O difícil parto da angolanização

O ministro dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás angolano, Diamantino Azevedo, considerou ainda “insípido” o número e qualidade dos técnicos e quadros nacionais, bem como a participação do empresariado nacional na indústria mineira e petrolífera do país, garantido a sua angolanização. Recorde-se que em 12 de Fevereiro de 2013, já Maria Luísa Abrantes, presidente do Conselho de Administração da Agência Nacional de Investimento Privado (ANIP), falava da necessidade de angolanização… Está a ser um parto complicado!

E de quem é a culpa? Obviamente de todos menos do partido, o MPLA, que está no governo há quase… 46 anos.

Diamantino de Azevedo fez estas declarações na abertura do 6.º Conselho Consultivo do órgão ministerial angolano, realizado em Ndalatando, capital da província do Cuanza Norte, que hoje encerrou.

Segundo o ministro, esta preocupação está a merecer a devida atenção do executivo (mais do mesmo), pelo que foi aprovada a Lei do Conteúdo Local do Sector dos Petróleos, com o objectivo de se inserir as sociedades comerciais angolanas, criar emprego e qualificar a mão-de-obra nacional, “num ambiente de sã competitividade”, estando em curso o processo da sua operacionalização.

O governante informou que foi elaborado um instrutivo, bem como o “draft” (rascunho) do contrato-programa para as empresas nacionais e de direito angolano, enquanto decorrem igualmente reuniões técnicas com os principais “stakeholders” (principais interessados) do sector.

Estas reuniões, prosseguiu o ministro, realizam-se com vista a criar-se sinergias e assegurar a criação de condições para a sua efectiva aplicação, tendo como ponto de partida o registo e certificação dos fornecedores, o instrutivo para a regulamentação do Decreto Presidencial 271/20 e a elaboração das listas de bens e serviços sujeitos ao regime de exclusividade e de preferência.

“Pedimos o engajamento de todos os intervenientes do sector, para garantir o êxito desta acção e assim tornar mais fortes e justas as relações interlaborais e comerciais entre os participantes nacionais e estrangeiros”, disse Diamantino de Azevedo, salientando que o êxito e as lições aprendidas com a implementação da lei irão garantir o desenvolvimento de um regime similar para o sector mineiro.

No âmbito da formação, o titular da pasta dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás frisou que foi aprovado o regulamento para o financiamento da formação especializada no sector, com vista a aprimorar os processos tendentes à formação dirigida, “que permita uma angolanização efectiva”.

“Neste contexto, foram assinados dois instrumentos jurídicos, dentre eles o memorando de entendimento entre o Mirempt [Ministério dos Recursos Minerais, Petróleo e Gás] e a embaixada de França, que culminou com o envio de 50 jovens angolanos para diferentes instituições de ensino superior”, informou.

Em relação ao acordo de cooperação entre o Mirempt e a Alemanha, “decorre o processo de selecção de 30 candidatos para os cursos de mestrado nas áreas de geociências”, acrescentou.

O governante referiu ainda que no que se refere à simplificação de processos e controlo estatístico do recrutamento, integração, formação e desenvolvimento do pessoal para o sector, foi criado e implementado o sistema informático de angolanização.

Angolanização ou seis por meia dúzia (do MPLA)?

Em 30 de Dezembro de… 2015, o Folha 8 publicou o artigo “Urge reinventar caminhos para a angolanização”, da autoria de Anabela Marcos (Mestre em Psicologia Organizacional e Coach de Carreira) que importa republicar, para avivar a memória dos donos do reino:

«Na discussão sobre os desafios que perpassam o trabalho das empresas que actuam em Angola, um dos tópicos transversal é a carência de mão-de-obra qualificada para suprir a demanda que o mercado impõe.

Este tópico está inserido na agenda dos gestores de Recursos Humanos, que têm feito malabarismos e adaptações de diferentes níveis, para garantir que os resultados desenhados nos planos estratégicos das empresas não sejam obstruídos por falta de quadros: bolsas de estudo, repatriação de angolanos, contratação de expatriados, apoio financeiro às instituições de ensino, etc..

Apesar de todos estes esforços, deparam-se com factores que conferem ainda mais dificuldades. O mercado competitivo é uma delas. No balanço entre a demanda do mercado e o número de pessoas que despontam das instituições de ensino todos os anos, a guerra por talentos é declarada.

Aqui, a busca de estratégias de atracção e retenção de talentos, que precisa ir além do foco nos pacotes remuneratórios e o foco do trabalho. Porém, mesmo quando há sucesso no processo de atracção dos talentos, uma próxima barreira a romper é o desencontro entre as habilidades profissionais demandadas pelas empresas e o perfil de estudantes que se formam nas nossas instituições educacionais.

Esta lacuna obriga um tempo adicional no processo de integração dos seus funcionários recém-formados e processos de adaptação que envolvem etapas que poderiam ser banidas se os currículos estivessem adaptados às demandas do mercado.

Para que haja mudanças neste cenário há necessidade urgente de uma integração das empresas com as instituições escolares que permitam um auxílio na modulação e construção de currículos que acompanhem a realidade de trabalho e os avanços tecnológicos, e que possibilitem a inserção dos estudantes à vivência prática da realidade laboral, contribuindo para que a formação académica se mova no ritmo da realidade de trabalho e assim suprir lacunas que hoje se fazem presentes.

Deste modo poderemos potencializar o processo de formação e desenvolvimento e reduzir o tempo de adaptação profissional dos jovens nas empresas.

Este processo não encerra a guerra por talentos, mas contribui para a melhoria da “safra” pela qual se compete. Embora cada empresa tenha estratégias singulares, só será possível sentir mudanças a partir de acções conjuntas. Isto é parte de um processo de busca de paradigmas alternativos, com vista a produzir uma evolução dentro do debate em torno da carência de mão-de-obra qualificada, em estratégias de longo prazo, apesar do imediatismo presente no modelo de produção. Isso como parte da agenda de contribuições para angolanização que ambiciona resultados de interesse conjuntural ara o país.»

Nem todos somos matumbos

Em 4 de Junho de 2019, o Presidente João Lourenço exortou, em Luanda, os operadores petrolíferos mundiais a investir em Angola, garantindo estar em curso um processo de reformas no sector que assegura melhores condições para se apostar no país.

João Lourenço discursava na abertura da conferência “Angola Oil & Gas 2019”. “África detém um grande potencial de hidrocarbonetos inexplorados, tendo, por isso, uma palavra a dizer no que concerne à segurança energética do próprio continente e do mundo industrializado no geral. Nesse quadro, Angola ocupa uma das posições cimeiras no continente”, referiu o chefe de Estado angolano.

E referiu muito bem. E, como se sabe, a diversificação da economia está nas mãos dos operadores petrolíferos, sendo de admitir que serão eles a fazer crescer o arroz, o milho, a mandioca, o feijão e todos os produtos agrícolas de que os 20 milhões de pobres angolanos tanto carecem.

João Lourenço acrescentou que o Governo a que preside “está consciente” da realidade e das potencialidades africanas, sublinhando que Angola está “em linha” com o lema da conferência, que encara o petróleo e o gás como catalisadores de uma economia dinâmica, renovável e auto-sustentável.

“Num momento em que Angola está empenhada em atrair investimentos e em promover parcerias e negócios em todos os segmentos da cadeia de energia e da indústria petrolífera, a realização desta conferência permite dar a conhecer melhor aos potenciais investidores estrangeiros a visão que o país tem para a sua indústria do petróleo e do gás”, frisou.

Para o Presidente, Angola, apesar dos esforços que estão a ser feitos para a diversificação económica, continuava onde sempre esteve e está, ou seja, nas “mãos” do petróleo.

João Lourenço salientou que diversas condicionantes de ordem técnica, operacional e estratégica provocaram nos últimos anos uma redução da produção de petróleo, o que obrigou o Governo a tomar medidas para fazer cumprir os objectivos e metas do Plano de Desenvolvimento Nacional (PDN) 2018-22 para o sector petrolífero.

Além de vários decretos presidenciais que visam regular a actividade petrolífera, prosseguiu, foram aprovados diplomas no domínio jurídico-legal, com destaque para a legislação que estabelece os princípios gerais de investimento e o respectivo regime fiscal para as actividades de prospecção, pesquisa, avaliação, desenvolvimento, produção, e utilização do gás natural.

João Lourenço lembrou que tanto a Sonangol, petrolífera estatal que detinha o monopólio do sector, como as demais companhias petrolíferas privadas passaram a ter o direito de pesquisar, avaliar, desenvolver, produzir e vender gás natural no mercado interno e a exportar, dispondo de períodos específicos e mais longos para a exploração e produção de gás natural, em comparação com o petróleo bruto.

O chefe de Estado lembrou que o Programa de Desenvolvimento e Consolidação da Fileira do Petróleo e Gás, inscrito no PDN 2018-22, compreende três grandes objectivos: impulsionar e intensificar a substituição de reservas com vista a atenuar o declínio acentuado da produção, garantir a auto-suficiência de produtos refinados através da construção de novas refinarias e da ampliação da existente e melhorar a rede de distribuição de combustíveis e lubrificantes em todo o território nacional, através do aumento da capacidade de armazenagem.

João Lourenço lembrou também que o Governo decidiu efectuar um reajustamento na organização do sector de petróleos, tendo criado em Fevereiro deste ano a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANPGB), que passa a assumir a função de concessionária nacional para licenças de hidrocarbonetos.

Quanto à Sonangol, realçou, está a ser alvo de um “processo de regeneração”, centrando-a no seu negócio nuclear em torno da cadeia de valor do petróleo bruto e do gás natural.

“Tendo em consideração que Angola importa cerca de 80% dos derivados de petróleo que consome, por falta de capacidade de refinação interna, o executivo colocou entre as suas principais prioridades a construção da grande refinaria do Lobito, a de Cabinda e a requalificação da refinaria de Luanda. Deixamos em aberto a possibilidade de mais uma refinaria, neste caso no Soyo, se os estudos em curso quanto à oferta de crude assim o aconselharem”, recordou.

Prosseguindo com as alterações feitas no último ano, João Lourenço realçou a decisão de aumentar a capacidade de armazenagem de combustíveis e lubrificantes e da rede de postos de abastecimento em todo o país, contando com a iniciativa privada.

“Sendo este sector de capital intensivo e de tecnologia avançada, a sua importância será ainda maior se passar a incorporar de forma crescente mão-de-obra angolana qualificada”, apelou, lembrando os incentivos que têm sido criados pelo Governo.

A intenção é que, através do processo de revisão da Lei do Conteúdo Local, as empresas petrolíferas cumpram os seus planos de formação e promovam o recrutamento, integração, formação e desenvolvimento de quadros técnicos angolanos em toda a cadeia na hierarquia da indústria petrolífera, “aumentando assim para níveis aceitáveis o grau de angolanização do sector”.

E viva a banha da cobra ou a cobra da banha?

Recorde-se que o Presidente João Lourenço manifestou-se no passado dia 14 de Fevereiro de 2019 confiante que Angola vai nos próximos tempos tornar-se auto-suficiente em derivados de petróleos, quando chegarem ao fim os projectos de construção de duas novas refinarias e a ampliação de outra antiga.

João Lourenço falava na cerimónia em que deu posse ao novo secretário de Estado dos Petróleos de Angola, José Barroso, e ao Conselho de Administração da Agência Nacional de Petróleo e Gás, presidido por Paulino Jerónimo.

O chefe de Estado, igualmente Titular do Poder Executivo e Presidente do único partido que governou Angola desde a independência (o MPLA), disse que depois da tomada de decisão “corajosa” da retomada de construção da Refinaria do Lobito, na província de Benguela, a construção da Refinaria de Cabinda e a ampliação da antiga Refinaria de Luanda, o país vai tornar-se auto-suficiente em derivados de petróleo, nomeadamente combustíveis e lubrificantes.

“Foi uma medida bastante oportuna”, disse João Lourenço, salientando que com a ampliação da Refinaria de Luanda, Angola conta a partir de 2021 vir a quadruplicar a actual capacidade de produção, e que a mesma, “embora antiga”, ainda pode contribuir para reduzir a dependência do país em termos de produtos refinados.

O Presidente destacou ainda a aprovação da lei que vai criar o ambiente para que Angola seja não só um grande produtor de crude, mas também um grande produtor de gás natural.

“Esta lei foi aprovada e na sequência disso vêm sendo dados passos no sentido de as operadoras poderem concorrer na prospecção e exploração das grandes reservas de gás que o país detém, mas que por ausência dessa mesma lei estavam pouco incentivados a explorar este tão importante recurso, que é o gás natural”, frisou.

Sobre o sector petrolífero, João Lourenço sublinhou que foi também tomada a medida de aprovação da estratégia de licitação de blocos petrolíferos, para o período 2019 e 2025, quer em `offshore`, quer em `onshore`.

“Finalmente acabámos por fazer aquilo que se impunha há bastante tempo e que é regra praticamente na indústria petrolífera no mundo fora, que é haver uma empresa que se dedica sobretudo à produção do crude e do gás e dos seus derivados, e uma agência com o papel de concessionária nacional, produzindo cada vez mais crude, mais gás, e que torne o nosso país auto-suficiente em termos de produtos refinados, portanto, lubrificantes e combustíveis”, salientou.

Em declarações à imprensa no final do acto, o novo secretário de Estado dos Petróleos, José Barroso, disse que são vários os desafios que o sector petrolífero tem pela frente, mas o Estado angolano já definiu os objectivos para o sector, que passam pelo suporte no fundo à diversificação da economia, ainda suportada pelas receitas do petróleo.

“Neste momento está-se a fazer a reestruturação do sector, tanto organizacional, como do ponto de vista legislativo. A nossa função será essa, será dar continuidade a todos os processos em curso, de maneira a atingirmos a metas que o executivo definiu”, disse.

Por sua vez, o presidente da Agência Nacional de Petróleo e Gás, Paulino Jerónimo, disse que a Sonangol, petrolífera estatal, até agora assumiu o papel empresarial e o papel do Estado, como concessionária nacional, frisando a importância da separação de tarefas.

“Porque precisamos que as duas entidades, em separado, tenham foco na sua actividade, […] criámos de facto uma melhor prestação na situação da indústria, um melhor contacto com os operadores petrolíferos, que são eles que produzem, e a Sonangol se dedique definitivamente nos seus negócios nucleares, que são a exploração e produção, distribuição e transporte de combustíveis”, avançou.

Folha 8 com Lusa

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