O economista-chefe do Banco Africano de Exportações e Importações (Afreximbank) defendeu hoje, em entrevista à Lusa, que os investidores europeus devem alinhar a percepção com a realidade em África, considerando que as perspectivas são positivas.
“África está a tornar-se mais resiliente, lançou reformas muito difíceis, há dois meses a Nigéria cortou subsídios em plena pandemia, e os investidores europeus (portugueses incluídos) têm de alinhar a percepção que têm do continente com a realidade que existe hoje”, defendeu Hippolyte Fofack.
“As percepções sobre o continente estão atrasadas relativamente à realidade e às perspectivas positivas que existem, e que serão ainda mais positivas com a implementação do acordo sobre a Área de Livre Comércio Continental Africana (ALCCA)”, que entrou hoje em vigor, acrescentou Hippolyte Fofack.
Questionado sobre se Angola e Moçambique estarão entre os países que sairão mais beneficiados com a liberalização das tarifas alfandegárias, o economista-chefe do Afreximbank vincou que os países mais diversificados estarão em melhor posição para aproveitar o acordo.
“Queremos que todos ganhem, é a melhor maneira de garantir que todos trabalham em conjunto e ninguém sai da união, mas um país que tenha uma economia mais diversificada e com mais bens manufacturados estará mais bem posicionado para beneficiar do acordo, porque a produção artesanal é uma condição chave”, argumentou o economista.
Sobre Angola, cujas exportações de petróleo representam mais de 95% do total das exportações do país, tendo uma economia muito pouco diversificada, Hippolyte Fofack elogiou o Presidente, João Lourenço, pelas reformas, mas sem esconder as dificuldades.
“O actual Presidente fez, nos últimos dois anos, reformas muito difíceis para acelerar a mudança estrutural e promover a industrialização, e a certo ponto falámos sobre a criação de uma fábrica de medicamentos e material médico, porque África gasta 16 mil milhões de dólares por ano na importação de medicamentos e produtos farmacêuticos, por isso, se conseguir curar-se da ‘doença holandesa’, pode beneficiar destas reformas, porque tem mercado que justifica esse investimento a longo prazo”, defendeu o economista.
A ‘doença holandesa’ é uma expressão utilizada para caracterizar as economias que são tão dependentes de uma só matéria-prima, ou produto, que acabam por descurar a produção de outros produtos, bens ou serviços, ficando mais vulneráveis a choques que aconteçam nesse sector, que é essencial para equilibrar as finanças públicas.
“África está a embarcar numa nova jornada, e vão ser precisas injecções de ‘capital paciente’ para acelerar a transformação das economias africanas, como Angola ou Moçambique, e permitir que beneficiem completamente do acordo que está agora a ser implementado”, concluiu o economista camaronense.
O acordo de livre comércio em África cria um mercado único de 1,3 mil milhões de pessoas com um Produto Interno Bruto de 3,4 biliões de dólares, o equivalente a cerca de 2,7 biliões de euros, e abrange a grande maioria dos países africanos.
Os países africanos apresentam divergências de desempenho crescentes em termos de Governação Global. O progresso continental é impulsionado sobretudo por 15 países que conseguiram acelerar o seu ritmo de evolução nos últimos cinco anos. O progresso é mais notável na Costa do Marfim, em Marrocos e no Quénia. Esta divergência também se reflecte nas variações de resultado do Desenvolvimento Económico Sustentável. Embora 27 países de África tenham demonstrado alguma melhoria, em 25 países, que representam 43,2% dos cidadãos africanos, o desempenho piorou nos últimos 10 anos.
Não existe uma forte correspondência entre a dimensão da economia de um país e o seu desempenho em termos de Desenvolvimento Económico Sustentável. Em 2017, quatro dos 10 países com o PIB mais elevado do continente continuavam a classificar-se abaixo da média africana e permanecem na metade inferior das tabelas, nomeadamente a Argélia, Angola, a Nigéria e Sudão. Ao mesmo tempo, duas das mais pequenas economias do continente, Seicheles e Cabo Verde, alcançam posições mais elevadas.
A trajectória da classificação africana média em termos de Ambiente Comercial merece atenção especial. Com uma deterioração de quase -5,0 pontos nos últimos dez anos, esta é uma tendência preocupante tendo em conta que, para os próximos dez anos, se prevê um crescimento de quase mais 30% no número de africanos em idade activa (15-64 anos).
Tal crescimento aumentará a procura de emprego num contexto em que o progresso médio do Desenvolvimento Económico Sustentável é quase inexistente. Além disso, o indicador que mede a Promoção da Integração Socioeconómica dos Jovens regista um declínio continental médio de -2,3 pontos na última década.
Há motivos adicionais para preocupação com a Educação. Embora o Desenvolvimento Humano seja uma das maiores histórias de sucesso, fruto das melhorias na Saúde, a estagnação do progresso na Educação converteu-se em declínio.
Para 27 países, as pontuações em termos de Educação registaram a deterioração nos últimos anos, o que significa que, para mais de metade (52,8%) da população jovem africana, os resultados em educação estão a piorar. Esse declínio é motivado por uma queda nos indicadores que avaliam a medida em que a Educação atende às necessidades da economia, a qualidade da educação e as expectativas dos cidadãos quanto ao ensino.
Nos Direitos Humanos, quase quatro em cada cinco cidadãos africanos (79,6%) vivem em países que progrediram nesta dimensão ao longo da última década. Porém, as eleições executivas “livres e justas” nem sempre se traduzem num ambiente participativo melhor. É alarmante que o espaço político e cívico dos cidadãos africanos esteja a diminuir, com tendências de agravamento nos indicadores que medem a Participação da Sociedade Civil, os Direitos e Liberdades Civis, a Liberdade de Expressão e a Liberdade de Associação e Reunião.
Embora a Segurança Pessoal e a Segurança Nacional continuem a apresentar um declínio médio ao longo da última década, o Estado de Direito e a Transparência e Responsabilização começaram a registar um progresso positivo. O Estado de Direito regista a maior melhoria ao longo dos últimos anos. O desempenho africano médio em termos de Transparência e Responsabilização também evoluiu, embora seja necessário fazer mais, já que continua a ser a subcategoria com pior desempenho.
Os direitos e o bem-estar dos cidadãos são essenciais para o progresso da governação pública. Esta variante está fortemente correlacionada com as medidas centradas nos cidadãos, incluindo os direitos de propriedade, os direitos e liberdades civis, a responsabilização na governação e as políticas de bem-estar social.
O Estado de Direito e a Transparência e Responsabilização são pilares fulcrais de uma boa governação, sendo o desempenho forte nestas áreas a componente mais comum nos países com bom desempenho.
Recorde-se que Mo Ibrahim responsabiliza as “falhas monumentais dos líderes africanos após a independência”, explicando sem meias palavras (coisa cada vez mais rara) que, “quando nasceram os primeiros Estados africanos independentes, nos anos 50, África estava melhor em termos económicos”.
Mo Ibrahim também diz que os interesses da Europa, por exemplo, apenas podem ser duravelmente garantidos pela democracia e não pelo apoio aos ditadores.
“Se a Europa quer garantir a longo prazo os seus interesses, ela tem todo interesse em se aproximar dos povos africanos. Pensar que a conivência com os ditadores seria benéfica é um grande erro”, diz Mo Ibrahim.
Este empresário, que fez fortuna na telefonia celular ao criar o operador CELTEL que se tornou depois ZAÏN, já há muito que qualificou de “vergonhoso e um golpe à dignidade” a contínua dependência de África em relação ao ocidente, tendo em conta os “recursos impressionantes” que abundam no continente.
“Não se justificam a fome, a ignorância e a doença que assolam África”, diz Mo Ibrahim, para quem a solução terá de passar obrigatoriamente por “bons líderes, boas instituições e boa governação”, sem os quais “não haverá Estado de Direito, não haverá desenvolvimento”.
Por isso recorda que “havia uma África na qual o Estado era o único proprietário dos meios de informação, na qual a única televisão pertencia ao poder, na qual toda a informação era controlada. Esta África já não existe”.
Folha 8 com Lusa
Foto: Anthony Uchalla