A consultora Verisk Maplecroft considera que os países produtores de petróleo, entre os quais elenca Angola e Guiné Equatorial, arriscam-se a enfrentar uma forte instabilidade social devido à quebra de receitas desencadeada pela transição energética.
“Com a transição energética a acelerar, e a Covid-19 a eliminar qualquer recuperação petrolífera feita nos últimos anos, o tempo está a acabar para um conjunto de países que não conseguiram diversificar as suas economias para além da exportação de combustíveis fósseis”, lê-se num relatório sobre a transição energética.
Argélia, Iraque e Nigéria “estão entre as primeiras vítimas desta lenta onda de instabilidade política que vai engolir os produtores petrolíferos mais expostos”, acrescenta-se no documento enviado aos clientes da consultora, e no qual se aponta, de seguida, Angola, Guiné Equatorial e Cazaquistão.
“Estes países também vão ser atingidos a não ser que se adaptem à ameaça que o afastamento dos hidrocarbonetos coloca para as suas economias”, lê-se ainda no texto.
As companhias petrolíferas estão a mudar os modelos de negócio para apostarem em combustíveis menos poluentes, entre os quais se destaca o gás e as energias renováveis, e vários bancos multilaterais de financiamento, como o Banco Africano de Desenvolvimento, já anunciaram que vão deixar de financiar investimentos em combustíveis ‘sujos’, como o carvão.
“A nossa análise sugere que muitos, se não a maioria, dos produtores petrolíferos vão debater-se com a diversificação principalmente porque lhes faltam instituições legais e económicas adequadas e as infra-estruturas e o capital humano necessário”, dizem os analistas da Verisk Maplecroft.
“Mesmo que estas instituições estejam a funcionar, o ambiente político, os desafios de governação e corrupção e os interesses ocultos significam que alguns não vão conseguir reformar-se, ainda que este seja claramente o caminho racional”, opinam.
Para além dos países do Médio Oriente, a Verisk Maplecroft elenca vários produtores na África Ocidental “com sistemas políticas frágeis e autocráticos ou semi-autocráticos, como Angola, Gabão, Congo, Camarões e a Guiné Equatorial”.
Todos estes países, alertam, “têm regimes cambiais restritivos que os expõem a desvalorizações abruptas da moeda”, o que influencia o poder de compra dos cidadãos e é, por isso, mais um risco político para estes governos.
Em Junho de 2016, a petrolífera estatal (do MPLA) não conseguiu apresentar provas de um rácio “saudável” dívida-capital, conforme exigido no contrato de empréstimo com o banco que facilita os empréstimos, o Standard Chartered, em Londres.
Havia conflitos quanto ao real montante que a Sonangol devia a bancos europeus. Em certos meios, sobretudo entre analistas financeiros, falava-se de 13 mil milhões de dólares, enquanto, no sistema da Bloomberg, a dívida da petrolífera pública estava contabilizada em 9,5 mil milhões de dólares, repartidos em “seis dívidas”.
O crédito foi facilitado pelo Banco Standard Chartered, em Londres, e um dos pontos do acordo exigia que a Sonangol, em determinadas alturas, demonstrasse “com provas” que possuía um rácio dívida-capital “saudável”. Junho era um desses momentos e a petrolífera do regime angolano não conseguiu fazê-lo, o que “eriçou os cabelos dos investidores”, segundo um relatório da Verisk Maplecroft.
Outras análises davam conta de que os receios dos investidores começavam a manifestar-se em várias momentos, destacando-se quando, em Maio, o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, aprovou o plano de reestruturação da petrolífera que a faria focar-se no seu ‘core business’. No novo plano, a exploração petrolífera não caberia à Sonangol e os seus vários activos seriam ou vendidos ou passados para outras ‘holdings’.
Entre os momentos que criariam receios no seio de investidores, segundo observadores internacionais, constava também a amplamente difundida ‘falência técnica’ da empresa, a exoneração do Conselho de Administração da Sonangol, quase por inteiro (sobrou apenas o então CEO, Paulino Jerónimo). Mas as declarações de José Eduardo dos Santos, numa reunião partidária, não passaram ao lado. Primeiramente, o chefe do Executivo disse, no Cuando Cubango, que há seis meses que a Sonangol não pagava ao Estado, esclarecendo pouco depois, em Luanda, que as recitas que a empresa arrecadava mal chegavam para pagar as suas próprias dívidas.
Consultores, correspondentes internacionais de bancos e jornalistas em Luanda foram ‘inundados’ com telefonemas de investidores estrangeiros, na expectativa de obterem ‘clarificação’ sobre as declarações do Presidente, que terão contribuído para disparar a taxa de juros dos Eurbonds angolanos de 9% para os 10,4%, no mercado internacional.
No entanto, pelo meio do turbilhão surgiram notícias pacificadores. A indicação de Isabel dos Santos para PCA da petrolífera pública foi considerada “positiva” e a sua afirmação posterior de que a Sonangol “honraria as suas obrigações financeiras”, ou seja, pagaria a dívida externa, deu algum ânimo aos investidores.
Vários investidores estrangeiros consideraram que Isabel dos Santos “era competente o suficiente para reverter a situação” da petrolífera e aplaudiram a sua decisão de contratar especialistas de prestígio internacional e consultoras baseadas nos Estados Unidos da América, para a aconselhar sobre a reestruturação da Sonangol. Mas havia contratempos, segundo observadores, devido às circunstâncias que então atingiam o mercado do crude.
“A menos que haja uma recuperação súbita dos preços do petróleo, a companhia nacional de petróleo não será capaz de manter o seu papel no sistema económico e político”, afirmou na altura Maja Bovcon, analista sénior para África da Verisk Maplecroft.