa, incomodada com o tom monocórdico do discurso de Sua Excelência, intimou-me a mudar de canal, sob pena de adormecermos perante tanta conversa para limpar “o cu a meninos”. Conversazinha enfadonha que afasta os telespectadores, salvo, é claro, os batedores de palmas costumeiros. Mas pronto, valeu-me a folha de couve do regime, vulgo Jornal de Angola, do dia 3 de Março de 2021, que trouxe uma íntegra de tal soberba amostra de oratória presidencial, para consolo de telespectadores pouco respeitadores como eu.
De um modo geral o pessoal foi apanhado de surpresa e talvez por isso, na maioria dos comentários que apareceram na comunicação social angolana, salvo raras excepções como é o caso do Folha 8, ninguém se tenha apercebido desta jogada desesperada do Presidente da República, com o fito de reorientar os olhares e preocupações dos angolanos para temas bem diferentes dos problemas de Cabinda, Cafunfo, COVID-19, pobreza recorrente e outros análogos.
Não é que uma revisão da Constituição angolana não seja pertinente e importante! Mas nada obsta a que, com aquilo que está actualmente em vigência em termos legais, não se possa actuar no respeitante às governações locais, regionais, provinciais, por forma a dar responsabilidades aos filhos dessas terras na condução dos seus destinos, isto no âmbito de uma Angola unida, que saliento, é aquela em que eu acredito. Como referi no meu último artigo de opinião que apresentei aqui no Folha 8 e intitulado “Divagações sobre tratados e não só”, e passo a citar, “A maneira arrogante como Luanda, e aqui o termo Luanda refere-se à camada (ou melhor camarilha) dirigente, que arrogantemente e à lei da pancada e da bala tem resolvido os problemas e as necessidades regionais, ao invés de ter promovido uma descentralização administrativa, quiçá até criando uma República Federal. Isto por um lado iria dar uma resposta aos desejos autonómicos das diversas províncias tão díspares e por outro responsabilizá-las quanto aos objectivos de independência e unidade nacional comuns”, o MPLA continua na sua cegueira contumaz a ignorar a realidade social, cultural e política do país. E depois as coisas correm mal, de um modo enfadonhamente repetitivo, como todos nós sabemos.
Mas pronto, deixemos este meu desabafo e vamos pensar que o discurso de Sua Excelência, se bem que chato e fastidioso, foi o resultado de um pensamento maduramente elaborado e que em consequência a rapaziada da Assembleia Nacional se vai dedicar à tarefa suprema de alterar e aperfeiçoar a Constituição angolana. É! Talvez assim deixem de pensar tanto no próximo modelo de veículo automóvel que o erário público lhes irá arranjar, e façam algo de minimamente útil. Mas só pontualmente, que trabalhar cansa e trabalhar muito, cansa muito mais!
Ora, além dos tópicos do referido discurso mais enfatizados nos meios de informação angolanos, concretamente:
– A clarificação do modelo de relacionamento institucional entre o Presidente da República, enquanto Titular do Poder Executivo, e a Assembleia Nacional, no que respeita à fiscalização política;
– A consagração do direito de voto aos cidadãos angolanos residentes no exterior;
– A consideração de um Banco Nacional de Angola como Entidade Administrativa Independente do Poder Executivo;
– A eliminação do princípio do gradualismo como um princípio constitucional condutor do processo de institucionalização efectiva das autarquias locais;
– A instituição de um período fixo para a realização das eleições gerais;
– E finalmente a consideração de que o Tribunal Supremo esteja no topo de todos os tribunais superiores;
há, a meu ver, alguns aspectos que, propositadamente ou não, não foram referidos no discurso presidencial, ou não foram considerados relevantes em termos de análise do mesmo por parte da imprensa. Admito que possa estar a ser injusto nalguns desses temas, pois não tenho acesso fácil a toda a imprensa escrita. Mas do que li…
Passo a explicar. Há logo quem tenha ido à questão da eleição directa do Presidente da República, caso do PSR, ou a uma revisão profunda da Constituição como é o caso da UNITA a que se junta a CASA-CE. E há ainda quem tenha aflorado a questão do federalismo, novamente o caso do PSR. Isto tudo numa análise à vol d’oiseau, ou seja, muito pela rama, da parte de alguém que começa a não acreditar que Angola alguma vez tenha conserto. Mas bom, mantendo ainda alguma crença, adiciono à festa, a questão da nacionalidade a ver se acabamos de uma vez por todas com o diferencial entre os angolanos genuínos, bantus e outros que tais, que se arvoram de uma superioridade rácica e cultural e consequentemente da tal supracitada genuinidade. Adiciono ainda a questão dos símbolos nacionais, em concreto de uma bandeira nacional diferente da actual, para que se representem todos os angolanos e não unicamente os adeptos de um único partido. É que um país não é uma claque de futebol, embora o MPLA pense o contrário.
Não entrando em mais detalhes neste simples texto, o fundamental é que se perceba que face à quantidade e pertinência de questões que têm sido levantadas por alguns partidos no respeitante à extensão de uma revisão constitucional, e se de facto o MPLA pretende levar Angola por novos caminhos, ao invés dos ínvios por onde conduziu o país nos seus 45 anos de vida independente, primeiro como um partido comunista sem vergonha de se assumir como tal e depois como um partido capitalista igualmente desavergonhado, ou seja surfando a onda política vigente para se manter na crista da mesma, qual cata-vento oportunista, então terá de realizar uma revisão profunda da Constituição. Porém, se o MPLA quiser continuar na política de esquemas, que lhe tem sido tão cara, lá vai, que nem velha gaiteira, meter um pouco de botox aqui e ali, a ver se arranja um velho rico, o qual em termos práticos não é mais do que a malta que sustenta e apoia o partido, velho esse que alinhe num casamento de conveniência. E os problemas continuarão por mais umas décadas. É o que dará a velha tática de assobiar para o lado.
Mas pronto, o pessoal já deve ter quase esquecido Cabinda e o Cafunfo. Ufa! Custou, mas foi!
Este é o MPLA que temos. Triste sina a nossa!
(*) Professor na FEUP – Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.
Nota. Todos os artigos de opinião responsabilizam apenas e só o seu autor, não vinculando o Folha 8.