Vivia-se o ano de 1962 do século passado e os pólos industriais dos bairros do São Pedro, São João e Chiva dinamizavam a economia da província do Huambo. Com mais de sessenta indústrias activas subdividas entre fábricas têxteis, confecções, couro e calçados, alimentar, bebidas e tabaco, madeira e mobiliário e materiais de construção, o Planalto Central não importava quase nada, evidenciando, claramente, a sua robustez no sector.
Por Fernando Cunha (*)
Até 1992, a cidade do Huambo chegou a ter o segundo maior parque industrial de Angola, empregando directamente mais de três mil pessoas e criando, com o seu funcionamento, o dobro de empregos indirectos em toda a região.
Com o despoletar da guerra pós-eleitoral deste ano por todo o país, a região planáltica acabou por ser das mais afectadas, ao ponto de as indústrias símbolos da cidade, como a York Social Confecções, a Coalfa (ao tempo, a maior fábrica de bebidas etílicas do centro sul), a Pequilene Plásticos, a Ulísses, montadora das célebres motorizadas Yamaha, a Sodet ou a Massa Duquesa terem os seus espólios patrimoniais completamente destruídos.
“Vendo tudo isso conforme está, dá vontade de chorar. Vivemos aqui momentos felizes. Não importávamos quase nada. Era tudo produzido localmente. Hoje por hoje, vê-se claramente que o gigante industrial se esfumou no tempo”, afirma nostálgico Marcolino Arão.
À época com 17 anos, chegou à Coalfa do São Pedro em 1967 e lá trabalhou até ao reacender do conflito armado. Já João Armando, seu contemporâneo, viveu momentos felizes na fábrica de massa alimentar Duquesa, bem ao lado. Ambos representavam, na altura, uma geração de jovens que acreditava piamente nas potencialidades agro-industriais da terra que os viu nascer, mas que, entretanto, viram os sonhos esfumar-se com o tempo, restando-lhes apenas ver, todos os dias, os escombros de um património que chegou a colocar a província do Huambo no segundo lugar do top três da indústria angolana.
Uma das tarefas fundamentais constitucionalmente exigidas ao Estado é a promoção do desenvolvimento harmonioso e sustentado em todo o território nacional e que visa a melhoria dos índices de desenvolvimento humano e promova a erradicação da pobreza. Nesta perspectiva, em 2013, produziram-se leis que visavam a revitalização do sector na província, criando o Pólo Industrial da Caála.
Tendo em atenção a vocação industrial da província, as suas potencialidades agrícolas, a qualidade de trabalho do seu povo, a robustez financeira que o Estado apresentava na altura, aliada à extensa rede de transportes que vai do Caminho de Ferro de Benguela – atravessa toda a província -, às suas várias redes rodoviárias, colocam o Huambo num dos eixos estratégicos mais importantes para a diversificação que se quer da economia, o projecto tinha “pernas para avançar”.
A iniciativa privada foi apontada como sendo preponderante, na meta do Executivo, para o fortalecimento da economia nacional por via das actividades que pudessem levar ao desenvolvimento do sector industrial. Na altura, o então director do Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Indústria, Ivan Prado, apontava que a infra-estruturação do Pólo Industrial da Caála variava entre os 70 a 75 milhões de dólares norte-americanos, já que contemplava a construção e instalação de vias de comunicação, energia eléctrica, água potável e demais projectos que iriam facilitar a instalação das unidades industriais.
Destes projectos de infra-estruturação, apenas chegou ao pólo a energia eléctrica, cujo processo já estava em implementação por via do sistema de electrificação de Laúca, que fornece energia eléctrica às províncias do Huambo e Bié. O restante processo continua estagnado por falta de investimentos, quer público, quer privado.
Em 2016, foram formalizados 142 pedidos ao regulador para aquisição de títulos provisórios, mas, neste momento, na reserva fundiária atribuída pelo Estado para a edificação do Pólo da Caála funcionam activamente oito micro-empresas, que se dedicam à fabricação de carteiras escolares, camas hospitalares, armários, mesas, tanques de plástico e colchões.
Os irmãos Tatulava Hossi são oriundos de uma família extremamente pobre da região da Ngadavila, comuna da Calima, no município do Huambo, que muito cedo compreenderam que a vida se ganha trabalhando com abnegação, sem queimas e, principalmente não enganando o próximo. Princípios estes que “beberam” do patriarca da família, o ancião Crispino Tatulava Hossi.
Perante a realidade objectiva do mundo do trabalho e a pobreza extrema que se abatia sobre si e a sua família, o patriarca decide, em 1992, “emigrar” – dentro da sua própria terra -, em direcção à cidade do Huambo, instalando arraiais no bairro da Munda Paiva, nas proximidades da região do forte da Kissala, localidade onde está situada a Ombala Wambo, residência oficial da entidade máxima tradicional. O começo na Munda Paiva, recorda Augusto Tatulava Hossi, o primogénito de 12 filhos do velho Crispino, e hoje com 35 anos, foi “de cortar à faca”.
“Quando em 1992 o pai chegou ao bairro da Munda Paiva ainda não existia o aglomerado populacional de hoje. Passámos fome. Mas o pai teve a sapiência em ocupar uma boa parcela de terra e com a experiência de cultivar a terra, que já trazia da Ngadavila, começou a cultivar milho, que servia para a nossa alimentação e para algumas trocas”, afirmou. Os anos passavam, a vida, como afirma, continuava dura e a família aumentava. Os Tatulava Hossi viravam-se, a exemplo da maioria, como podiam. Até que, em 2002, o pai Crispino conseguiu, após muita engenharia, a “sua primeira máquina de triturar grãos”, que veio a colocar numa estrutura móvel que possuía no bairro da Calomenha, próximo da Munda. Era o começo de uma nova etapa de vida.
Uma etapa de vida que veio a revelar-se fundamental, pois, sem perceber a sucessão de factos no tempo, em 2009, Crispino Tatulava Hossi, já era dono de três moageiras instaladas entre os bairros da Munda Paiva e do Calomenha. Em 2011, o patriarca da família foi para junto do Senhor e hoje quem dá vazão ao negócio é Augusto, o primogénito. Em 2014, o Inefop iniciou um processo de revitalização económica no seio da juventude e os irmãos Tatulava Hossi, nesta época já liderados por Augusto, aproveitaram e bem os contornos do programa. O mesmo passava, entre várias exigências, pela criação de uma cooperativa com cinco integrantes e, mediante o cumprimento de todos os requisitos, podiam os concorrentes ter acesso até a um milhão de kwanzas em empréstimos bancários.
Dinheiro que se revelou crucial para a edificação de um pequeno “império” de transformação de milho em fuba e farelo. Com o valor em referência, a família construiu mais duas moageiras no bairro do Ngulonda, a oeste da cidade, e hoje, já com seis pequenas indústrias trituradoras de milho e bombo, facturam em torno de 130 mil kwanzas por dia, valores que, multiplicados pelos 26 dias de lubata, podem chegar a render-lhes, de lucros, cerca de três milhões de kwanzas por mês. Sendo um negócio de família, raramente eles empregam gente de fora, optando, segundo explica Augusto, pela regra da concentração que torna a família mais confiante e segura.
“Apesar da crise que se vive por aí, conseguimos pagar as dívidas bancárias que criamos ao assumir o crédito no passado. Após uma observação exaustiva, pensamos, em 2021, investir nas nossas origens, a Ngadavila. Sendo uma povoação propícia para a agricultura, a família pensa seriamente em dar utilidade produtiva às terras deixadas pelo nosso patriarca, plantando alguns hectares de milho, feijão e mandioca”, afirma confiante Augusto.
A edificação, na região, de uma pequena moageira, com duas máquinas trituradoras de grão, esclarece, não está fora dos interesses familiares.”Vai nos permitir arrecadar mais milho junto daquelas famílias que não têm como moer a produção que realizam durante a época agrícola. Porque, por cada cinco quilos transformados em fuba ou farelo, o dono da moagem ganha um quilo…”
(*) Jornal de Angola