As autoridades da República Democrática do Congo acusam o governo de Angola de nada ter feito para impedir que a Sociedade Mineira do Catoca continue a poluir a zona fronteiriça; Baixo Zaire, Nordeste, com líquidos tóxicos, provenientes das lavarias de mineração, que invadem os rios do país vizinho, causando a morte de espécies como peixes e, hipopótamos e, até, populares que habitam ao longo das zonas ribeirinhas.
Por Matondo Ikango (*)
“As nossas autoridades, por negligência da Sociedade Mineira de Catoca, explorada pelos russos e angolanos, registaram, desde Julho, a morte de 18 pessoas, que vivem em zonas banhadas pelos rios Kasai e Tshikapa, para além da morte de um número elevado de cardumes de peixes e de cerca de 20 hipopótamos, causados por líquidos e produtos tóxicos, provenientes das lavarias dessa mina, que não tem controlo de segurança e as tubagens serem velhas, apesar de ser considerada a quarta maior mina do mundo”, denunciou ao Folha 8, o engenheiro congolês, Kamuina Kalombo.
Recorde-se que o Rio Kassai nasce na Lunda Sul, entra para a República Democrática do Congo, percorrendo 170 km, desaguando no rio Congo, numa extensão de 2.153 km, fazendo parte da bacia hidrográfica dos dois países, com 900 000 km2 de área e uma vazão média de 1.200 metros cúbicos por segundo.
“Não é a primeira, nem a segunda vez, que se assiste a esta acção irresponsável, negligente e dolosa das autoridades angolanas, que não têm em linha de conta a vida das populações que vivem dos dois lados da fronteira comum, dos rios que banham a área e dos seus seis afluentes (Rio Fimi, Rio Cuílo/Rio Cuango, Rio Chicapa, Rio Loange, Rio Sankuru, Rio Lulua). Tão pouco conseguem, talvez devido à corrupção e ao complexo de inferioridade, colocar um travão às atitudes criminosas das empresas, multinacional russa Alrosa e chinesa Leviev International-LLI, que estão a causar muitos danos, não só na Lunda-Angola, como também na RDC”, assevera o engenheiro.
Tendo inicialmente negado, qualquer implicação nos incidentes, ante as evidências demonstradas pelas autoridades congoleses e a uma eventual apresentação de queixa-crime, internacional, a Sociedade Mineira de Catoca recuou no seu “trungungu”, reconhecendo, em comunicado, o derrame de resíduos na mina de diamantes, devido a um problema no sistema de drenagem. Mas descarta a presença de quaisquer metais pesados, que tenham entrado nas águas dos rios Kassai e Tshikapa, considerados os mais afectados.
“Esta empresa não é séria, não está comprometida com o ambiente, apenas têm interesse na exploração dos diamantes e depois vão deixar a região com uma série de buracos, sem desenvolvimento e regressam para os seus países, pois é assim que eles continuam a ver África, com a visão colonial, onde o respeito das regras internacionais, não devem ser aplicadas, pois contam com a cumplicidade de líderes com mente neocolonial e corrupta”, acusa o engenheiro Kamuina, exibindo a cor vermelha da água dos rios e de um dos hipopótamos mortos, pela tubagem desta mina responsável por mais de 75% da extracção de diamantes em Angola.
Para o engenheiro congolês, o seu país não acredita “numa auditoria internacional, se esta for mobilizada, exclusivamente, pelos russos e angolanos. Para haver seriedade terão de vir especialistas reputados, que sejam do conhecimento de todas as partes, pois nós queremos dar um basta definitivo a estes crimes ambientais e não optar por paliativos, que só beneficiam os novos exploradores colonialistas”.
A desconfiança dos nossos irmãos congoleses é estimulada pelas afirmações desconexas dos governantes angolanos, mesmo diante da existência de provas, como as do ministro do Turismo, Cultura e Ambiente, Jomo Fortunato, que ao invés de ir ao local, constatar o derrame, foi acusando, inadvertidamente, as autoridades congolesas de estarem a poluir o rio Zaire a partir de derrame de líquidos do Porto de Matadi.
“Apesar de todo este capital de exploração e receitas, os únicos beneficiados são os estrangeiros, a corja de dirigentes corruptos, capitaneados por Nganga Júnior, ministros do executivo de João Lourenço e o MPLA, porque as populações da região, estão votados à mais dura miséria, devido ao desemprego”, afirmou Manuel N’jinga, membro da Corte Real do Reino Tchokwe.
“Foi isso que esteve na base da manifestação de Janeiro de 2021, reivindicar emprego, fim da fome e miséria dos povos de Kafunfu, Kuango e demais zonas do Reino ricas em diamantes, madeira e potencialidades agrícolas, no Moxico, mas que não beneficiam os autóctones locais. Com base nesse alerta, o regime e a Polícia do MPLA e os seus militares assassinos cometeram mais um crime de genocídios, contra os povos Lundas, assassinando mais de 158 pessoas indefesas e inocentes”, disse ao Folha 8, o Mwene Njinga.
A Sociedade Mineira de Catoca Lda. é uma empresa angolana de prospecção, exploração, recuperação e comercialização de diamantes. Constituída pela Endiama (Angola), Alrosa (Rússia), e Lev Leviev International – LLI (China), é a quarta maior mina do Mundo explorado a céu aberto e a maior empresa no subsector diamantífero em Angola, sendo responsável pela extracção de mais de 75% dos diamantes angolanos.
Do ponto de vista formal tem como missão “recuperar de forma sustentável as reservas diamantíferas, assegurando que os seus produtos se distingam internacionalmente pelo seu valor e elevada qualidade, promovendo o desenvolvimento económico e social, bem como a responsabilidade socio-ambiental e um clima organizacional positivo, assente em práticas seguras, valores e princípios éticos.”
Ainda do ponto de vista formal, a empresa diz que os valores que a movem são “os da ética, respeito, confiança, segurança, disciplina, solidariedade, comprometimento, excelência, inovação e competitividade”.
Posição da Sociedade Mineira de Catoca
A Sociedade Mineira de Catoca descartou a presença de metais pesados nas águas dos rios afectados por um acidente no seu sistema de drenagem, nomeadamente uma rotura numa conduta.
Segundo a sociedade mineira angolana “está descartada a presença de metais pesados na água dos rios afectados pelo vazamento de `polpa da bacia de rejeitados´, em consequência do incidente registado no seu sistema de `drenagem de rejeitados´, mais concretamente uma ruptura na conduta que funciona como `vertedor´”.
Tal ocorrência – admite a sociedade mineira – terá causado “um vazamento no rio Lova e adjacente”, mas “a ruptura foi completamente estancada e assiste-se agora ao processo de reposição natural da cadeia dos rios afectados”.
A `bacia de rejeitados´, adianta a empresa, “contém apenas misturas de rochas naturais, como areia e argila, e a composição da matéria corresponde aproximadamente aos fluxos de lama na estação chuvosa e não contém componentes químicos externos, o que nos permite afirmar que tal situação não representa risco de vida para as populações afectadas”.
Segundo a sociedade mineira, quando se registou a ocorrência uma equipa de empresa “agiu imediatamente para estancar a ruptura e o processo ficou normalizado”.
Nesta altura – alega a Sociedade Mineira de Catoca – o principal objectivo foi “minimizar o impacto deste acidente, ajudando as comunidades locais e trabalhando em cooperação com especialistas de diferentes instituições públicas e privadas para prevenir quaisquer futuros acidentes”.
Segundo a mineira, decorrem os trabalhos para a realização de uma auditoria independente às estruturas hidráulicas e outras instalações de produção com o envolvimento de especialistas internacionais para identificar e eliminar o risco de acidentes semelhantes no futuro, uma acção recomendada pela Comissão Multissectorial que acompanha a realização do trabalho.
“Até agora temos que 12 pessoas morreram por causa da contaminação destes rios, que já não podem ser usados até serem desinfectados”, disse o porta-voz do Ministério do Ambiente da RD Congo, Michel Koyakpa, à agência espanhola de notícias, Efe.
“Os pescadores estão parados e muitos peixes e outras espécies morreram, sem contar com outros perigos para o ecossistema”, acrescentou o porta-voz.
“Depois do trabalho árduo efectuado, o Governo da República irmã de Angola e a sociedade mineira Catoca reconheceram a sua responsabilidade neste drama, pelo qual exigimos uma indemnização”, disse o porta-voz.
Em conferência de imprensa, a ministra do Ambiente da RD Congo, Eve Bazaiba, expressou também indignação pelo sucedido e sublinhou que o próprio Governo angolano e a empresa haviam reconhecido a sua responsabilidade pela contaminação dos rios.
A contaminação dos rios começou a notar-se desde Julho e, além das mortes, causou diarreia aos habitantes de toda a região servida pelos rios.
(*) No Baixo Zaire e Lundas